Donald Trump: republicano ainda pode vencer a corrida, mas um dia antes da eleição não houve uma notícia bomba que lhe desse vantagem (Joe Raedle / Equipe/Getty Images)
Thiago Lavado
Publicado em 2 de novembro de 2020 às 15h08.
Última atualização em 2 de novembro de 2020 às 15h27.
Existe um fenômeno na corrida eleitoral dos Estados Unidos que deixa todos esperando por alguma notícia de impacto na reta final: a Surpresa de Outubro. O termo se refere a algum acontecimento altamente midiático que acontece no mês que antecede as eleições, em especial o pleito presidencial, e que pode alterar a opinião dos eleitores em favor de um ou outro candidato.
Em 2016, por exemplo, o então diretor do FBI, James Comey, enviou uma carta ao Congresso no final do mês, anunciando que tomaria passos para abrir uma investigação contra o armazenamento privado de e-mails da candidata democrata Hillary Clinton. Dias antes, Trump teve uma gravação vazada em que, com linguagem chula, fazia declarações sexistas. Em 2018, a chegada de uma caravana de imigrantes da América Central até a fronteira sul dos EUA tomou conta do noticiário às vésperas das eleições de meio de mandato.
Mas em 2020, a Surpresa de Outubro nunca veio de fato para os candidatos. Para Donald Trump, cuja campanhava de reeleição contava com alguma notícia bombástica contra o democrata Joe Biden, a ausência foi ainda mais sentida. A um dia da eleição, o concorrente lidera as pesquisas.
Não é que outubro foi um marasmo na campanha, houve eventos importantes no último mês: o jornal The New York Times divulgou uma investigação sobre o pagamento de impostos do presidente, apontando que ele pagou apenas 750 dólares em taxas em 2016 e 2017. No início do mês, ele anunciou que estava com covid-19 e chegou até a ser tratado em um hospital militar durante um final de semana — muitos esperavam que a doença poderia "humanizar" a campanha presidencial de Trump, criando uma espécie de empatia pelo candidato.
O caso mais emblemático para Trump, que poderia ser considerada sua "surpresa de outubro", veio há cerca de um mês. O jornal New York Post, do mesmo dono da Fox News, o empresário Rupert Murdoch, publicou uma reportagem sobre suposto uso da influência de Biden como vice-presidente por seu filho, Hunter Biden, em negócios na Ucrânia.
As acusações de uso pessoal da influência de Biden por Hunter não são novas. Hunter trabalhou para uma empresa de energia ucraniana, a Burisma, e Joe Biden é acusado de ter tentado influenciar o governo ucraniano, usando a influência americana, para não investigar a empresa. As acusações nunca foram verdadeiramente provadas. O que a matéria do Post traz de novos são supostos emails e fotos pessoais de Biden que provariam o uso da influência do pai. O material teria sido obtido em um computador da Fundação Biden deixado em uma assistência em Delaware. Outros veículos da imprensa americana têm questionada a apuração do Post e a própria veracidade do material. Redes sociais como Facebook e Twitter derrubaram o alcance da matéria. O Twitter restabeleceu recentemente o material do New York Post
Seja como for, o fato é que a reportagem do Post parece ter influenciado pouco nos resultados de Biden nas pesquisas desde então.
Desde a publicação da matéria, devido à ela ou não, Biden caiu cerca de dois pontos nacionalmente e um ponto na somatória dos estados-chave, segundo a média das pesquisas do site RealClearPolitics. Como o candidato tinha vantagem larga contra Trump, a queda não levou a um efeito amplo nas pesquisas.
É diferente do que ocorreu na reta final em 2016. Seja ou não por causa do caso Comey e do FBI, Trump subiu cinco pontos nas pesquisas nos estados decisivos na reta final naquele ano (que lhe garantiram a eleição, embora ele tenha perdido no voto nacional). A eleição de 2016 também tinha mais indecisos, que podem ter sido capturados por Trump em meio ao caso envolvendo Hillary.
A realidade é que 2020 foi um ano singular, com "surpresas" distribuídas pelo calendário. "A surpresa de outubro aconteceu em março", disse ao New York Times Mike DuHaime, um estrategista republicano, responsável pela campanha presidencial do ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, em 2008. A pandemia de coronavírus resultou em um cenário de caos na saúde pública norte-americana, além de impactos econômicos com fechamentos de negócios, pedidos de auxílio emergencial, desemprego. A economia, que era pujante e poderia dar margem à campanha de Trump, ficou em frangalhos.
A eleição presidencial dos EUA, como outras, só termina quando os votos forem contados — e Trump ainda pode ser eleito. Mas, para conquistar o colégio eleitoral como fez em 2016, ele está sozinho este ano.