Javier Milei, presidente da Argentina, durante ato de campanha (Luis Robayo/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 26 de outubro de 2025 às 06h01.
Buenos Aires - As eleições legislativas de meio de mandato deste domingo, 26, na Argentina, serão decisivas para definir o futuro do governo do presidente Javier Milei. Se seu partido for bem votado, o mercado, os políticos do país e o presidente americano Donald Trump entenderão que ele segue com força para seguir com seus planos. Caso contrário, seu caminho na segunda metade do mandato ficará bem mais difícil.
A votação, que será realizada entre 8h e 18h (mesma hora de Brasília), ocorre após uma campanha cheia de solavancos, como uma disparada do dólar, escândalos de corrupção envolvendo figuras próximas ao governo e negociações com a Casa Branca.
O governo Trump apoia abertamente Milei e liberou um auxílio de US$ 20 bilhões à Argentina, dias antes da eleição. No entanto, fez um alerta: em caso de derrota, os EUA poderão rever o acordo. "Se perder, não seremos generosos", disse o líder americano.
“Vejo uma chance de que essas eleições sejam boas para o governo. Nas últimas semanas, a agenda do governo foi retomada e está começando a mostrar algumas conquistas”, diz a deputada federal Daiana Molero, do PRO, em conversa com a EXAME. O PRO integra a base de apoio a Milei, que é do partido A Liberdade Avança.
“Na frente econômica, o governo fez as coisas muito bem para chegar a essas eleições. O dólar foi mantido sob controle para que isso não se traduzisse em inflação. Mas a equipe política deveria ter feito o mesmo para garantir que não houvesse surpresas. No entanto, eles dinamitaram as relações com governadores importantes, que retiraram apoio e permitiram a aprovação de leis que comprometeram o equilíbrio fiscal”, diz Molero.
Milei conseguiu conter a alta do dólar, que chegou a bater no teto da banda de flutuação, mas precisou vender mais de US$ 1 bilhão em reservas para segurar a cotação da moeda.
Por outro lado, a oposição questiona as medidas do presidente e a relação dele com os EUA. "Milei entregou a condução de nossa economia aos Estados Unidos", disse Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e um dos principais líderes da oposição, em um vídeo de campanha.
"O rumo econômico que Javier Milei vem aplicando foi rechaçado massivamente em 7 de setembro [eleições locais em Buenos Aires vencidas pela oposição]. Mas o presidente não escutou. Não escutou quem pediu que fosse retificado um modelo que está destruindo o trabalho, a produção e a vida cotidiana de milhões de argentinos", afirma Kicillof.
Milei tomou medidas duras para conter a inflação, que baixou do patamar de 211% ao ano para cerca de 30% anuais. Entre as ações, houve um grande corte de gastos públicos, que incluiu a retirada de verbas para as províncias, demissões de funcionários públicos e o cancelamento de obras públicas.
Além disso, houve uma abertura às importações, o que reduziu os empregos em alguns setores, e as taxas de juros foram elevadas para frear o consumo. Neste cenário, o PIB do país teve um encolhimento de 0,1% no segundo trimestre deste ano.
Para o economista Ricardo Amarilla, da consultoria Economática, Milei necessita de mais apoio dos demais partidos, especialmente dos governadores dos estados, para manter seu plano. "É preciso um acordo para seguir com mudanças tão transcedentais e de modo sustentável, como a redução dos gastos públicos", afirma.
"Daqui a pouco, a sociedade vai parar de demandar a redução da inflação, porque ela já está mais baixa do que antes e passará a demandar outras coisas. As pessoas começam a se preocupar com seus salários e a perda de empregos", diz o analista.
As pesquisas apontam para um cenário acirrado. Um estudo da Atlas Intel, feito entre os dias 15 e 19 de outubro, apontou que o partido de Milei, A Liberdade Avança, teria 41,1% de preferência, ante 37,2% do Força Pátria, de esquerda.
Os primeiros resultados oficiais da apuração serão divulgados a partir das 21h. A expectativa é de que os nomes dos vencedores da noite sejam conhecidos antes das 23h.
Para o presidente, a questão é matemática, mas também de imagem. Analistas e políticos preveem que o governo dificilmente conseguirá ter mudanças substanciais, pois apenas metade da Câmara e um terço do Senado serão renovados agora. Assim, todos estarão de olho se o bloco governista consegue obter ganhos parciais e não sofrer nenhuma derrota de peso.
Assim, o principal número a ser observado é se Milei conseguirá formar um bloco de ao menos um terço da Câmara, ou 85 dos 257 assentos, para manter seus vetos presidenciais e evitar, inclusive, o risco de impeachment.
Para aprovar reformas, é preciso chegar a 129 (metade mais um), algo que o bloco governista não deverá conseguir, segundo a maioria das projeções. Assim, Milei seguirá dependendo de negociações com partidos de centro para avançar com suas pautas.
Reportagem do jornal Clarín, divulgada na noite de sábado, 25, aponta que membros do governo Milei esperavam conquistar em torno de 70 cadeiras na Câmara, abaixo do necessário para garantir um terço da Casa. No entanto, ao somar o apoio do PRO, chegaria aos 86 assentos necessários.
No Senado, o partido de Milei deve avançar de 6 para algo entre 17 e 20 senadores, de um total de 72.
Patricia Bullrich, ministra da Segurança Pública, disputa uma cadeira pela cidade de Buenos Aires. Ela lidera as pesquisas e seu desempenho será observado como um dos indicadores do sucesso do governo na disputa.
"O que está em jogo é o framing [forma como o resultado será visto], se será uma eleição em que o governo sairá bem. Isso lhe dará uma espécie de força para trazer os outros atores à mesa para negociar as reformas restantes", diz Molero.
No começo de sábado, 25, uma forte chuva atingiu Buenos Aires e outras províncias da Argentina. Em alguns bairros, veio mais água em quatro horas do que era esperado para todo o mês de outubro. Houve regiões onde choveu 155 milímetros.
Um alagamento se formou na avenida General Paz, uma das principais vias expressas da cidade. Pessoas tiveram de caminhar na água até a cintura e carros ficaram presos na enchente. Um taxista de 60 anos que passava pela avenida morreu após passar mal dentro do carro.
Assim, a cidade passou quase o sábado todo sob chuva, que parou apenas no começo da noite. A lei eleitoral proíbe atos de campanha desde sexta-feira. Assim, havia pouco movimento nas sedes dos partidos e nos locais que funcionarão como 'bunkers', onde as lideranças políticas e os apoiadores acompanharão os resultados das urnas.
Para domingo, a previsão é de tempo ensolarado e sem chuvas. Assim, o impacto da tempestade na votação ainda é incerto. Muitos moradores ainda poderão estar lidando com os danos causados pelas enchentes.
A região de Buenos Aires é a área mais populosa do país e onde há mais cargos de deputado em disputa. A cidade de Buenos Aires tem 24 deputados, e província homônima, 70, de um total de 257 cadeiras. Destas, 48 estarão em disputa na eleição deste domingo, somando 35 da Grande Buenos Aires e 13 na capital.