Boric e Kast: visões diametralmente opostas no segundo turno chileno (ELVIS GONZALEZ/POOL/AFP/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 17 de dezembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 18 de dezembro de 2021 às 11h29.
O Chile vai às urnas no domingo, 19 de dezembro, para o segundo turno de sua eleição presidencial. Estão na disputa o ultradireitista José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric, na eleição mais polarizada da história recente do país.
Nas urnas, mais do que a política interna chilena, estão em jogo duas visões ideológicas bastante opostas. Kast, de 55 anos e deputado de 2002 a 2018, pautou sua campanha em segurança e discurso contra a imigração.
Também prometeu dobrar a aposta no modelo econômico liberal que perdura no país desde a ditadura de Augusto Pinochet, mas que vinha sendo questionado nos últimos anos.
Boric, que ascendeu na política após ser líder estudantil em protestos por gratuidade na educação em 2011, será o presidente mais jovem da história do Chile se eleito, com 35 anos.
O candidato, que é deputado desde 2014, defende maiores investimentos sociais e presença do Estado em frentes como a previdência e um sistema de saúde universal.
Das pesquisas apertadas aos ecos dos protestos de 2019, veja abaixo os principais destaques da eleição deste domingo.
A eleição segue completamente indefinida. Kast venceu com margem de dois pontos percentuais no primeiro turno, que ocorreu em 19 de novembro.
As primeiras pesquisas de segundo turno deram vantagem a Boric, mas Kast tem ganhado terreno e a diferença é muito pequena, de menos de um ponto percentual em algumas sondagens.
Uma vez que o voto é facultativo no Chile, muito do resultado dependerá de quais eleitores de fato aparecerão para votar, o que dificulta a precisão das pesquisas.
Eleitores de classes altas, de regiões rurais conservadoras e mais velhos têm preferido Kast, e tiveram maior comparecimento no primeiro turno.
Enquanto isso, muitos jovens de áreas urbanas, potenciais eleitores de Boric e que foram decisivos nos protestos de 2019 no Chile, não compareceram às urnas.
A eleição chilena no primeiro turno marcou também o enfraquecimento dos grupos tradicionais.
Uma leitura comum sobre o pleito tem sido de que chegaram ao segundo turno os dois candidatos mais ao extremo de cada campo.
Já Franco Parisi, de direita e que fez a campanha toda morando nos EUA por dever pensão alimentícia no Chile, surpreendeu ao ficar em terceiro lugar, representando um voto de protesto e a insatisfação de parte do eleitorado com os candidatos.
Rapidamente após os resultados no primeiro turno, os grupos políticos declararam apoios aos dois candidatos. A centro-esquerda se uniu a Boric, enquanto o grupo do atual presidente Piñera apoia Kast.
Um dos apoios que mais geraram discussões nos últimos dias foi o da ex-presidente Michelle Bachelet, hoje comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) e que gravou vídeo declarando apoio a Boric. Analistas chilenos apontam que o voto da ex-presidente era esperado: o pai de Bachelet foi preso e morto na ditadura Pinochet, defendida por Kast.
As eleições deste fim de semana são as primeiras presidenciais desde os protestos que sacudiram o Chile entre outubro de 2019 e março de 2020.
O país foi por muito tempo visto como um modelo de sucesso na América do Sul, mas os protestos escancararam lacunas no desenvolvimento chileno, como o avanço da desigualdade e altos custos de serviços privados como saúde, educação e previdência.
As manifestações, lideradas sobretudo pela esquerda, começaram por um aumento no preço da passagem de metrô, mas rapidamente escalaram para pedir maiores investimentos em serviços sociais e sistemas públicos.
O atual presidente Piñera foi criticado pela repressão às manifestações, que deixaram ao menos 34 mortos. Piñera perdeu popularidade após os protestos, o que afetou amplamente a direita tradicional nas eleições, abrindo espaço para o crescimento de Kast.
A convulsão social gerada pelos atos também culminou em um referendo em que quase 80% da população votou para escrever uma nova Constituição. A participação do eleitorado neste referendo foi histórica, de mais de 50% da população, número alto para as eleições no país.
A Carta Magna vigorava desde 1980, herança da ditadura Pinochet e que não foi revogada por governos democráticos.
Foi em meio a essas demandas que ocorreu a ascensão de Boric - em detrimento dos grupos mais ao centro na esquerda que elegeram Bachelet como presidente no passado.
Mas, se eleito, o deputado será confrontado com uma barulhenta rejeição entre a parte da população que votou em Kast, crise econômica na pandemia e um Congresso dividido quase pela metade entre progressistas e conservadores.
Suas propostas na economia, como aumento de investimentos públicos, maior tributação de empresas e maior regulação à mineração, principal frente econômica chilena, também são amplamente rejeitadas entre o empresariado e há o risco de que atrapalhem a recuperação econômica pós-crise.
Enquanto isso, apesar do destaque que ganhou a esquerda mais radical nos últimos anos, o sucesso de Kast nas urnas mostra que as forças à direita no Chile também se reorganizaram.
Seus eleitores se queixam de avanços nas pautas de costumes, como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo aprovados por deputados progressistas, além do aumento da violência e da imigração, que quintuplicou no Chile desde 2010 em meio às crises na América Latina, com grande fluxo de haitianos e venezuelanos migrando para o país.
Uma das propostas de Kast, que se diz admirador do ex-presidente americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro, é construir uma barreira na fronteira norte chilena para controlar a imigração.
Seja quem for o presidente eleito, terá de lidar, ainda, com o cenário complexo deixado pela pandemia e que causou problemas para o atual presidente Piñera.
Em 2021, o Chile se destacou por ter a vacinação mais rápida da América Latina, tendo hoje mais de 85% da população totalmente vacinada (o Brasil tem 77%). Se beneficiando da alta das commodities, o país também terá crescimento bom em 2021, de 12% segundo projeção da OCDE, e de 2% em 2022, mas não passa ileso aos problemas da crise, como alta da inflação, desemprego e aprofundamento das desigualdades para os mais pobres.
Até que as urnas fechem na tarde de domingo, o futuro chileno segue incerto. Mas uma coisa é clara: a resposta aos problemas que apareceram nas últimas décadas será muito diferente a depender de quem ocupar o Palácio de La Moneda no ano que vem.