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Abe usa eleições antecipadas no Japão para reforçar seu mandato

Premiê busca apoio para votar uma reforma constitucional que permita às Forças Armadas japonesas realizar ações ofensivas

Shinzo Abe: momento de tensão com a Coreia do Norte é um dos trunfos do premiê nas eleições antecipadas (Toru Hanai/Reuters)

Shinzo Abe: momento de tensão com a Coreia do Norte é um dos trunfos do premiê nas eleições antecipadas (Toru Hanai/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2017 às 12h01.

Última atualização em 26 de setembro de 2017 às 14h16.

O primeiro-ministro Shinzo Abe aproveitou as tensões com a Coreia do Norte para antecipar as eleições parlamentares, e assim reforçar o seu mandato para votar uma reforma constitucional que permita às Forças Armadas japonesas realizar ações ofensivas.

A convocação já era planejada, e foi precipitada pelo lançamento de um novo partido de oposição, liderado pela popular governadora da Região Metropolitana de Tóquio, Yuriko Koike.

A campanha começará no dia 10 e as eleições serão no dia 22, em vez de dezembro do ano que vem, conforme o calendário eleitoral.

Abe também quer tirar proveito de um aumento de sua popularidade (de 20%, em julho, para 39%, este mês, depois que míssil norte-coreano sobrevoou a ilha japonesa de Hokkaido).

E da confusão reinante no Partido Democrata (PD), o principal da oposição, desde que seu líder, Renho Murata, renunciou em julho, seguido de várias deserções recentes.

Para sensibilizar os eleitores, Abe anunciou ainda que destinará parte da receita obtida com o aumento do imposto sobre valor agregado (IVA), já aprovado para 2019, com o ensino infantil e creches — uma antiga reivindicação de muitas mães japonesas, que por não terem onde deixar seus filhos retardam seu retorno ao mercado de trabalho, o que acaba contribuindo para a estagnação econômica.

“Demonstrarei forte liderança e ficarei na frente para encarar uma crise nacional”, prometeu Abe, durante entrevista coletiva na segunda-feira, citando as tensões com a Coreia do Norte e o envelhecimento da população como os dois maiores desafios do Japão. “Esta é minha responsabilidade como líder e minha missão como primeiro-ministro.”

Uma reeleição daria a Abe, no cargo desde 2012, a chance de tornar-se o governante mais longevo do pós-Guerra do Japão. De tendência nacionalista, há anos ele defende a revisão do Artigo 9 da Constituição, aprovada depois da derrota na 2.ª Guerra, que limita as Forças Armadas a ações puramente defensivas. A medida enfrenta forte resistência da população japonesa, que introjetou o pacifismo como um valor central, depois das tragédias de Hiroshima e Nagasaki.

O foco original de Abe eram as provocações da China, que tem feito incursões navais e aéreas na região do arquipélago Senkaku, administrado pelo Japão e reivindicado pelos chineses, que o chamam de Diaoyu. Mas os frequentes testes nucleares e com mísseis deslocaram, no momento, as preocupações para a Coreia do Norte.

Abe no entanto manteve seu compromisso com a tentativa de uma saída política: “Não devemos ceder às ameaças da Coreia do Norte. Ao ganhar um mandato do povo com essa eleição, seguirei adiante com uma diplomacia forte”.

O primeiro-ministro fez o anúncio horas depois de a governadora de Tóquio apresentar seu novo Partido da Esperança. A nova legenda nacional surge a partir de um partido local também liderado por ela, que derrotou o Partido Liberal Democrata (PLD), de Abe, numa eleição para a Assembleia Legislativa de Tóquio em julho.

“O Japão está vivendo um momento difícil, considerando a situação na Coreia do Norte”, declarou Koike ao lançar o partido. “Economicamente, o mundo está se movendo, enquanto a presença do Japão está enfraquecendo gradualmente. Quero que os japoneses acreditem que há esperança para o amanhã.”

A Abenomics, programa do primeiro-ministro destinado a estimular o consumo e os investimentos para superar a estagnação, tem dado resultados. O PIB cresceu 4% no segundo trimestre em termos anualizados, completando seis trimestres consecutivos de crescimento pela primeira vez desde 2006.

Por outro lado, Abe teve sua imagem prejudicada por uma série de escândalos. Um deles envolveu sua mulher, Akie Abe, diretora honorária de uma escola que transmitia aos alunos ensinamentos ultra-nacionalistas e hostis aos países vizinhos. Além disso, o Ministério das Finanças permitiu que a fundação que dirige a escola comprasse o terreno, situado perto do aeroporto de Osaka, por um valor sete vezes menor que o de mercado.

Os analistas discordam sobre as chances de êxito da estratégia de Abe. “Ele pensou que seria o momento certo para convocar a eleição porque, embora seu partido tenha alguns problemas, os problemas do outro partido são bem maiores”, diz Ichiro Fujisaki, ex-embaixador do Japão em Washington.

“Apesar do cenário aparentemente favorável para Abe, há riscos em antecipar as eleições”, adverte no entanto Yoel Sano, analista da BMI Research.

“Os partidos de oposição estão desorganizados e enfrentam uma séria escassez de candidatos ao Parlamento”, pondera Jesper Koll, diretor do fundo de investimentos WisdomTree Japan. “Além disso, a combinação das ambições nucleares da Coreia do Norte e a resposta da China a elas favorece a base da popularidade fundamental e emocional de Abe.”

Em uma pesquisa publicada pela agência Kyodo News, 27% dos entrevistados disseram que votariam no PLD de Abe; 8% no PD, de oposição; e 6,2%, no novo partido da governadora de Tóquio.

Entretanto, 42,2% se declararam indecisos. Além disso, 64,3% discordam da antecipação das eleições, frente a 23,7% que apoiam a iniciativa.

Em sua coletiva, a governadora criticou a antecipação: “Vejo um grande ponto de interrogação em convocar uma eleição no meio de uma situação tão crítica como a da Coreia do Norte. Fico pensando se é apropriado em termos de gestão de crise para o país”. Talvez Koike fique pensando também se terá tempo para organizar seu novo partido.

Enquanto isso, Estados Unidos e Coreia do Norte continuam pondo lenha na fogueira. No sábado, o presidente Donald Trump tuitou que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e seu ministro das Relações Exteriores, Ri Yong Ho, “não vão durar muito” se levarem adiante suas ameaças contra os EUA.

Depois de Trump haver dito na ONU que “destruiria totalmente” a Coreia do Norte se ela atacasse os EUA ou seus aliados — Coreia do Sul e Japão —, Jong-un respondeu que “amansaria com fogo o caduco demente dos EUA”, e Ri afirmou que seu país testaria uma bomba de hidrogênio no Oceano Pacífico.

Ri considerou as afirmações de Trump uma declaração de guerra. “Já que os EUA declararam guerra contra nosso país, teremos todo o direito de adotar contra-medidas, incluindo abater bombardeiros americanos, mesmo que não estejam dentro do nosso espaço aéreo”, disse o chanceler.

Foi uma referência ao voo de bombardeiros americanos B-1B Lancer, escoltados por caças, sobre águas internacionais a leste da Coreia do Norte.

De acordo com o coronel Robert Manning, porta-voz do Pentágono, foi o sobrevoo de um bombardeiro americano mais ao norte da zona desmilitarizada que separa as duas Coreias realizado no século 21.

No que depender de Jong-un e de Trump, não faltarão a Abe pretextos para vincular sua reeleição à necessidade de autopreservação do Japão. Resta saber até que ponto o eleitor japonês está animado para acompanhá-lo nisso.

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