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Eleições na Argentina: com nervos à flor da pele, sobra o silêncio que precede a tempestade

Campanhas fazem os últimos preparativos em dia tranquilo na capital do país

Vista de um edifício no microcentro de Buenos Aires no sábado, 18 (Luciano Pádua/Exame)

Vista de um edifício no microcentro de Buenos Aires no sábado, 18 (Luciano Pádua/Exame)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 18 de novembro de 2023 às 18h01.

Última atualização em 18 de novembro de 2023 às 18h39.

BUENOS AIRES - As campanhas dos presidenciáveis nas eleições da Argentina chegam à reta final com os nervos à flor da pele e cientes de que a disputa se resolverá por poucos pontos percentuais no domingo, 19. Não à toa, os representantes de Javier Milei e Sergio Massa tiveram, inclusive, de ser convocados emergencialmente pela Câmara Nacional Eleitoral (CNE), instância máxima das eleições da Argentina, para preservar a "convivência democrática".

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Os candidatos tiveram quase um mês para convencer os 9,5 milhões de eleitores que não votaram nem em Milei nem em Massa no primeiro turno.

No QG de Sergio Massa, o clima é de "otimismo cauteloso", segundo apurou EXAME. Como as pesquisas não podem mais ser publicizadas desde a última sexta-feira, 10, as campanhas conduzem suas próprias encuestas, como chamam os argentinos.

Essas pesquisas próprias mostram um cenário semelhante ao geral: Milei lideraria na média, com margens próximas a dois pontos percentuais, e Massa ganharia em algumas delas -- embora menos vezes do que Milei. Um cenário, portanto, apertado, como também apontam relatos da imprensa local.

No QG do peronista, a noção é de que o trabalho foi feito e, agora, resta esperar após as vedações eleitorais que a lei impõe no país (os candidatos não podem fazer atos ou comícios até o final das votações, aos moldes do que ocorre no Brasil).

No primeiro turno, disputado em 22 de outubro, a ideia nos bastidores foi reagrupar e fazer um "chamamento" ao peronismo, que andava disperso.

A estratégia pode ser considerada bem-sucedida, avaliam fontes da campanha, uma vez que a votação de Massa, com 36%, no primeiro turno superou as expectativas -- que talvez estivessem mal colocadas por causa dos resultados das primárias, as PASO, esses, sim, com bastante divergência entre os institutos de pesquisa.

Estratégia de Massa

A campanha de Massa buscou traçar os principais "campos de disputa simbólicos" em jogo nas eleições. A esse conjunto de valores chamam de "argentinidade". Os principais destacados são: o papel do Estado na vida da população, a economia, a polarização política entre peronistas e radicais, valores morais (direitos humanos e convivência democrática, entre outros) e relações internacionais.

Entre os argentinos, alguns temas são claramente mais importantes, segundo pesquisas reservadas recentes às quais a EXAME teve acesso. Estão entre as prioridades no país a permissão do casamento homossexual, o fim do "cepo" cambial (restrição da compra e venda de dólares), a legalização do aborto e da maconha.

A maioria dos argentinos se mostrou contrário a ideias que Milei vem reverberando, como flexibilizar a compra e porte de armas e as restrições para vender órgãos. Além disso, os hermanos não parecem convencidos sobre a proposta de dolarizar o sistema monetário do país -- muito mais gente é contrária do que favorável, captaram essas pesquisas.

A conclusão do QG foi de que Massa tinha prejuízo nos campos da economia e no acirramento político, mas que tinha respaldo em temas como o papel do Estado, valores e a relações internacionais. A partir disso, tentou-se criar uma agenda sobre o futuro do país -- com a ressalva de afastar das aparições o atual presidente do país, Alberto Fernandez, que ostenta uma rejeição próxima a 80%.

No segundo turno, sua campanha focou especialmente em mulheres na grande Buenos Aires para roubar votos de Patricia Bullrich (que teve 23% dos votos no primeiro turno) e ampliar a votação geral do peronista.

Outra tática foi focar no norte do país. A região tradicionalmente é um enclave peronista, mas algumas das pautas liberais do governo de Alberto Fernandéz, como a legalização do aborto, deixaram um vácuo de interlocução.

Das PASO ao primeiro turno, segundo análise do site Chequeado, Massa saiu de 27,28% para 36%, e metade desse crescimento ocorreu na grande Buenos Aires e a outra metade, no norte do país.

Javier Milei (à esquerda) e Sergio Massa participam do debate para as eleições presidenciais da Argentina - Crédito: Luis Robayo - Pool/Getty Images

Córdoba, outra localidade decisiva nas eleições e onde estão em disputa 1,2 milhão de votos que foram para Bullrich, outros candidatos, nulos ou brancos no primeiro turno, é mais complexo para Massa, na avaliação de membros de sua campanha.

O jornalista Joaquín Múgica Díaz, do Infobae, chama a atenção que o objetivo de Massa na região é romper a barreira dos 30% -- e impedir que Milei chegue aos 70% lá. Assim, as possibilidade de ganhar a eleição cresceriam, avalia.

Outra região em que é importante romper essa barreira para os peronistas é Mendoza, onde Milei teve bom resultado no primeiro turno. 

Agora, a avaliação no QG de Massa é a de que a sociedade argentina quer que essa eleição passe logo. "A sociedade está à flor da pele", diz uma fonte. A estratégia de Massa é dar entrevistas, fazer o chamado microativismo e explorar uma "mensagem de paz" de que o futuro pode ser melhor -- além de aproveitar a força do peronismo e sua militância.

Campanha do medo?

Para além disso, ficou muito bem documentada uma estratégia -- apelidada na Argentina de "campanha do medo" -- de mostrar vídeos de falas e temas polêmicos alçados por Milei, como a flexibilização das leis sobre armas e liberação da venda de órgãos. Em uma das peças, Massa fez uma montagem da foto de Milei com a ex-primeira-ministra britânica Margareth Tachter, que se notabilizou pelo pensando liberal, com a frase: "quem admira os algozes do passado desonra nossa bandeira". 

Milei acusa os peronistas da campanha de medo e chegou a chamar marqueteiros brasileiros que trabalham com Massa de "malditos".

“[Massa] tem que economizar aquele maldito dinheiro que foi gasto com aqueles malditos brasileiros que vieram fazer uma campanha suja paga por Lula. Ele nos fala de indústria nacional e contrata brasileiros para contaminar a campanha argentina”, afirmou.

Em entrevista à EXAME, o CEO da AtlasIntel, Andrei Roman, avaliou a estratégia foi agressiva. "Vimos vídeos de crianças pegando armas atirando em corredores de escola para representar o perigo do que seria uma flexibilização do direito de porte de armas no país. É uma campanha de agressividade que a gente nunca viu no Brasil. Vimos também o uso do aparelho do Estado para fazer esse tipo de propaganda em todo território nacional de uma maneira muito intensa", diz. 

Segundo ele, apesar da possibilidade de discussão sobre essa estratégia foi justa ou não, em linhas gerais, foi "acertada". "Isso não necessariamente quer dizer que é fácil mover esses votos", afirma. " agressividade da estratégia indica quanto é difícil desmobilizar os eleitores da oposição nesse contexto de desaprovação tão alta do governo atual." 

Estratégia de Milei

A resposta do ultraliberal tem sido ampliar a ofensiva contra a "casta" política -- tema recorrente em sua campanha.

Apesar da liderança nas pesquisas, houve recentes tentativas de questionar a validade das urnas -- colocando a Argentina em águas turbulentas que o Brasil conheceu. Para analistas, trata-se de diversionismo.

A Câmara Nacional Eleitoral rechaçou de forma incisiva as acusações e reuniu nesse sábado, 18, os representantes das campanhas para pedir uma "convivência democrática".

Fachada do Hotel Libertador, no centro de Buenos Aires, onde funciona o 'bunker' da campanha de Javier Milei, neste sábado, 18 - Crédito: Luciano Pádua/EXAME (Luciano Pádua/Exame)

Nesse sábado, 18, o clima no lado de fora do bunker de Javier Milei era de tranquilidade. Presente no local, EXAME viu apenas alguns repórteres internacionais de televisão que noticiavam sobre as eleições na Argentina. A segurança do hotel se prepara para cercar as imediações do edifício no domingo.

A favor de Milei, as pesquisas reservadas às quais a EXAME teve aceso mostram que os três principais problemas apontados são a alta inflação, a corrupção e a insegurança -- nesse caso a maioria dos cidadãos acredita que a criminalidade e o desvio de recursos estão crescendo, duas de suas principais bandeiras.

Roman, da AtlasIntel, destacou ser razoável pensar que Milei poderia acumular mais ou menos 80% dos votos da Patricia Bullrich e metade dos votos de Juan Schiaretti (4º colocado no 1º turno) falando de maneira aproximada.

"Então ele poderia chegar a 56, 57% dos votos. Nossa última pesquisa apontou 52%", disse Roman. 

Apesar da frieza dos números, as conversas da equipe da EXAME nas ruas de Buenos Aires dão conta de uma disputa acirrada, e um cansaço da população com a política.

Esse sentimento pode definir, afinal, as eleições. Como analisou Mauricio Moura, sócio do fundo Zaftra, da Gauss Capital, e professor da Universidade George Washington, o comparecimento será ponto central do resultado.

"A liderança de Sergio Massa no primeiro turno foi muito fruto da alta abstenção (quase 25%). As pesquisas apontam que os 25% que não compareceram têm uma visão muito negativa do governo de Massa/Fernandez. Resta saber se vão sair de casa por Milei", escreveu. "A julgar por outras eleições polarizadas pelo mundo, a tendência é um comparecimento maior no segundo turno."

Com um feriado oficializado para a segunda-feira, 20, prolongando o final de semana, a cidade de Buenos Aires parece, de fato, mais esvaziada. 

Milei terá o desafio de convencer os eleitores a sair de casa e confiar nele como uma mudança para os rumos do país. Para Massa, que conta com o apoio do status quo e com a força do peronismo, a dúvida é saber se sua campanha de união nacional se sobreporá aos anseios de dias melhores comuns aos argentinos.

Até a noite de domingo, 19, as dúvidas seguirão. Em Buenos Aires, o momento parece o de um silêncio que precede a tempestade.

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