Apoiadores do PP, na Espanha: oposição ao atual governo, foi a agremiação que mais teve votos (Marcos del Mazo/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 23 de julho de 2023 às 19h44.
Última atualização em 23 de julho de 2023 às 20h10.
*Por Maurício Moura
“Geringonça” foi o apelido dado ao governo que assumiu o poder em Portugal em novembro de 2015. O gabinete foi liderado pelo primeiro-ministro Antonio Costa, do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, e nasceu com um acordo com três siglas cujas ideias são classificadas como de extrema-esquerda no contexto europeu — o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda e o partido Os Verdes.
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A Geringonça se formou de maneira improvável. Após governar Portugal por quatro anos entre 2011 e 2015, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, venceu as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015 com 38,5% dos votos (coligado com o Partido Popular), cerca de seis pontos à frente do PS, que disputou sozinho.
Foi o famoso “venceu, mas não levou”. A Espanha que sai das urnas nesse domingo 23 de julho pode ter concebido uma nova “gerigonça” na Península Ibérica.
Por um lado, ocorreu o esperado e antecipado pelas pesquisas. O Partido Popular (PP), oposição ao atual governo, foi a agremiação que mais teve votos (venceu em 40 dos 52 colégios eleitorais espanhóis).
Com quase a totalidade das urnas apuradas, a agremiação atingia aproximadamente 33% dos votos (contra 31,7% do PSOE, Partido Socialista Espanhol do atual presidente Pedro Sanchéz).
Com essa votação, o político galego Alberto Feijóo vai liderar 136 deputados no parlamento espanhol (47 a mais do que atualmente). A vitória eleitoral do PP é reflexo da baixa popularidade de Pedro Sanchez e sua coligação de partidos de esquerda e regionais.
A atual administração é responsabilizada pela alta da inflação, baixo crescimento e pela coalização com movimentos independentistas tanto da Catalunha como do País Basco.
O nacionalismo, patriotismo, sentimento anti-imigração e outros elementos de guerra cultural amplamente promovidos pela extrema-direita mundial também foram base para a votação do VOX.
Mesmo sem repetir os resultados de novembro de 2019, o movimento liderado por Santiago Abascal segue sendo a terceira força política espanhola. Todavia, a soma das representações do PP e Vox é matematicamente insuficiente para formar uma coalização majoritária.
Por outro lado, o crescimento do VOX nas eleições locais e autonômicas de 28 de maio de 2023 teve um efeito colateral negativo para a oposição a Sanchez.
A rejeição ao partido de extrema-direita ajudou a inflar os resultados do PSOE e do Sumar (novo partido concebido pela união dos partidos de extrema esquerda e liderado pela galega Yolanda Díaz).
Exatamente como aconteceu nas eleições nacionais portuguesas de 2022.
No país vizinho, o fortalecimento da extrema direita (o Chega!) ajudou a despejar votos no PS (Partido Socialista). No final, o PS seguiu no comando da administração portuguesa.
No contexto espanhol, por mais incrível que possa parecer, mesmo com um governo com déficit de popularidade, o PSOE teve mais votos e ganhou duas novas cadeiras no parlamento espanhol (elegeu 122 deputados) quando comparado ao resultado de 2019. Já os partidos de extrema esquerda, dessa vez unidos via Sumar, conseguiram eleger 31 deputados (somente 2 a menos que o Vox de Santiago Abascal).
Diante dos resultados fica a questão: deve governar quem teve mais voto nas urnas? No caso, o Partido Popular e em uma eventual junção com o Vox. Aliança já estabelecida a nível local.
Ou deve ser governo a coalizão possível entre PSOE de Pedro Sánchez, Sumar de Yolanda Díaz e os partidos independentistas regionais? Seria uma união ainda mais complexa do que a atual. Uma verdadeira “gerigonça” espanhola.
Independente do caminho a ser trilhado pela política a partir desse momento, as eleições de 23 de julho repetem as tendencias mundiais: polarização, mobilização eleitoral estimulada por rejeição e discussões sobre temas de guerra cultural com cada vez mais protagonismo no debate público.
A principal consequência desse tipo de pleito pautado pelo ódio é amplamente conhecida: teremos um novo governo mal avaliado e um parlamento engessado pelos extremos. Portanto, a Espanha ajuda a corroborar o fato de que governar, nos países democráticos, passou a ser a arte de administrar “gerigonças”.
*Moura é sócio do fundo Zaftra, da Gauss Capital