Agência de notícias
Publicado em 26 de junho de 2024 às 14h00.
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal, nesta terça-feira. Em meio à decisão, o relatório anual sobre drogas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o World Drug Report 2024, afirma que a canábis é a mais consumida no mundo. O documento, divulgado nesta quarta-feira, levanta dados sobre as consequências da descriminalização em outros países.
Na prática, a decisão da Corte significa que o uso da substância deixará de ser crime, o chamado ilícito penal, e passará a configurar um ilícito administrativo. Os ministros ainda não definiram qual é a quantidade que será determinada para diferenciar traficante de usuário – a proclamação final será feita nesta quarta-feira.
Segundo o levantamento da ONU, a maconha é a droga mais consumida em todo o mundo, acumulando 228 milhões de usuários, cerca de 78% do total. De acordo com a ONU, existem 292 milhões de pessoas fazendo uso recorrente de substâncias, representando um aumento de 20% nos últimos 10 anos.
No que se refere à legalização da canábis em alguns países, o relatório da ONU aponta que em janeiro de 2024, o Canadá, o Uruguai e 27 jurisdições nos Estados Unidos legalizaram a produção e venda desta substância para uso recreativo. O documento destaca que "nestas jurisdições das Américas, o processo parece ter acelerado o uso nocivo da droga e levado a uma diversificação de produtos de canábis, muitos deles com elevado teor de THC (potência)".
Segundo o levantamento, as hospitalizações, os quadros psiquiátricos e as tentativas de suicídio associadas ao uso regular da canábis aumentaram no Canadá e nos Estados Unidos, especialmente entre jovens adultos. No entanto, o número de pessoas adeptas aos tratamentos aumenta em ritmo lento, em comparação ao crescimento de usuários.
Dentre os 64 milhões de adictos com distúrbios causados pelo uso, apenas 1 em casa 11 procura ajuda. Os números são ainda mais preocupantes entre as mulheres, no total, apenas 1 a cada 18 usuárias buscam tratamento.
O documento divulgado em Viena afirma que a produção mundial de cocaína bateu o recorde de 2.757 toneladas em 2022, um crescimento de 20% em relação ao ano anterior. O cultivo global de coca aumentou 12% entre 2021 e 2022, chegando a marca de 355 mil hectares. O aumento da oferta e procura de cocaína coincidiu com o crescimento da violência em locais que fazem parte da cadeia de produção, como Equador e países do Caribe. Além disso, foi constatado também um aumento dos danos para a saúde nos países de destino, incluindo na Europa Ocidental e Central.
O relatório também inclui capítulos especiais sobre o impacto da proibição da produção de ópio no Afeganistão, drogas sintéticas, impactos da legalização da canábis e a volta do consumo de substâncias psicodélicas. A pesquisa também aborda o direito à saúde em relação ao uso, e como o tráfico de drogas no Triângulo Dourado (Tailândia, Myanmar e Laos, juntamente com o Afeganistão) está ligado a outras atividades ilícitas e as suas consequências.
A maioria de seis ministros foi atingida com o voto de Dias Toffoli, que fez um esclarecimento do voto que já havia proferido na última quinta-feira.
Toffoli, que já havia proferido o seu posicionamento na semana passada, disse que seu voto é claro no sentido de entender que "nenhum usuário de droga deve ser criminalizado". O caso começou a ser analisado pelo Supremo em 2011, e ficou paralisado por oito anos.
O julgamento avalia a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que considera crime "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
– O meu voto é claríssimo no sentido de que nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado. Esse foi o objetivo da lei de 2006, descriminalizar todos os usuários de drogas. A lei anterior tratava como crime o uso de drogas, tratava como criminosos os usuários de drogas – disse Toffoli ao fazer o esclarecimento em seu voto.
Para Toffoli, a questão da fixação de quantidades como critério para descriminalização e sustentou que a medida não é suficiente para resolver a questão.
– Fixar a quantidade não resolve o problema. Vamos imaginar um rapaz pego, morador de um lugar muito pobre, com dois mil reais no bolso e cinco gramas de maconha. Ele vai ser preso do mesmo jeito, como traficante – pontuou.
Após a explicação feita por Toffoli, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, proclamou a maioria de votos atingida no julgamento. O presidente ainda lembrou que o consumo de drogas em lugares públicos continua sendo um ato ilícito, e que a Corte não estava legalizando a maconha.
Ao votar, o ministro Luiz Fux se pronunciou pela constitucionalidade do artigo 28 da lei de Drogas, mas afirmou entender que a própria norma não criminaliza o usuário. O ministro ainda disse entender não ser papel do Judiciário definir uma quantidade para diferenciar usuários e traficantes, deixando a cargo do Legislativo.
– Peço vênia ao colegiado por essa visão realista de que, sem regulação, sem atuação do Legislativo, a alteração do uso da maconha vai trazer muito mais problema do que solução – pontuou.
A ministra Cármen Lúcia destacou os efeitos nocivos da punição a pessoas que são dependentes químicas e ressaltou os impactos no sistema penitenciário. Ao se juntar à maioria e deliberar sobre as quantidades que devem ser estabelecidas para diferenciar usuário e traficante, Cármen sugeriu a quantidade 60g até que haja uma palavra final do Legislativo.