Mundo

Eleições na França: chance de vitória da extrema direita traz risco de paralisia a Macron

Se confirmadas as projeções, ultradireita de Le Pen terá a maior bancada do Parlamento, num cenário que desafia a governabilidade do presidente francês, com mandato até 2027

Marine Le Pen e Emmanuel Macron, candidatos à presidência da França. (AFP/AFP)

Marine Le Pen e Emmanuel Macron, candidatos à presidência da França. (AFP/AFP)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 30 de junho de 2024 às 09h07.

Tudo sobreEleições
Saiba mais

Milhões de franceses vão às urnas neste domingo para o primeiro turno das eleições legislativas, antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron após a extrema direita conquistar o maior número de assentos no Parlamento Europeu da História do país. Se nenhum candidato vencer hoje com mais de 50% dos votos em seu distrito, disputam o segundo turno, em 7 de julho, aqueles com ao menos 12,5%. Com os extremos liderando as pesquisas, analistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que a estratégia kamikaze do líder centrista pode jogar a França em três anos de paralisia.

O compilado de pesquisas da Bloomberg aponta o Reagrupamento Nacional (RN), da ultradireitista Marine Le Pen, na liderança com 35% das intenções de voto, seguido pela coalizão esquerdista Nova Frente Popular (NFP), que inclui a sigla de esquerda radical do veterano Jean-Luc Mélenchon, com 28%. A legenda de Macron surge em terceiro, com 20% — sinal do desgaste do presidente, cuja aprovação alcançou 27% este mês, o pior desde os protestos dos Coletes Amarelos, em 2018.

"Vejo três anos de paralisia para Macron. Ele terá de enfrentar uma extrema direita e uma esquerda muito fortes", diz David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita.

Mudança de imagem

Embora nas últimas eleições Macron tenha conseguido se projetar como o único nome capaz de barrar a extrema direita, dessa vez “chega com ar de derrota”, avalia o professor de Relações Internacionais Tanguy Baghdadi, cofundador do podcast Petit Journal. Entre os vários motivos disso, Baghdadi diz que talvez o principal seja a mais recente transformação do RN, personificada na figura de Jordan Bardella, eurodeputado de 28 anos que assumiu a liderança do partido em 2022 e é cotado a futuro premier.

"Ele tem falas sedutoras, é um cara bonito e é muito útil a Marine Le Pen", diz Baghdadi, destacando o seu sucesso em redes sociais como o TikTok, onde acumula 1,7 milhão de seguidores — Ela já foi candidata três vezes, e a França é uma sociedade machista. Sendo um homem jovem, a chance de sucesso é maior.

Segundo Magalhães, a ascensão de Bardella faz parte do segundo processo de renovação do RN para torná-lo mais “palatável”. Iniciado em 2015 com a expulsão do seu fundador, Jean-Marie Le Pen, pela própria Marine, sua filha, ele inclui a mudança do nome da legenda em 2018, antes conhecida como Frente Nacional. Agora, apesar da manutenção do discurso radicalizado, Bardella aposta na conexão com as massas e se aproveita da “normalização” forjada ao longo das duas décadas de existência do partido, diz Magalhães.

"Ele chama muito a atenção para a questão econômica. Traduz insatisfações cotidianas para chegar à classe média baixa e pobre, algo que Macron, que é visto como o político dos ricos, não consegue", explica. "O RN criou um sindicato com grande penetração nas classes trabalhadoras e usa pautas trabalhistas como argumento contra a imigração".

Se as projeções se confirmarem, a bancada do RN pode saltar das atuais 88 para até 245 cadeiras no Parlamento — abaixo da maioria absoluta de 289, mas suficiente para articular a eleição do primeiro premier de extrema direita da França. O cenário levaria a um governo de coabitação, quando o presidente (responsável pela política externa) é de um partido e o primeiro-ministro (incumbido das questões internas) é de outro, algo que só foi visto três vezes na atual República. Bardella, no entanto, declarou que não assumiria o cargo sem maioria absoluta.

"Sem a maioria absoluta, ele vai depender de uma coalizão para negociar temas muito caros, como imigração, e ele não quer que a primeira vez que o RN chegue ao poder seja num governo paralisado. É preferível ficar como oposição dentro da Assembleia. No entanto, acho complicado, do ponto de visto do rearranjo político, o partido mais votado desistir de ter um primeiro-ministro", diz Magalhães.

Aliança com a direita tradicional

Além da vantagem eleitoral, um dos trunfos do RN é o aparente rompimento do que ficou conhecido como “cordão sanitário” contra a ultradireita. O primeiro sinal surgiu quando Eric Ciotti, líder dos Republicanos — partido da direita tradicional —, anunciou uma aliança com a legenda de Le Pen. O anúncio provocou um furor nas fileiras do partido, levando à expulsão de Ciotti. Dias depois, porém, ele foi readmitido graças a uma determinação da Justiça, causando um racha interno no qual parte dos republicanos se uniram ao RN em certos distritos. A viabilidade de uma coalizão total no Parlamento, contudo, ainda está em aberto.

"Eu acho que essa aliança [entre RN e Republicanos] não vai acontecer", afirma Baghdadi, destacando que Ciotti teria tomado tal posição visando à sua reeleição em Nice, onde o RN é forte. "Se acontecer, a gente tem uma legitimação muito forte do RN, o que não seria uma surpresa considerando o histórico da centro-direita global".

Frente de esquerda

Do outro lado do espectro político, tampouco a esquerda parece disposta a isolar a legenda de Le Pen. Liderados pela França Insubmissa, de Mélenchon, socialistas, comunistas e verdes superaram suas diferenças para formar a NFP, mas analistas consideram improvável uma união em torno de Macron.

"Havia um pacto para isolar a figura que poderia implodir o sistema, mas isso está em vias de acabar. Mélenchon é totalmente crítico a Macron, não o vejo construindo pontes para fazer um cordão sanitário — avalia Magalhães, afirmando que há a possibilidade de a esquerda também chegar em primeiro." Há um cansaço generalizado que foi capturado por esses dois grupos antissistema [RN e NFP].

Para Baghdadi, “a esquerda está de saco cheio de salvar Macron”, apesar das dificuldades em montar um governo nos últimos anos.

"A esquerda se junta [a Macron], e depois ele passa o mandato inteiro parecendo que está mais contra ela do que contra as pautas nacionalistas da extrema direita" afirma o professor. "Não acho que a esquerda esteja num momento de força, mas tem uma quantidade de votos cativa".

Embora a vitória do RN no Parlamento Europeu não signifique uma vitória nas eleições locais, a eventual ascensão da ultradireita na França acende um alerta no mundo.

"A França tem sido há muito tempo uma vitrine de modismos políticos. A ascensão da direita radical em uma país dessa dimensão, com o histórico do Iluminismo, pode ter um impacto considerável no entorno", diz Magalhães. "Um dos efeitos seria encorajar a ultradireita alemã. Teríamos os dois principais países da União Europeia com uma extrema direita forte, enfraquecendo todo processo de integração europeia".

Acompanhe tudo sobre:eleiçãoFrançaEmmanuel Macron

Mais de Mundo

Qual visto é necessário para trabalhar nos EUA? Saiba como emitir

Talibã proíbe livros 'não islâmicos' em bibliotecas e livrarias do Afeganistão

China e Brasil fortalecem parceria estratégica e destacam compromisso com futuro compartilhado

Matt Gaetz desiste de indicação para ser secretário de Justiça de Donald Trump