João Amoedo, candidato à presidência pelo Partido Novo (Campanha João Amoêdo/Divulgação)
Gabriela Ruic
Publicado em 14 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 24 de setembro de 2018 às 09h08.
São Paulo - São Paulo – Crise na Venezuela, refugiados, integração latino-americana e Donald Trump são alguns dos desafios que o próximo presidente enfrentará em sua agenda de política externa, um tema que é frequentemente ignorado nos debates, mas extremamente relevante em um momento em que o cenário internacional se torna cada vez mais complexo.
Para entender como os candidatos à presidência se posicionam sobre esses assuntos, EXAME está entrevistando os principais nomes na disputa das eleições 2018. Abaixo, veja a entrevista realizada com o João Amoêdo (NOVO).
João Amoêdo - Com 87% da população vivendo na pobreza e grande parte passando fome, a Venezuela atravessa uma crise humanitária. O Brasil, como nação, tem o dever humanitário de ajudar essas pessoas que fogem de um país em que perseguição política e grave violação de direitos humanos ocorrem repetidamente.
Um país da dimensão e ambição do Brasil deve ser capaz de receber os refugiados, realizar triagem e alocação pelo território nacional. Se a Colômbia foi capaz de receber 1 milhão de venezuelanos o Brasil tem que ser capaz de receber 50 mil.
Numa recente visita a Boa Vista, pude ver a situação com meus próprios olhos e constatei que a tarefa está sendo feita por cidadãos preocupados e não pelo governo.
O governo precisa estar melhor posicionado para lidar com a crise e não ajudar de maneira nenhuma uma ditadura que persegue o próprio povo.
João Amoêdo - Queremos atuar junto à América Latina que cresce e que vem garantindo melhor qualidade de vida aos seus cidadãos. Veja Chile e Colômbia. Em menor grau, o Peru. A Argentina de Macri vem fazendo esforço grande para ajustar o país depois de anos do populismo kirschnerista.
Há uma outra América Latina com a qual temos dificuldade de alinhamento, a América Latina populista e autoritária. Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua são países que enfrentam dificuldades e dificultam qualquer processo de integração.
O foco da integração deve estar no comércio, no investimento e na infraestrutura. É preciso trabalhar para que a região seja mais estável politicamente e economicamente. A região não pode e não deve viver em constante turbulência e o Brasil tem responsabilidade sobre isso.
João Amoêdo - O trabalho começa pelo controle efetivo das fronteiras. As fronteiras do Brasil estão abertas. Drogas, armas e produtos invadem o Brasil sem dificuldade. Um ciclo completo de atuação com o fortalecimento e equipamento da Polícia Federal, com a punição rigorosa da corrupção de agentes é o início. A atuação das Forças Armadas deve ser repensada. E, sobretudo, aprofundar ao máximo o uso de tecnologia para contribuir para a vigilância das fronteiras.
João Amoêdo - O acordo biregional foi lançado em 1995. Lá se vão quase vinte e cinco anos. Considerando que houve dificuldades dos dois lados, principalmente instabilidade política do lado sulamericano, é frustrante que não se tenha avançado durante todo esse tempo.
Há um problema crônico para convergir os interesses dos setores do agronegócio, mais agressivo, e dos setores da manufatura, mais defensivos, tanto no Brasil quanto junto aos membros do Mercosul. Mas é possível fazer um acordo se houver um governo focado em ganhar competitividade, enfrentar setores não competitivos que detêm privilégios, ao mesmo tempo que garante acesso a mercados para produtos competitivos no mercado europeu. E isso nós vamos fazer.
João Amoêdo - Os BRICS são grandes mercados que interessam ao Brasil. E é isso. A ideia de que haveria uma novo rearranjo de forças no equilíbrio político mundial é uma outra fantasia que embarcou o Brasil nos governos anteriores.
Os membros do BRICS são países concorrentes comercialmente. Quase não têm agendas convergentes em segurança, seus regimes políticos são diferentes, suas agendas ambientais são diferentes. O Banco dos BRICS sem a China não tem relevância. A estrela do grupo é a China, que tem uma agenda focada e pragmática em investimentos e comércio. Temos que fazer o mesmo. Buscar o BRICS para garantir investimentos e acessar mercados.
João Amoêdo - É uma questão entre norte-americanos e chineses. Há um desequilíbrio comercial entre os dois países e os americanos decidiram tomar medidas unilaterais de caráter protecionista. É curioso que, no mundo atual, os americanos estejam protegendo seu mercado e os chineses promovendo o livre comércio.
As medidas americanas devem ser pontuais e não acredito que possam durar muito tempo. No médio prazo, a tendência é encarecer os produtos americanos e isso o consumidor não irá aceitar.
Para o Brasil, há benefícios comerciais momentâneos para commodities agrícolas e produtos de proteína animal, que ganham espaço dos produtos americanos na China. Mas não podemos depender de situações como essa.
O Brasil deve se inserir nas cadeias globais de comércio e, para isso, terá de enfrentar um processo de abertura comercial planejado e transparente. Precisa focar em acordos de livre comércio com mercados que negligenciou nos últimos anos, como os Estados Unidos, União Europeia, Canadá, México e Japão.
O Brasil precisa de fato se abrir para o mercado externo e evitar qualquer iniciativa de protecionismo e isolamento. Chegou o momento de iniciar uma abertura simultânea à redução do custo Brasil. Vamos investir em todas as iniciativas que aumentem o dinamismo da economia, ampliando a competitividade das empresas que estão no Brasil em benefício do consumidor brasileiro.
João Amoêdo - É um paradoxo que o mundo esteja em fase de "desglobalização" quando o que o Brasil deve fazer é justamente o contrário, globalizar-se e enfrentar os desafios da concorrência internacional.
Quando se trata de comércio, fica claro que todos os esforços de se promover a Rodada Doha e fortalecer a OMC desde 2001 não geraram os resultados desejados.
No momento, o Brasil deve buscar acordos regionais e bilaterais sem deixar de acompanhar os pequenos avanços da agenda multilateral. Se necessário, deveremos rever a possibilidade de se realizarem acordos bilaterais sem ter que incluir os parceiros do Mercosul. E o próprio Mercosul talvez tenha que rever a União Aduaneira e voltar a ser Área de Livre Comércio para ver se no futuro retoma o aprofundamento da integração sul-americana.
Quando se trata de ONU, a agenda tem caráter diverso: segurança e cooperação. A política de focar na cadeira no Conselho de Segurança adotada pelo Brasil durante os governos Lula e, com menos intensidade, no governo Dilma, foi um fracasso retumbante. Embaixadas foram abertas em vários países e dívidas de países africanos foram perdoadas para ganhar apoio a uma agenda que buscava um ideal de prestígio sem custos. Uma fantasia que não levou a lugar algum, apenas à desmoralização do serviço externo do Brasil e à desconfiança de democracias tradicionais aliadas do Brasil.
Temos que reverter isso. Resgatar uma política externa de Estado, focada no desenvolvimento econômico, nas relações não excludentes e na tradição brasileira de cooperação e paz.
As perguntas que compõem a entrevista deste especial foram compiladas com base em entrevistas realizadas por EXAME com especialistas em política externa de diferentes setores e organizações. Participaram embaixadores e empresários do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadores de instituições como o Instituto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Puc-Rio, da ESPM e das Faculdades Integradas Rio Branco.
A partir desse levantamento, a reportagem produziu sete perguntas para os candidatos que registravam ao menos 1% de intenção de voto segundo pesquisa Datafolha publicada em 22/08/2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora substituído por Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera Lúcia (PSTU).
Abaixo veja as entrevistas já publicadas:
Estes são os candidatos que ainda não se manifestaram sobre as demandas da reportagem:
A entrevista é composta das mesmas perguntas para todos os candidatos, essas enviadas no mesmo dia e com igual prazo para resposta, 15 dias. A publicação está acontecendo de acordo com a ordem de recebimento.