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Eleições na Argentina: partido de Milei tem vitória surpreendente

Resultado das eleições legislativas deverá impactar o futuro do governo e sua capacidade de fazer reformas

Javier Milei, presidente da Argentina, posa para foto antes de votar, neste domingo, 26 (Luis Robayo/AFP)

Javier Milei, presidente da Argentina, posa para foto antes de votar, neste domingo, 26 (Luis Robayo/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 26 de outubro de 2025 às 21h24.

Última atualização em 27 de outubro de 2025 às 01h08.

Buenos Aires - O presidente da Argentina, Javier Milei, buscou colocar a eleição legislativa deste domingo, 26, em uma espécie de referendo sobre seu mandato. A tática deu certo, e seu partido, A Liberdade Avança, conquistou quase 41% dos votos. Nos últimos dias, havia dúvidas no país se o partido conseguiria chegar a 30%.

O resultado dará força para Milei continuar buscando apoio para suas reformas que pretendem liberalizar a economia, reduzir a inflação e normalizar a economia argentina, um dos países que mais tiveram crises financeiras nas últimas décadas.

Embora tenha obtido uma vitória expressiva, ele ainda precisará de apoio dos outros partidos de centro para aprovar projetos de peso, pois o bloco governista terá 107 votos garantidos, de um total de 257. Para obter maioria, precisaria de 129. O número, no entanto, o protege da derrubada de vetos presidenciais e de um eventual impeachment.

Já neste domingo, ele disse, em seu discurso da vitória, que quer construir novas relações com governadores e líderes de outros partidos.

"Queremos convidar a grande maioria dos governadores que terá representação parlamentar a estes acordos.Temos a responsabilidade de deixar os interesses partidários de lado e pensar como país", afirmou Milei, em discurso no hotel Libertador.

"As pessoas reafirmaram seu desejo de seguir com o rumo deste governo, porque tudo que disse que ia fazer na campanha, cumpriu", disse a deputada Lilia Lemoine, do partido de Milei, em conversa com a EXAME.

Como ficará o Congresso da Argentina?

A votação deste domingo renovou apenas parte do Congresso: 127 assentos da Câmara, de um total de 257, e 24 dos 72 senadores. Assim, somados os novos eleitos com os deputados que permanecem, a Casa ficará dividida assim:

  • Força Pátria (oposição peronista) - 96 (perdeu 2 lugares)
  • A Liberdade Avança - 93 (ganhou 56 lugares)
  • Províncias Unidas - 17
  • PRO (aliado do governo) - 14 (perdeu 21 lugares)
  • Outros partidos - 25

No Senado, o partido de Milei ganhou 13 assentos, enquanto o Força Patria e seus aliados perderam 8. A divisão ficou assim:

Força Pátria - 26
Liberdade Avança - 19
UCR - 10
PRO - 5
Províncias Unidas - 5
Outros - 6

A votação desde domingo atraiu apenas 67,8% dos eleitores, em um país onde o voto é obrigatório. É um dos menores percentuais das últimas eleições.

Milei vinha de fase negativa

O presidente teve uma série de más notícias nos últimos meses, como a perda de eleições locais na província de Buenos Aires, em setembro. Desta vez, no entanto, seu partido foi o mais votado ali. A província de Buenos Aires é a mais populosa do país, e considerada um bastião peronista há décadas.

Além disso, o governo foi envolvido em casos de corrupção, com denúncias de que sua irmã e braço direito, Karina, teria cobrado propina. As acusações são investigadas.

Milei lidou ainda com uma disparada do dólar, que conseguiu conter com apoio do presidente americano Donald Trump. Ele recebeu o líder argentino na Casa Branca e ordenou um acordo para fornecer US$ 20 bilhões ao país.

A oposição criticou o acordo, além do fato de que Trump ameaçou deixar de ajudar a Argentina se Milei perdesse.

Antes mesmo da liberação oficial dos dados, Juan Grabois, um dos principais candidatos a deputado pelo Força Pátria, disse que o apoio dado pelo presidente Donald Trump a Milei tornou a campanha "desigual". Outros membros do peronismo dizem que Milei entregou o comando da economia argentina aos EUA.

Apoio popular

A EXAME conversou com diversos apoiadores de Milei ao longo do domingo. Todos disseram votar nele por o considerar um candidato de mudança, e que tem entregado bons resultados, embora falte ainda bastante coisa a fazer.

"Milei é a única possibilidade que temos de mudança neste momento", disse Horácio Galibert, fundador da Associação Argentina de Pais de Autistas, que foi para a rua acompanhar o discurso de Milei.

"O governo anterior não fez quase nada, então é óbvio que o choque econômico ia ser grave e que as medidas que se tomaram iam causar um grande efeito, especialmente na população de baixa renda", disse Cielo Segovia, estudante de jornalismo, de 20 anos, que foi com a mãe ver Milei votar, na manhã de domingo.

"Vai ter gente que não vai estar tão de acordo, mas é necessário e se verá no futuro, quando chegarem os resultados", disse Segovia.

Para o taxista Hugo Alaimo, 58 anos, o governo está fazendo as coisas bem "depois de muitos anos". Para ele, o que Milei faz de melhor é "não roubar, baixar o déficit fiscal e a inflação, o mais importante".

Choque na economia

Em quase dois anos no cargo, Milei tomou medidas duras para conter a inflação, que baixou do patamar de 211% ao ano para cerca de 30% anuais. Entre as ações, houve um grande corte de gastos públicos, que incluiu a retirada de verbas para as províncias, demissões de funcionários públicos e o cancelamento de obras públicas, além do reajuste dos salários e aposentadorias em percentual menor do que antes.

Além disso, houve uma abertura às importações, o que reduziu os empregos em alguns setores, e as taxas de juros foram elevadas para frear o consumo. Neste cenário, o PIB do país teve um encolhimento de 0,1% no segundo trimestre deste ano.

Dúvidas sobre o dólar

Há dúvidas também na Argentina se o governo conseguirá manter o câmbio sob controle. A taxa está no patamar de 1.500 pesos por dólar, mas o Banco Central tem gastado milhões de dólares por dia para segurar a cotação, em um cenário em que as reservas do país estão baixas e precisam ser usadas para pagar dívidas.

Caso o resultado na eleição fosse ruim, o mercado questionaria se Milei manteria a estratégia ou poderia fazer uma desvalorização forte da moeda. O ministro da Economia, Luis Caputo, tem dito que manterá a estratégia atual.

Neste ano, Milei trocou o câmbio fixo, usado há anos, por um modelo de flutuação dentro de bandas. Assim, a moeda pode variar de preço, segundo a demanda do mercado, dentro de uma determinada faixa. Ao mesmo tempo, o governo faz uma desvalorização controlada do peso, que foi de 2% ao mês no início do governo e depois foi reduzida a 1%.

No entanto, a inflação tem ficado acima de 2% ao mês, o que faz com que a moeda americana não "suba" de preço na mesma velocidade que outros produtos e ativos financeiros. 

Isso gera uma defasagem, que aumenta o poder de compra dos argentinos que possuem dólares, mas traz o risco de uma crise mais adiante, pois faltam dólares no país. Se a moeda estrangeira fica mais acessível, mais gente se dispõe a comprá-la, o que aumenta a demanda e leva os estoques a acabarem mais rapidamente.

Com a vitória, Milei ganha mais tempo para resolver questões complexas como esta. No entanto, os economistas, assim como o presidente, costumam ressaltar que recolocar a Argentina nos eixos levará ainda  muitos anos.

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