Alice Weidel, co-líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) (Ralf Hirschberger/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 23 de fevereiro de 2025 às 18h22.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2025 às 18h26.
Nas eleições da Alemanha neste domingo, 23, uma tendência dos últimos anos se repetiu: a força do voto de revolta contra o governo atual. Foi assim em diversas eleições recentes, incluindo a do Brasil em 2022, da Argentina em 2023 e dos Estados Unidos em 2024.
Neste domingo, o SPD, partido do atual premiê Olaf Scholz, amargou um terceiro lugar. Os dois partidos mais votados foram a CDU/CSU, blocos de democratas cristãos e conservadores, que deverá indicar o novo premiê, Friedrich Merz, e a AfD, Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita. Foram os dois principais caminhos escolhidos pelos eleitores para mostrar seu descontentamento com a situação atual.
Na noite deste domingo, 23, tudo indicava que CDU e AfD deverão se manter distantes. Merz deve buscar a SPD para formar uma coalizão e manter o isolamento da AfD, rejeitada pelos demais partidos por defender ações radicais e anti-democráticas e se aproximar de ideias nazistas.
Apesar disso, a AfD mostrou força, ao registrar seu maior número de votos até agora, e deixou clara uma divisão do país: projeções iniciais apontam que o partido atraiu mais votos na região que já foi a Alemanha Oriental (que viveu sob sistema socialista) e entre jovens.
"O eleitor da AfD está muito concentrado nas áreas que sofrem muito hoje com a desindustrialização alemã", diz Mauricio Moura, professor da Universidade George Washington e que atua como observador da eleição alemã. Moura destaca ainda que a AfD atraiu muitos eleitores com menos de 30 anos, um eleitor que não costuma aparecer para votar.
Ao mesmo tempo, a CDU avançou quatro pontos em relação à eleição anterior e atrai mais votos da periferia de cidades como Munique, Dusseldorf, Frankfurt e Berlim. Seu público é formado principalmente por eleitores mais velhos.
"Muitos dos votos do AFD vieram de eleitores que costumavam votar no CDU. E, na reta final da campanha, houve um uma movimentação de indecisos que rejeitavam o AFD e votaram na CDU no final", diz Moura.
Na sede da CDU em Berlim neste domingo, o clima era de alívio com o resultado. A ex-chanceler Angela Merkel, que integra o partido, não foi vista em público no evento.
Um dos pontos em debate agora é se a AfD se tornará a principal liderança de oposição na Alemanha, já que será o partido com a maior quantidade de cadeiras no Bundestag e que não fará parte do governo.
Em meio a apuração, os líderes dos partidos foram a um programa de TV debater, publicamente, os próximos passos. Alice Weidel, líder da AfD, disse que o partido está preparado para "trabalhar com todos". "Eles [os alemães] realmente querem uma coalizão entre CDU e AfD, que tem sido excluída. Temos de aceitar isso no momento", afirmou.
Weidel disse ainda que a AfD poderá apoiar o novo governo em "temas sensíveis", mas que esse governo poderá se tornar instável e não durar quatro anos.
Merz disse que espera formar um governo até a Páscoa, ou seja, em abril, e que prefere ter apenas um partido como parceiro, em vez de dois ou três, em mais um sinal claro de que deverá se aproximar da SPD.
Os dados de como serão divididos os 630 assentos do Bundestag ainda dependem da definição de uma regra de corte: partidos que tiverem menos de 5% dos votos ficam de fora do Parlamento.
Os números iniciais apontam outra surpresa: o partido Die Linke, de extrema-esquerda, deve somar 8,5% dos votos e conseguir assentos. A legenda foi eficaz em atrair jovens nas redes sociais, e desiludidos com a política tradicional que querem ver mudanças de forma mais rápida.
O novo governo terá enormes desafios a vencer. A economia alemã vive seu pior momento desde a crise de 2008, com uma recessão que já dura dois anos. A economia encolheu 0,3% em 2023 e deve fechar 2024 com crescimento de 0%, segundo o FMI. Para 2025, o Fundo estima alta modesta, de 0,3%.
Em paralelo, a inflação disparou, a 8% em 2022, 6% em 2023 e 2,4% em 2024, o que também contribui para o mal-estar dos alemães com o governo. Assim como em outros países, como Estados Unidos e Brasil, o custo mais alto da comida fomenta a insatisfação com a política.
Um estudo feito pelo instituto Gallup mostra que os alemães estão em seu momento de maior pessimismo econômico desde a crise de 2008. No final de 2024, 38% deles disseram sentir que seu padrão de vida está piorando. Essa sensação atingiu 51% em 2008, mas depois caiu para abaixo dos 30% na década de 2010. Em 2022, voltou a subir. Além disso, só 50% dos alemães disseram ter confiança no governo. Em 2015, eram 63%.
Representantes do mercado alemão têm defendido que o governo aumente seu gasto público para fazer investimentos, como forma de voltar a crescer. Uma das demandas é que o governo flexibilize uma regra constitucional conhecida como "debt brake", que limita tanto o governo nacional quanto os governos locais a manter os déficits anuais em até 0,35% do PIB. Merz diz estar aberto a rever a medida. A AfD diz ser contra.
No campo externo, o principal desafio é encontrar novos caminhos para as exportações alemãs, em um cenário que a China compra menos e deve levar produtos barrados dos EUA a outros países, com preços menores. Ao mesmo tempo, o presidente Donald Trump, que é descendente de alemães, ameaça taxar carros, aço e outros itens industriais.