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Em Haia, África do Sul acusa Israel de escalar o 'genocídio' em Gaza para uma 'nova e horrenda fase'

Nova solicitação de medidas provisórias, protocolada na semana passada, foi baseada na mais recente ofensiva israelense contra Rafah

O consultor jurídico da África do Sul Cornelius Scholtz e o embaixador sul-africano na Holanda, Vusimuzi Madonsela, na Corte Internacional de Justiça (CIJ) (NICK GAMMON/AFP)

O consultor jurídico da África do Sul Cornelius Scholtz e o embaixador sul-africano na Holanda, Vusimuzi Madonsela, na Corte Internacional de Justiça (CIJ) (NICK GAMMON/AFP)

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Agência de notícias

Publicado em 16 de maio de 2024 às 14h38.

A África do Sul acusou Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, de escalar e elevar à "uma nova e horrenda fase" o que classificou como “genocídio” na Faixa de Gaza, pedindo ao tribunal que ordenasse a interrupção da ofensiva israelense em Rafah.

Em seu quarto pedido para medidas provisória, protocolado na sexta passada, advogados de Pretória apresentaram ao tribunal uma série de alegações contra Israel, incluindo valas comuns, tortura e retenção deliberada de ajuda humanitária. Israel responderá na sexta-feira.

Em fevereiro, a máxima instância judicial da ONU rejeitou um pedido da África do Sul que buscava pressionar legalmente Israel a não lançar uma ofensiva terrestre em Rafah, no sul de Gaza.

— A África do Sul esperava, na última vez em que compareceu a este tribunal, que esse processo genocida fosse interrompido para preservar a Palestina e seu povo — disse Vusimuzi Madonsela, embaixador sul-africano na Holanda, onde fica a sede da CIJ. — Em vez disso, o genocídio de Israel continuou em ritmo acelerado e acaba de atingir um novo e terrível estágio.

Pretória deu início a dois dias de audiências no alto tribunal das Nações Unidas (ONU), que está sendo solicitada a ordenar um cessar-fogo em Gaza, devastada por mais de sete meses de conflito entre Israel e Hamas. “Como as evidências demonstram de forma esmagadora, a maneira pela qual Israel está implantando suas operações militares em Rafah e no restante de Gaza é genocida”, disse a África do Sul em sua petição, acrescentando que "deve-se ordenar que parem”.

Em janeiro, a corte ordenou que Israel — que defende seu compromisso “inabalável” com a lei internacional e diz que as alegações sul-africanas são “totalmente infundadas” e “moralmente repugnantes” — fizesse todo o possível para evitar atos de genocídio e permitir o acesso humanitário a Gaza.

Mas o tribunal não chegou a ordenar um cessar-fogo, e o argumento da África do Sul é que a situação no enclave palestino — especialmente a operação na cidade lotada de Rafah — exige uma nova ação da CIJ. Para o advogado da África do Sul, Vaughan Lowe, a campanha na região localizada no extremo sul do enclave "é o último passo na destruição de Gaza e de seu povo palestino".

— Foi Rafah que levou a África do Sul ao tribunal. Mas são todos os palestinos, como um grupo nacional, étnico e racial, que precisam da proteção contra o genocídio que o tribunal pode ordenar — afirmou.

Medidas provisórias

As decisões da CIJ são juridicamente vinculantes, mas a corte não tem mecanismos para aplicá-las. Por exemplo, a jurisdição exigiu em vão que a Rússia parasse sua invasão da Ucrânia.

A África do Sul está solicitando ao tribunal três ordens de emergência (“medidas provisórias” no jargão judicial) enquanto seus juízes consideram a acusação de que Israel está violando a Convenção de Genocídio da ONU de 1948, levada à corte pelo país em dezembro. Em primeiro lugar, ela pede que o tribunal ordene que Israel “se retire imediatamente e pare sua ofensiva militar” em Rafah.

A cidade, empobrecida até para os padrões de Gaza, abrigava 1,5 milhão — mais da metade de toda a população do enclave — de palestinos deslocados da guerra e também era um ponto de acesso fundamental para a escassa ajuda humanitária que entrava em Gaza.

Também exige que Israel tome “todas as medidas efetivas” para permitir “acesso desimpedido” a Gaza para trabalhadores humanitários, jornalistas e pesquisadores. E, por fim, Pretória exige que o tribunal garanta que Israel informe sobre as medidas tomadas para cumprir essas ordens.

"Como o principal centro de assistência humanitária em Gaza, se Rafah cair, Gaza também cairá" disse a África do Sul no processo da CIJ.

— O impedimento da ajuda humanitária não pode ser visto como outra coisa que não seja o extermínio deliberado de vidas palestinas. Inanição até o ponto da fome — disse a advogada Adila Hassim, com a voz embargada pela emoção.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ordenou a ofensiva em Rafah, desafiando os avisos dos EUA de que mais de um milhão de civis que se abrigam no local poderiam ser pegos no fogo cruzado. Na véspera da sustentação de Pretória na corte, o premier argumentou que “temos que fazer o que temos que fazer” e insistiu que os deslocamentos em massa no local evitaram uma “catástrofe humanitária” muito temida.

Segundo Netanyahu, meio milhão de palestinos fugiram de Rafah desde 6 de maio, quando as Forças Armadas deram a primeira ordem de deslocamento, embora a Agência da ONU para Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA, na sigla em inglês) fale em 600 mil deslocados. Diretores de agências da ONU e autoridades da União Europeia (UE) afirmaram que não há "lugar seguro" em Gaza.

Poucos minutos antes do início das audiências no tribunal, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que a operação em Rafah “continuará, pois forças adicionais entrarão” na área.

'Cessar fogo permanente'

A África do Sul enfatizou que a única maneira de implementar as ordens já emitidas pelo tribunal internacional é um “cessar-fogo permanente em Gaza”. Mas Netanyahu se opõe a um cessar-fogo permanente e acredita que a única maneira de destruir o Hamas é obter acesso a Rafah, onde, segundo ele, estão localizados os últimos batalhões do grupo.

A ONU e os principais aliados de Israel, como os Estados Unidos e a União Europeia, rejeitaram uma operação em grande escala em Gaza devido às consequências para os civis. Washington chegou a anunciar na semana passada a suspensão do envio de determinadas armas a Israel, em especial bombas usadas na ofensiva em Rafah, mas, na quarta-feira, o presidente Joe Biden comunicou oficialmente ao Congresso a intenção de concluir um novo pacote militar para Israel, estimado em US$ 1 bilhão (R$ 5,13 bilhões), composto por armas, veículos e munições.

Além do caso em dezembro, Pretória também fez uma petição à CIJ sobre a fome em Gaza e obteve uma nova decisão ordenando que Israel permita a entrega de alimentos, água e outros suprimentos vitais "sem demora". Israel negou veementemente ambas as acusações.

Em fevereiro, o tribunal também assumiu um caso solicitado pela Assembleia Geral da ONU sobre a legalidade da ocupação dos territórios palestinos por Israel. As audiências, planejadas muito antes da guerra, contaram com a participação de mais de 50 países, a maioria dos quais expressou raiva e frustração com os ataques de Israel a Gaza e com o aumento do número de mortes de civis.

Em abril, a Nicarágua também levou o conflito no Oriente Médio ao tribunal, mas, desta vez, acusando a Alemanha de ser cúmplice no que descreveu como "genocídio" ao enviar armas a Israel. Berlim negou as acusações. A CIJ rejeitou uma solicitação de Manágua para que o país europeu suspendesse o envio de armas a Tel Aviv. Apesar da decisão, o caso não foi totalmente rejeitado. A Corte ainda não comentou o mérito do caso apresentado, o que pode levar meses ou mesmo anos.

A guerra em Gaza foi desencadeada pelo ataque terrorista do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro, no qual cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e mais de 240 foram levadas para o enclave palestino como reféns. Em resposta, Israel lançou uma operação terrestre e aérea contra a Faixa de Gaza, controlada pelo grupo desde 2007. Em sete meses, mais de 35,2 mil palestinos foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde do território governado pelo Hamas.

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