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É possível prever o tamanho da crise ou tudo não passa de chute calculado?

Qualquer previsão sobre a crise é feita sobre base frágil, porque nem nenhum país tem controle sobre o movimento do coronavírus, escreve Renata Amaral

Paris, França, com ruas vazias em razão das regras de quarentena: De acordo com a OCDE, crescimento anual do PIB dependerá de muitos fatores, incluindo a magnitude e a duração das medidas de confinamento (Christian Hartmann/Reuters)

Paris, França, com ruas vazias em razão das regras de quarentena: De acordo com a OCDE, crescimento anual do PIB dependerá de muitos fatores, incluindo a magnitude e a duração das medidas de confinamento (Christian Hartmann/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 22 de abril de 2020 às 18h48.

Que o mundo vive um momento sem precedentes em meio a esta pandemia de coronavírus não é novidade. Que as perspectivas econômicas são sombrias também não. E a verdade é que quaisquer previsões são feitas sobre bases frágeis, porque ninguém nem nenhum país tem controle sobre o movimento deste inimigo invisível.

Duas organizações internacionais importantes para o comércio e investimentos globais lançaram relatórios com previsões negativas nos últimos dias. Em 3 de abril a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) publicou seu Monitoramento de Política de Investimentos (Investiment Policy Monitor), enquanto em 8 de abril a Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou as suas previsões para o comércio internacional no biênio 2020/2021.

Ambos os relatórios pintam um quadro bastante sombrio para os próximos meses. Segundo a UNCTAD, os efeitos da pandemia devem resultar em uma queda de 40% dos investimentos diretos externos no mundo, o menor valor das últimas duas décadas. O relatório indica que as respostas a essa queda abrupta dependerá de país a país.

No que se refere ao intercâmbio global de mercadorias, o cenário do comércio internacional de bens já vinha enfrentando desafios pré-pandemia, com a guerra comercial entre EUA e a China. Lembremos que, em 2019, o volume de comércio de mercadorias já caiu 0,1%, pressionado pelas tensões comerciais e pela desaceleração do crescimento econômico. O resultado foi de US$ 18,89 trilhões, indicando uma queda de 3% em valor das exportações mundiais de mercadorias no último ano.

Em relatório publicado na semana passada, a OMC projeta um declínio significativo do intercâmbio comercial global entre 2020 e 2021, bastante superior à retração global registrada pós crise de 2008.

De acordo com as previsões da organização, o comércio mundial de bens deverá cair entre 13% e 32% em 2020 em razão da pandemia da COVID-19. Quase todas as regiões sofrerão quedas de dois dígitos nos volumes comerciais em 2020, sendo que as exportações da América do Norte (com queda projetada entre -17,1% a -40,9%) e Ásia (com queda projetada entre -13,5% a -36,9%) devem ser as mais atingidas. No que diz respeito às importações, prevê-se, em 2020, recuo mais acentuado para América do Sul e Central (-43,8%), seguida da América do Norte (-33,8%) e da Ásia (-31,5%).

O relatório indica, ainda, que o intercâmbio comercial provavelmente cairá mais acentuadamente em setores com cadeias de valor complexas, principalmente produtos eletrônicos e automotivos.

Embora não tenha abordado comércio de serviços, o relatório da OMC indica que serviços deverá ser o componente do comércio mundial mais diretamente afetado pela Covid-19 em razão da imposição de restrições de transporte, viagens e do fechamento do comércio nos países.

No mesmo tom das análises de UNCTAD e OMC desde Genebra, a Organização para Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), sediada em Paris, também fez previsões pouco otimistas. Segundo a Organização, em todas as economias a maior parte do impacto da pandemia vem do impacto da produção no varejo e no atacado, e nos serviços profissionais e imobiliários.

De acordo com a OCDE, o crescimento anual do PIB - projetado em uma queda de 2% do PIB anual para cada mês de confinamento – dependerá de muitos fatores, incluindo a magnitude e a duração das paralisações nacionais, a extensão da demanda reduzida por bens e serviços em outras partes da economia e a velocidade com que um apoio fiscal e monetário entrarem em vigor.

As estimativas dessas três organizações são úteis na medida em que contribuem para dimensionar a amplitude dos eventuais efeitos negativos da pandemia sobre os investimentos, a economia e o comércio global. 

Mas é possível fazer previsões reais ou é só chute calculado?

Ainda que façam estimativas para recuperação da economia em 2021, como indica a OMC, todas as premissas utilizadas nos estudos estão sujeitas a significativa variação já que não há uma previsão real sobre o fim da crise.

Por mais negativa que possa parecer a minha perspectiva neste texto, a verdade é que o coronavirus está exigindo de todos nós uma revisão das relações entre as pessoas, entre as lideranças mundiais, a revisão de premissas na formulação de políticas públicas, atenção para a alocação de insumos estratégicos concentrados em poucos países.

A resposta econômica à pandemia dependerá sobremaneira das políticas adotadas pelos governos, em conjunto e separadamente. No mínimo assistiremos, nos próximos meses e anos, algo muito diferente acontecendo no mundo: políticas comerciais e econômicas trabalhando para a segurança da saúde pública da população. E talvez isso seja bom.

*Renata Amaral é doutora em Direito do Comércio Internacional, professora adjunta na American University, em Washington DC e fundadora da rede Women Inside Trade

 

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