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Eleições 2018: o que pensa Geraldo Alckmin sobre política externa

EXAME questionou os candidatos à presidência sobre os desafios em política externa que o Brasil enfrenta. Veja a entrevista de Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin, candidato à presidência pelo PSDB (Paulo Whitaker/Reuters)

Geraldo Alckmin, candidato à presidência pelo PSDB (Paulo Whitaker/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 24 de setembro de 2018 às 09h07.

São Paulo – Crise na Venezuela, refugiados, integração latino-americana e Donald Trump são alguns dos desafios que o próximo presidente enfrentará em sua agenda de política externa, um tema que é frequentemente ignorado nos debates, mas extremamente relevante em um momento em que o cenário internacional se torna cada vez mais complexo.

Para entender como os candidatos à presidência se posicionam sobre esses assuntos, EXAME está entrevistando os principais nomes na disputa das eleições 2018. Abaixo, veja a entrevista realizada com o Geraldo Alckmin (PSDB).

EXAME - Como o seu governo pretende lidar com a imigração de venezuelanos para o Brasil e qual será a sua postura em relação ao governo de Nicolás Maduro, se eleito?

Geraldo Alckmin - A saída em massa dos refugiados venezuelanos representa o maior problema para os países sul-americanos. Nos últimos anos, 57.000 entraram no Brasil. O Brasil deve acolher, proteger e prestar assistência aos imigrantes de nosso vizinho, por questões humanitárias e de direitos humanos. Temos de continuar nossa tradição humanística e manter a fronteira aberta.

Vamos apoiar o governo de Roraima, Estado com recursos limitados e sobrecarregado com o número de refugiados. A política de internalização em outros Estados vai ser ampliada. Vamos procurar aumentar o apoio de ONGs, organizações internacionais e governos amigos. Vamos também promover uma campanha contra a xenofobia, contrária à nossa índole.

A situação política e econômica na Venezuela é fator de desestabilização da região. Maduro lidera um governo autoritário, quebrou o país, a inflação está fora de controle, o país está mergulhado em profunda recessão, a produção de petróleo está em queda e as medidas econômicas tomadas se mostram inócuas.

A Venezuela será uma das minhas prioridades na política externa, no curto prazo. Os problemas de fronteira com o tráfico de drogas e de armas são muito preocupantes e afetam nossa segurança. Ao Brasil interessa uma Venezuela que supere seus problemas internos e cresça. Devemos ter uma atitude mais proativa para buscar uma solução política para a crise. Sou contrário a qualquer intervenção militar externa.

EXAME - Atuar por uma maior integração com a América Latina será uma prioridade em seu governo?

Geraldo Alckmin - A atitude do Brasil em relação à América Latina, em particular à América do Sul, é o maior desafio da política externa hoje. O fortalecimento do regionalismo é um dos fatores mais importantes da nova geopolítica global. Nossa região está desintegrada e enfraquecida com problemas políticos e econômicos graves. Meu governo vai assumir uma atitude proativa no tocante à integração regional para, com a liderança do Brasil, ampliar a liberalização comercial, aprofundar os acordos vigentes e a integração física.

Em relação ao Mercosul, vamos acelerar a recuperação de seus objetivos iniciais e avançar nas negociações com terceiros países. O relacionamento com a Venezuela merecerá atenção especial. A participação do Brasil nos órgãos regionais (Unasul, Conselho de Defesa, Celac) deverá ser reavaliada à luz dos interesses nacionais.

EXAME - O narcotráfico é hoje uma das maiores ameaças à segurança nacional e é uma questão que não está dissociada da política externa, uma vez que envolve países vizinhos. Qual é a sua proposta para combater o tráfico internacional?

Geraldo Alckmin - De fato, não é com a militarização da fronteira que vamos conseguir vitórias importantes contra o narcotráfico. Nossa prioridade é ampliar o esforço diplomático e de assistência internacional aos países vizinhos em matéria jurídico-policial com base nos tratados e convenções de organizações multilaterais como a ONU, Interpol e OEA.

Na prática, toda a cocaína do mundo é produzida pela Bolívia, Colômbia e Peru, sendo a Venezuela um importante entreposto de exportação da droga para EUA e Europa. Atividades diversas de contrabando movimentaram cerca de 15 bilhões de reais apenas no Estado de São Paulo, conforme estudo da FIESP de 2017.

Propomos ainda aprimorar os instrumentos de gestão compartilhada e integrada de informações entre os estados e o governo federal e investir na gestão de tecnologia de monitoramento e despacho operacional para o atendimento de ocorrências na região da fronteira.

Outra preocupação é garantir a continuidade e a expansão do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) e do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que atualmente faz parte do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) e é responsável pelo controle ambiental, do tráfego aéreo, a coordenação de emergências na região e o controle de ações de contrabando.

EXAME - O Mercosul e a União Europeia estão em negociação há anos por um acordo de livre-comércio entre os blocos. Qual é a posição do senhor sobre este acordo?

Geraldo Alckmin - Sou muito favorável à conclusão imediata do acordo. Se não puder ser concluído ainda neste ano, vamos atuar com a União Europeia para fechar a negociação no início de meu governo. O Brasil está isolado nas negociações comerciais e tem de voltar a se inserir nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio internacional para melhorar sua produtividade, para ter acesso a novas tecnologias e inovações.

Nos últimos 15 anos, o Brasil assinou apenas três acordos comerciais (Egito, Israel e Autoridade Palestina). Os acordos comerciais permitirão ao Brasil abrir novos mercados, participar das cadeias produtivas de valor, da qual o Brasil hoje está fora, se ajustar às regras internacionais e estimular a competição.

EXAME - Qual é a importância que o grupo dos BRICS terá em seu governo?

Geraldo Alckmin - O BRICS, integrado também pela Rússia, Índia, China e África do Sul, representa 44% da população mundial, quase um quarto do território terrestre e 23% do PIB do planeta. Com a recuperação econômica e a volta do crescimento no Brasil, a disparidade com a China e a Índia vai ser reduzida. Vamos definir uma política mais ambiciosa em relação ao BRICS com o objetivo de aumentar a projeção diplomática brasileira.

Nos próximos anos, o BRICS poderá ser uma plataforma para uma ação mais proativa do Brasil no cenário internacional. Ser parte de um grupo exclusivo de países com grande peso econômico e político é fator de influência e prestígio. Temos também de buscar ganhos concretos no campo econômico financeiro e de promoção comercial com o aumento do conhecimento recíproco.

Em 2018, mais de cem encontros de ministros, altos funcionários e setoriais entre os países membros deverão ser realizados, mostrando o interesse em ampliar nossa participação política e econômica no BRICS. O Banco de Desenvolvimento do BRICS vai abrir no Brasil seu primeiro escritório na América Latina.

Em 2019, no primeiro ano de meu governo, a reunião presidencial do BRICS vai ser no Brasil, oferecendo uma oportunidade para darmos os primeiros passos em uma nova etapa do grupo na busca de posições comuns em temas internacionais sensíveis.

EXAME - A guerra comercial entre China e Estados Unidos afeta o Brasil diretamente em diferentes segmentos. Qual será a sua estratégia lidar com a disputa comercial?

Geraldo Alckmin - A guerra comercial dos EUA contra a China é uma das primeiras manifestações concretas da luta pela hegemonia global no século 21. Com 1% do comércio mundial, o Brasil não tem cacife para, de alguma maneira, interferir na ameaça cada vez mais concreta de uma escalada protecionista entre as duas maiores economias globais. É briga de cachorro grande.

Minha estratégia será acompanhar de perto a evolução da disputa, propor medidas concretas para fortalecer a OMC e assegurar que o mecanismo de solução de controvérsias seja preservado dos ataques dos EUA e da Europa. No curto prazo, temos de aproveitar as oportunidades que aparecerão, em especial no mercado chinês para nossos produtos, sobretudo agrícolas. No longo prazo, todos perderão.

EXAME - O multilateralismo vem sendo colocado em xeque pelos Estados Unidos. O senhor é favor do fortalecimento das organizações multilaterais, como a ONU e a OMC? Ou pretende focar nas negociações bilaterais?

Geraldo Alckmin - Como uma das dez maiores economias globais, a voz do Brasil vai ser fortalecida. Sem prejuízo das negociações de acordos bilaterais e regionais, meu governo vai se engajar no debate internacional a favor do livre comércio e das regras vigentes no âmbito da OMC.

Com a crescente tendência de protecionismo, a OMC deve ser preservada, em especial, no tocante ao mecanismo de solução de controvérsias e no órgão de apelação, essenciais para que países de porte médio, como o Brasil, poder recorrer contra as medidas restritivas ilegais que prejudiquem nossas exportações.

Vamos ampliar e tornar mais dinâmica a participação do Brasil nas organizações internacionais. Vamos trabalhar para fortalecer e aumentar a representatividade nas decisões da ONU nas questões de paz e segurança (a ampliação do Conselho de Segurança, participação em operações de paz, apoio à não proliferação).

Daremos grande atenção igualmente a temas globais, como democracia, direitos humanos, mudança de clima, sustentabilidade, energia, tráfico de armas e de drogas, combate à corrupção, bem assim nos novos temas, como terrorismo, guerra cibernética e controle da internet.

Metodologia EXAME

As perguntas que compõem a entrevista deste especial foram compiladas com base em entrevistas realizadas por EXAME com especialistas em política externa de diferentes setores e organizações. Participaram embaixadores e empresários do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadores de instituições como o Instituto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Puc-Rio, da ESPM e das Faculdades Integradas Rio Branco.

A partir desse levantamento, a reportagem produziu sete perguntas para os candidatos que registravam ao menos 1% de intenção de voto segundo pesquisa Datafolha publicada em 22/08/2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora substituído por Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera Lúcia (PSTU).

Abaixo veja as entrevistas já publicadas:

Álvaro Dias (Podemos)

Guilherme Boulos (PSOL) 

Henrique Meirelles (MDB)

Geraldo Alckmin (PSDB)

João Amoêdo (NOVO)

Fernando Haddad (PT)

Vera Lúcia (PSTU)

Marina Silva (REDE)

Estes são os candidatos que ainda não se manifestaram sobre as demandas da reportagem:

Cabo Daciolo (Patriota)

Ciro Gomes (PDT)

Jair Bolsonaro (PSL)

A entrevista é composta das mesmas perguntas para todos os candidatos, essas enviadas no mesmo dia e com igual prazo para resposta, 15 dias. A publicação está acontecendo de acordo com a ordem de recebimento.

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