DISTRITO FINANCEIRO DE LONDRES: executivos se reúnem nos pubs e se perguntam para onde os bancos vão se mudar / Marco Kesseler/The New York Times
Da Redação
Publicado em 12 de julho de 2016 às 12h06.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.
Londres – Luke Hickmore bebia recentemente em um bar londrino, enquanto observava os resultados parciais da votação que decretaria a saída do Reino Unido da União Europeia. Logo depois, foi para a cama, mas não dormiu por muito tempo.
Hickmore, de 46 anos, é um dos responsáveis por supervisionar os 13,7 bilhões de dólares em ativos da Aberdeen Asset Management, um grupo multinacional de investimentos. Ele ligou a TV às 3h30 da manhã, horário londrino, e pensou, “Espere um momento, as coisas não estão saindo como o mercado imaginou”.
Doze horas mais tarde, já sentado em sua mesa de trabalho, ele afirmou: “Estou sentindo uma sensação estranha”. Um colega na Austrália tinha até enviado um pouco de blues dos tuaregs argelinos para que ele entrasse no clima do trabalho. Hickmore começou a trabalhar no setor em 1987. Poucas horas depois que o Reino Unido optou por sair da União Europeia, a libra esterlina despencou para os níveis mais baixos desde 1985. “É tudo meio surreal”.
Há trinta anos, Margaret Thatcher deu início a uma onda de desregulamentação financeira conhecida como o “Big Bang”, que garantiu a Londres um lugar no centro do mundo financeiro, bem ao lado de Nova York. Mas após o resultado da votação pelo “Brexit”, existe muita incerteza em torno do setor financeiro que se tornou a locomotiva econômica da cidade.
Apesar do estresse de sempre com as oscilações do mercado, desta vez a situação vem acompanhada por uma preocupação ainda maior em relação ao futuro de Londres como uma capital financeira, em meio aos reiterados avisos de que dezenas de milhares de vagas de trabalho serão transferidas para a Europa continental.
O distrito financeiro se estende dos enormes escritórios de fundos hedge em Mayfair ao Canary Wharf, onde as docas abandonadas deram lugar a sedes de banco modernas. Mas no coração do distrito fica a versão britânica de Wall Street, conhecida como City of London, ou simplesmente “the City”, ou “a cidade”, composta pelos cerca de 2.6 quilômetros quadrados dentro dos muros da velha Londinium, a cidade construída pelos romanos.
O Brexit não sai da cabeça das pessoas, à medida que os banqueiros são obrigados a absorver um segundo Big Bang tão profundo quanto o de trinta anos atrás – embora sem um mapa que indique a direção do futuro.
Após o tumulto, banqueiros, negociantes e outros tipos do mundo das finanças eram vistos no Pavilion End, um pub da cidade ao lado da Catedral de St. Paul. Um grupo de pessoas se reunia em frente ao bar, como é hábito em Londres sempre que o clima permite. Alguns estavam sem paletó, de camisa social branca, calça social e gravata, e seguravam as canecas de cerveja enquanto se perguntavam para onde os escritórios da cidade iriam se mudar. Paris, Amsterdã, Frankfurt pareciam os mais prováveis. Mas poucos pareciam animados com a perspectiva de viver lá.
“Não há mais confiança; está tudo acabado”, afirmou Andrew Towill, de 28 anos, um dos quatro funcionários de uma empresa multinacional de consultoria imobiliária que se reuniam em frente ao Pavilion End.
Anna Benjamin, de 50 anos, afirmou que pouco havia mudado em sua linha de negócios “já que lidamos com projetos em andamento. Mas todo mundo está sentindo que assim que esses projetos chegarem ao fim, ninguém sabe de onde virão os próximos”.
John Lowes, de 35 anos, afirmou que há um “sentimento geral de preocupação”. “O que vai acontecer agora? A gente simplesmente não sabe”, acrescentou. O grupo teme voltar para as condições enfrentadas durante a crise financeira. “Não queremos que essa situação volte. Naquela época eu não tinha nada para fazer”, afirmou Robert Harper, de 37 anos.
Qual a defesa?
Mas assim como em qualquer choque financeiro, há ganhadores e perdedores. Crispin Odey, gestor de fundos hedge favorável ao Brexit e que certa vez construiu um templo grego para suas galinhas, teve um ganho polpudo de 15 por cento em sem principal fundo depois de apostar em ouro, ao invés de depositar o dinheiro no mercado. George Soros, o financista bilionário, parecia estar bem posicionado, uma vez que fez apostas similares recentemente, embora também tenha profetizado sobre os danos que seriam causados pelo Brexit e tenha lamentado o resultado da votação.
Muitas pessoas em pior condição social vão sofrer as consequências. Embora os eleitores mais velhos sejam os principais a optarem pelo Brexit, o valor de suas aposentadorias caiu junto com o mercado de ações e a economia britânica.
Os executivos descreveram uma noite tensa no pregão. No Goldman Sachs, o pregão londrino não parou de trabalhar durante a noite toda, com as TV exibindo as parciais do referendo. Em uma nota aos funcionário do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, o executivo-chefe do banco, afirmou que a empresa “chegou a processar mil tickets por segundo”, muito acima do volume médio de transações. O executivo-chefe do Citigroup de Nova York, Michael Corbat, foi pessoalmente até o pregão, uma medida rara para os chefões da Wall Street de hoje.
Vai levar dias, ou mesmo meses até entendermos quais são as ramificações para os mercados e para a cidade, à medida que o Reino Unido negocia seus relacionamentos pós-Brexit e o mercado financeiro global descubra o que deve fazer em seguida. Sob muitos aspectos as consequências da saída são previsíveis, mas sob muitos outros, não.
Mais cedo, durante uma conferência, Andrew Jackson, CIO da Cairn Capital, empresa com sede em Londres, foi questionado a respeito da melhor maneira de se preparar para a votação pró Brexit.
“Muita gente falou que se livrar de ações de bancos britânicos seria a melhor forma de se preparar contra isso”, afirmou, segundo um vídeo postado no site da conferência de investimento. “Não tenho certeza de que o hedge seria tão bom, já que as ações de bancos britânicos, e de bancos europeus em geral, não tiveram um bom resultado nos últimos tempos. Então, até que ponto o valor dessas ações ainda pode cair?”
Ainda podiam cair muito, ao que tudo indica. Muitos fundos hedge esperaram para agir após o resultado do referendo, buscando se preparar para lidar com as consequências. “Ainda é cedo para dizer, mas pouca gente se saiu extremamente bem ou extremamente mal”, afirmou Anthony Lawler, executivo da GAM, empresa de gestão de investimentos.
(Danny Hakim E Prashant S. Rao / © 2016 New York Times News Service)