Christian Zurita, candidato à presidente, discursa em comício em Quito, usando capacete (Agencia Press South/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 19 de agosto de 2023 às 15h00.
Em meio ao choque pelo assassinato a tiros de um candidato e da violência vinculada ao narcotráfico, o Equador votará no domingo (20) em uma eleição antecipada para definir um novo presidente e tentar acabar com uma crise institucional.
O presidente de direita Guillermo Lasso, encurralado por um processo de impeachment, chamado de julgamento político no Equador, dissolveu o Congresso em maio e convocou eleições gerais antecipadas. Porém, o assassinato do candidato à presidência Fernando Villavicencio, a apenas 11 dias da votação, quando saía de um comício, ofuscou a campanha.
"São eleições completamente atípicas, em uma situação de horror que o Equador está atravessando pela violência que já estava presente, mas que se manifesta de forma mais aguda e atroz com o assassinato político", comentou a cientista política Anamaría Correa Crespo, coordenadora de Relações Internacionais da Universidade São Francisco de Quito, à AFP.
O crime alterou o panorama eleitoral. Luisa González, a candidata do ex-presidente socialista Rafael Correa (2007-2017), é a favorita nas pesquisas, mas sem um índice suficiente nas intenções de voto para evitar o segundo turno. Para vencer no primeiro turno, uma candidatura deve receber 40% dos votos válidos, com uma vantagem de 10 pontos sobre o segundo lugar.
Atrás de González nas pesquisas aparecem o jornalista Christian Zurita, amigo e substituto de Villavicencio na disputa, o empresário de direita Jan Topic, o líder indígena Yaku Pérez e o ex-vice-presidente Otto Sonnenholzner.
Também serão eleitos os 137 membros da Assembleia Nacional para completar o atual mandato, que vai até maio de 2025. Em um país com voto obrigatório, quase 13,4 milhões dos 18,3 milhões de equatorianos devem comparecer às urnas no domingo entre 7h e 17h (9h e 19h de Brasília).
Morte marcou campanha
O rosto do falecido Villavicencio aparece nas cédulas de votação ao lado de outros sete candidatos, pois os documentos já estavam prontos quando ele foi baleado. Pouco antes do crime, o jornalista e ex-congressista havia acusado o líder do grupo criminoso 'Los Choneros', aliado do cartel mexicano de Sinaloa, de ameaçá-lo de morte. Ele também havia denunciado parlamentares, incluindo alguns 'correístas', ao Ministério Público por suposto envolvimento em um plano para matá-lo.
Após o assassinato, a popularidade de Luisa González foi afetada. Seu mentor, Correa, e Villavicencio eram grandes rivais desde que uma das reportagens dele teve como consequência a condenação à revelia do ex-presidente a oito anos de prisão por corrupção.
"Venceríamos no primeiro turno, mas o assassinato de Villavicencio alterou o tabuleiro eleitoral", admitiu Correa, que mora na Bélgica desde que deixou o poder. No exílio, ele aponta um complô político para acusar o correísmo pelo crime e beneficiar a direita.
Luisa González liderava duas pesquisas recentes (com 24% e 24,9%). Uma delas, do instituto Cedatos, mostrava Villavicencio em segundo lugar (12,5%) e Jan Topic em terceiro (12,2%).
Já o empresário Jan Topic, ex-membro da Legião Estrangeira Francesa, promete linha dura contra os grupos criminosos, em um discurso similar ao do presidente de El Salvador Nayib Bukele. Topic teve aumento de popularidade e aparece na liderança em algumas pesquisas. Nas últimas posições aparecem o candidato de direita Daniel Noboa e os de centro-direita Xavier Hervas e Bolívar Armijos.
"Mataram meu amigo", escreveu Christian Zurita na rede social X, antigo Twitter, quando soube do assassinato de Villavicencio. Até aquele momento, nada indicava que esse premiado jornalista investigativo de 53 anos assumiria a candidatura.
Ao lado de Villavicencio, Zurita escreveu o livro "Arroz Verde", compilado de reportagens que revelou o caso de subornos que levou à condenação do ex-presidente Rafael Correa a oito anos de prisão. Em 2011, o ex-mandatário processou Zurita e seu colega Juan Carlos Calderón por danos morais diante da publicação de um livro que revelava contratos irregulares de seu irmão. Um juiz condenou os dois a pagarem 2 milhões de dólares em indenização, mas o caso foi arquivado a pedido do ex-governante.
Sempre com colete à prova de balas em suas aparições públicas, Zurita levanta a bandeira da luta contra a corrupção e argumenta que o projeto político de Villavicencio "está intacto".
Sem meias-palavras, Luisa González, a única mulher na disputa, afirma que seu principal assessor será o ex-presidente Rafael Correa, condenado a oito anos de prisão por corrupção e que mora na Bélgica. Ela ressalta, porém, que será independente em suas decisões.
Aos 45 anos, González é a carta da esquerda socialista para retomar o poder após seis anos. Mãe de dois filhos, um jovem de 29 e um garoto de 9 anos, a advogada cristã foi congressista antes de lançar sua candidatura na chapa com Andrés Araus, que perdeu o último segundo turno.
Sua fórmula é dar nova vida ao correísmo, seguindo o legado de seu mentor, em um momento em que o Equador sofre com uma violência sem precedentes por causa do tráfico de drogas e da violência das gangues.
Filho de peões de fazenda, o advogado índigena Yaku Pérez quase foi para o segundo turno de 2021, mas faltou uma diferença de 30 mil votos. Agora, levantando a bandeira das causas ambientais, busca sua revanche.
Pérez, de 54 anos, fez uma aposta dupla nessas eleições: em sua candidatura e nas consultas ambientais que também serão feitas no domingo e que pretendem frear a atividade petrolífera em duas regiões megadiversas. "Vai ser uma mensagem ao mundo de que se cuida da vida no Equador e que temos autoridade ética para poder combater o aquecimento global", disse à AFP.
Jan Topic, de 40 anos, é conhecido como "Bukele equatoriano", por seu discurso de linha dura contra as máfias que operam nas prisões, cujos confrontos deixaram mais de 430 presos mortos desde fevereiro de 2021.
Sua carta de apresentação é sua participação como franco-atirador na Legião Estrangeira Francesa (2006-2011), tendo combatido na República Centro-Africana e na Costa do Marfim. Também foi voluntário na guerra da Síria, em 2012, e por um mês em 2022, na Ucrânia, contra a invasão russa.
Ele diz ser o único candidato com "temperamento e determinação para agir", a fim de pôr em xeque as organizações ilegais, um discurso que ganhou popularidade após o magnicídio de Villavicencio.
Otto Sonnenholzner, de ascendência alemã, entrou de maneira inesperada na política equatoriana quando o Congresso elegeu-o vice-presidente de uma lista tríplice enviada por Moreno (2017-2021). Ficou 19 meses no cargo, ao qual renunciou quando o Equador mal conseguia se recuperar da crise desencadeada pela Covid. Economista e empresário de 40 anos, o ex-vice resume sua proposta de governo em três palavras: paz, dinheiro e progresso.
Os outros aspirantes, com remotas possibilidades de vitória, são Daniel Noboa, Bolívar Armijos e Xavier Hervas.
Com AFP.