O candidato social-democrata Olaf Scholz e o candidato conservador Armin Laschet durante a votação de 26 de setembro de 2021 (Ina Fassbender/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 27 de setembro de 2021 às 14h29.
Última atualização em 27 de setembro de 2021 às 18h58.
A Alemanha foi às urnas neste domingo, 26, para escolher a composição do próximo Bundestag, o Parlamento do país, e o chanceler a substituir a atual líder, a conservadora Angela Merkel.
A chanceler deixará o cargo após quase 16 anos de governo. Sua sucessão ainda é uma incógnita, e, passadas as eleições, as negociações para uma coalizão podem durar meses.
Veja abaixo como funciona a eleição na Alemanha, como o governo será escolhido a partir de agora e os principais destaques da votação.
Os sociais democratas do SPD, de centro-esquerda, devem confirmar a vitória com leve vantagem sobre os conservadores da aliança União Democrata-Cristã e União Social-Cristã (CDU/CSU), de centro-direita e mesma legenda de Angela Merkel.
Nos resultados preliminares, o SPD obteve quase 26% dos votos, contra 24% de CDU/CSU (veja no gráfico abaixo). Na eleição passada, ainda sob liderança de Merkel, CDU/CSU tiveram votação muito maior, de 41%.
Outro destaque desta eleição são os Verdes, que subiram de 8% para 15%.
Os principais partidos na Alemanha são:
A vitória não significa que o SPD terá o próximo chanceler, porque antes precisará formar uma coalizão suficiente para chegar à maioria das cadeiras no Parlamento.
Ainda assim, a liderança na eleição é politicamente importante para o SPD, que vinha ofuscado nos últimos anos e agora tem chance de voltar ao poder pela primeira vez desde 2005, quando Merkel foi eleita para seu primeiro mandato.
Já para os conservadores da CDU, este é o pior resultado da história. Embora Merkel seja bem avaliada, o partido perdeu força devido a uma combinação de fatores como o desejo de mudança por parte da população e a má campanha de seu candidato, Armin Laschet.
Mas ainda há chances de que a CDU, embora tenha ficado em segundo lugar, consiga formar um governo caso obtenha alianças suficientes.
No parlamentarismo, os partidos precisam formar uma coalizão de tal foram que consigam a maioria das cadeiras no Bundestag.
O número de cadeiras varia a cada legislatura devido ao modelo alemão, mas serão, neste mandato, 735 assentos.
Não há uma data oficial para a posse do novo governo. As negociações ainda podem levar meses, e, num cenário otimista, serem concluídas antes do Natal. Se um governo não for formado, no limite, outras eleições podem ser convocadas.
Merkel continuará no cargo até que os partidos cheguem a um acordo sobre a coalizão.
Embora a eleição tenha terminado no começo da tarde de domingo (horário de Brasília), os resultados oficiais levarão ainda várias semanas até serem divulgados.
O que foi divulgado até agora pelo órgão eleitoral são resultados preliminares, feitos com base em pesquisas de boca de urna. No geral, esses resultados costumam estar corretos e repetir os números finais.
Cada partido tem um líder que tende a ser o chanceler caso sua legenda lidere uma coalizão governista.
Como SPD e CDU são os maiores partidos, o chanceler historicamente vem de uma das duas legendas.
No começo da campanha deste ano, no entanto, os Verdes chegaram a liderar as pesquisas, o que colocou sua candidata como tendo chances reais de virar chanceler, mas o partido caiu nos últimos meses e terminou em terceiro. Os três principais líderes são:
Com o aval de Merkel para ser candidato de seu partido, Laschet fez uma campanha considerada ruim e é pouco carismático, o que é visto como parte do motivo pelo mal resultado da CDU.
Para completar, o pior momento veio com as enchentes na Alemanha em julho: Laschet, que governa a Renânia do Norte-Vestfália, uma das regiões afetadas, apareceu rindo em uma foto em cenário devastado pela tragédia, o que pegou mal e fez a CDU despencar nas pesquisas.
Nos últimos dias, Merkel ampliou sua participação na campanha de Laschet diante dos maus resultados, o que ajudou a reduzir a desvantagem da CDU, mas não o suficiente para evitar a derrota.
Após os resultados de ontem, a CDU disse que está à disposição para formar um governo, mas a oposição respondeu dizendo que "ninguém quer" um governo Laschet.
Ministro das Finanças de Merkel e experiente, o candidato do SPD, Olaf Scholz, também é visto como pouco carismático, mas assumiu a liderança em agosto diante dos erros de Laschet e conseguiu se manter na liderança com uma campanha sem grandes erros.
Houve um tempo em que a política alemã era polarizada entre SPD e CDU, mas, nos últimos anos, os social-democratas terminaram fazendo três coalizões com o governo Merkel e perderam espaço na oposição. O bom resultado do SPD nestas eleições marca uma "ressureição" do partido.
Os Verdes cresceram na esteira da queda de popularidade do SPD nos últimos anos e com a cada vez maior preocupação com a emergência climática. A legenda apela a um eleitorado mais jovem e chegou à eleição deste ano com uma inédita liderança nas pesquisas, mas a campanha de Annalena Baerbock foi ruim em momentos como os debates na TV, e perdeu força.
Apesar disso, o partido saltou para terceira maior força do Parlamento e terá papel crucial na formação de coalizão, seja com a CDU à direita ou o SPD à esquerda.
Por ora, analistas dão ao SPD a maior chance de formar um governo. Há alguns motivos para isso. Primeiro, a vitória do partido nas urnas o dá maior legitimidade para tentar liderar uma coalizão.
É comum que o vencedor nas urnas consiga formar um governo: em todos os governos Merkel, por exemplo, a CDU venceu a eleição e conseguiu também liderar as coalizões que se seguiram - ainda que precisando fazer acordos complexos e demorados, como com os rivais do SPD, que participaram de três dos quatro governos Merkel.
Além disso, os Verdes, terceira maior bancada, já afirmaram preferir fazer coalizão com o SPD do que com os conservadores do CDU, embora tenham dito que não descartam, se for necessária, uma aliança com o partido de Merkel e Laschet como chanceler.
Por fim, o desempenho da esquerda nas urnas, personificada nas figuras de SPD e Verdes, também mostra que há algum desejo de mudança em parte da população após os governos de Merkel.
Ainda assim, a CDU ainda tem chances de formar o governo.
Christian Lindner, líder dos liberais do FDP e que será cortejado pelos social democratas, diz que prefere uma coalizão com a CDU.
(Em 2017, ele descartou essa mesma coalizão devido à presença dos Verdes.)
Verdes e FDP são os fiéis da balança. O governo dependerá da capacidade de o SPD convencer os liberais a ingressar na coalizão de esquerda ou, na outra ponta, da capacidade da CDU de convencer os Verdes a ingressarem na coalizão de direita.
As coalizões possíveis são:
Outra possibilidade era uma coalizão só de esquerda, com SPD, Verdes e Die Linke. Mas a chance acabou com o resultado ruim do Die Linke, de modo que não é mais possível obter maioria só com esses partidos.
O Die Linke quase não ingressou no Parlamento ao não atingir a cláusula de barreira de 5% dos votos.
O partido, no entanto, deve assegurar suas cadeiras ao ter conseguido eleger três representantes locais, o que o dá direito a estar no Bundestag mesmo sem ter chegado a 5%.
A Alternativa para Alemanha (AfD), partido de extrema-direita, confirma a previsão de que parou de crescer e manterá seu atual tamanho no Parlamento.
Criado por dissidentes ultraconservadores do CDU de Merkel na esteira da crise dos refugiados, o partido ganhou seus primeiros assentos no Bundestag na eleição de 2017.
Na atual legislatura, a AfD tem 87 cadeiras no Bundestag, sendo a terceira maior força do Parlamento. Mas a legenda perdeu esta posição após os resultados do fim de semana, ficando agora atrás dos Verdes e dos liberais do FDP.
Além disso, a extrema-direita tem sido sistematicamente isolada das decisões pelos demais partidos, da direita à esquerda. Nenhum partido deve procurar a AfD para uma coalizão governista.
O futuro do governo alemão depende de qual coalizão será formada. Laschet, da CDU/CSU, tende a garantir alguma continuidade em relação aos governos Merkel. Ainda assim, há pressão para mudanças mais estruturais na Alemanha e que analistas apontam terem sido deixadas de lado nos mandatos da chanceler, como a transição energética e digitalização da economia.
Já os social democratas prometem medidas como taxações maiores aos ricos e combate à desigualdade social, embora Scholz tenha se mostrado até hoje como um candidato moderado e até mesmo de alguma continuidade em relação a Merkel.
"Um governo liderado pelo SPD não traria mudanças gigantescas. Olaf Scholz é uma continuação dos anos Merkel, ao menos em estilo de liderança", disse em entrevista anterior à EXAME Carsten Brzeski, diretor global de macro da casa de análise ING, na Alemanha.
"Já em termos de substância, qualquer que seja a próxima coalizão na Alemanha, trará medidas que busquem mais investimento, luta contra as mudanças climáticas e digitalização", afirmou, citando pontos nos quais há críticas à estagnação na era Merkel.
Além disso, a composição da coalizão também vai influenciar em parte o governo, independentemente de quem seja o chanceler.
Os Verdes, por exemplo, tendem a exigir medidas mais rígidas de combate à crise climática, e podem pressionar um eventual governo conservador da CDU caso façam parte da coalizão.
Já o liberal FDP, em um eventual governo de SPD e Verdes, seria o pêndulo para a direita em uma coalizão mais à esquerda.
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