As matérias-primas agrícolas mantêm uma tendência de alta há vários meses, enquanto 900 milhões de pessoas estão passando fome. (Nelson Almeida/AFP)
Da Redação
Publicado em 2 de março de 2012 às 19h33.
São Paulo - A cogeração de energia elétrica por meio da queima de bagaço de cana no Brasil está sob pressão, em um cenário em que outras fontes de geração de energia, como a eólica, têm sido mais competitivas nos leilões do governo.
O Brasil, maior produtor global de açúcar e segundo de etanol, gera cerca de 140 milhões de toneladas de bagaço de cana todo ano, volume que pode alimentar unidades de geração de eletricidade acopladas às usinas.
A Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar) estima que o setor poderia gerar até 2020 cerca de 15,3 mil megawatts (MW) de energia com a queima do bagaço, o equivalente a três usinas de Belo Monte e quase a necessidade total anual de um país como o Equador.
A cogeração nas usinas é considerada uma forma limpa de produção de eletricidade, já que o carbono liberado na queima do bagaço é basicamente compensado no desenvolvimento das lavouras, já que as plantas sequestram carbono da atmosfera.
O alerta da situação de desvantagem do setor sucroalcooleiro na área de energia surgiu em agosto último, quando projetos de bioeletricidade com bagaço ficaram com apenas 4 por cento do total da energia comercializada no leilão do governo.
Projetos alimentados com gás natural ficaram com 56 por cento, energia eólica com 27 por cento e hidrelétricas com 14 por cento. Para o próximo leilão, em 22 de março, apenas 23 projetos de geração com bagaço foram registrados para participar, ante 81 no leilão de agosto.
Críticas ao modelo
"A regra é comprar pelo menor preço, não importando as diferenças de custo dos projetos", diz Silmar José de Souza, professor da Fundação Getúlio Vargas e especialista em bioeletricidade da Unica.
Ele afirma que vantagens tributárias em equipamentos de setores como o de energia eólica, associados com o aumento geral de custos no setor sucroalcooleiro, em parte devido à valorização do real, deixaram a energia de biomassa derivada de cana mais cara que as outras, consequentemente menos competitiva nos leilões.
Souza defende que o governo leve em consideração o fato de o setor gerar energia limpa e o favoreça de alguma forma ante fontes como as termelétricas a gás natural, um combustível fóssil emissor de dióxido de carbono (CO2), o gás que é o maior contribuidor para o efeito estufa.
"O leilão mistura fontes que não são comparáveis. Falta uma política setorial para a bioeletricidade", diz Souza.
As unidades de geração de energia acopladas às instalações de produção de açúcar e etanol são importantes para as usinas porque se configuram em fonte adicional de geração de caixa, utilizando matéria-prima que já está disponível.
Roberto Meira Jr, coordenador-geral de Fontes Alternativas no Ministério de Minas e Energia, afirmou que não há no momento previsão de mudanças no modelo dos leilões, mas deixou aberta a possibilidade de ocorrer uma avaliação da situação da geração a partir de bagasso.
"Os leilões de energia, independente da questão da biomassa, promovem muita competitividade entre as fontes. O carro chefe, uma das diretrizes principais para a elaboração dos leilões, é promover a competitividade, para alcançar redução de custos para o valor da energia", afirmou.
"Mas é importante que o setor forneça subsídios para o ministério para uma avaliação. Porque se há problemas tem que ser avaliado", acrescentou Meira.
Energia eólica cresce
Enquanto o setor de cana-de-açúcar enfrenta dificuldades, a geração de energia pelos ventos cresce em forte ritmo. A energia eólica avançou 72 por cento em 2011 ante 2010, para 1.325 MW. Considerando contratos já fechados nos leilões, chegará a 5.142 MW ao final de 2013 e a 8.047 MW ao fim de 2016.
"O Brasil tem ventos privilegiados com fator de capacidade de pelo menos o dobro do verificado em países tradicionais nesta forma de geração", afirmou Pedro Perrelli, diretor-executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeólica).
Segundo ele, esse é um dos fatores que fazem com que os projetos possam ter preço competitivo, ao lado da questão do desenvolvimento da indústria de equipamentos no Brasil.
Fatima Vaz Moreira, consultora sênior da Bioenergia, em São Paulo, diz que o custo dos projetos eólicos caiu bastante ultimamente.
"A crise de 2008 gerou excesso de capacidade de produção de equipamentos para energia eólica na Europa. Esses equipamentos precisavam ser colocados em algum lugar, ao mesmo tempo em que o Brasil estava começando a incorporar eólica de maneira consistente", afirmou.
"O custo de capex em reais caiu bastante. E existiram incentivos fiscais, isenção na compra de equipamentos, incentivos para instalação de fabricantes de equipamentos."
Segundo Fatima, o cenário atual é desestimulador para a produção de energia por meio de biomassa derivada da cana.
"A gente tinha uma lista de projetos previstos para entrar e isso nao está acontecendo. Se cai muito a rentabilidade, passa a não ter muito sentido".