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É falsa corrente que diz que Xangai e Pequim não tiveram casos da covid-19

Segundo a OMS, foram registrados 583 casos de coronavírus em Pequim e 526 em Xangai até o dia 3 de abril

Pessoas usam máscaram ao sair de shopping center em Pequim em meio a pandemia de coronavírus
11/03/2020
REUTERS/Thomas Peter (Thomas Peter/Reuters)

Pessoas usam máscaram ao sair de shopping center em Pequim em meio a pandemia de coronavírus 11/03/2020 REUTERS/Thomas Peter (Thomas Peter/Reuters)

CC

Clara Cerioni

Publicado em 3 de abril de 2020 às 20h24.

Última atualização em 3 de abril de 2020 às 21h28.

Uma corrente que circula nas redes sociais afirmando que o novo coronavírus não chegou às grandes cidades chinesas apresenta uma série de dados falsos para tentar comprovar que o vírus é um “atentado terrorista” produzido pela China para “criar pânico no mundo.”

O conteúdo foi publicado originalmente na página do Facebook “Jair Bolsonaro Presidente — Atibaia” em 1º de abril e depois passou a ser veiculado por outros perfis nas redes sociais.

A corrente usa dois argumentos centrais: de que a covid-19 se espalhou por todos os países, mas não atingiu Pequim, a capital chinesa, nem Xangai, o polo econômico do país asiático; e que o vírus não teve impacto na economia e no mercado financeiro chinês.

Ambas as afirmações são falsas. No último balanço da universidade americana Johns Hopkins, até o dia 3 de abril, às 17 horas, Pequim tinha 584 pacientes que testaram positivo para a doença, oito mortes e 434 pessoas recuperadas. Na mesma data, Xangai tinha 526 casos confirmados, seis mortes e 348 pacientes recuperados. De acordo com o levantamento realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), até o dia 3 de abril, foram registrados 583 casos de coronavírus em Pequim e 526 em Xangai.

Já em relação aos impactos econômicos, reportagem da Agência Reuters, de 31 de março, mostra que o mercado de ações chinês teve o pior trimestre desde 2018, por causa das consequências econômicas do coronavírus. No começo de fevereiro, as bolsas chinesas chegaram a registrar a queda mais importante em cinco anos, de 8%. Os dados do impacto da covid-19 na economia chinesa podem ser lidos em texto publicado (em inglês) pela Agência Nacional de Estatísticas do país.

Há outros trechos da corrente que também são falsos, como o Comprova destrinchou na seção abaixo.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

Para verificar a veracidade das informações do texto que circula nas redes sociais, o Comprova dividiu o conteúdo em oito perguntas.

Buscamos as informações em publicações oficiais de contaminação pela covid-19, no mapa em tempo real mantido pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e no site da Organização Mundial de Saúde.

Foram utilizadas, ainda, reportagens com fontes oficiais e autoridades publicadas em veículos jornalísticos.

Você pode refazer o caminho da verificação clicando nos hiperlinks do texto verificado.

1. É verdade que esse vírus não atingiu a capital da China, Pequim, e a capital econômica, Xangai, e não tem efeito sobre essas cidades?

O texto começa dizendo que a doença se espalhou por todos os países, mas não atingiu Pequim, a capital chinesa, nem Xangai, o polo econômico do país asiático. De acordo com autoridades locais, em 20 de janeiro a China contava com 200 casos confirmados e já tinha pacientes infectados pelo vírus em ambas as cidades.

No último balanço da universidade americana Johns Hopkins, até dia 3 de abril, às 17h, Pequim tinha 584 pacientes que testaram positivo para a doença, oito mortes e 434 pessoas recuperadas. Na mesma data, Xangai tinha 526 casos confirmados, seis mortes e 348 pacientes recuperados. De acordo com o levantamento realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), até o dia 3 de abril, foram registrados 583 casos de coronavírus em Pequim e 526 em Xangai.

2. É verdade que Pequim e Xangai não foram fechadas, não entraram em quarentena nem em lockdown e também não tiveram bloqueios?

Em outro trecho, o texto diz que não houve lockdown ou bloqueios em nenhuma dessas duas cidades. De fato, os governos locais não determinaram um isolamento total de toda a população, como foi feito em Wuhan, cidade onde foram registrados os primeiros casos da doença. No entanto, autoridades restringiram deslocamentos, fecharam restaurantes, cinemas, lojas e shoppings.

Os governos locais também adotaram uma política rigorosa para a medição da temperatura da população, por meio de um sistema de reconhecimento facial implementado em estabelecimentos, como mostra esse documentário sobre a quarentena em Pequim realizado pelo canal ArteTV.

Em Pequim, lojas, cinemas, museus e restaurantes foram fechados. Em Xangai, visitas a pontos turísticos foram suspensas na última semana. No dia 15 de março, as duas cidades impuseram uma quarentena obrigatória de 14 dias para pessoas que voltassem de viagens do exterior. Em Pequim, os que se recusarem em se isolar ou obedecer regras oficiais podem ser punidos pelo governo.

3. Alguma autoridade de saúde informou que o vírus não chegaria a Pequim e Xangai?

Em pesquisas na internet, em jornais locais e internacionais, o Comprova também não identificou nenhuma autoridade de saúde que tenha divulgado que o vírus não atingiria as duas cidades chinesas.

4. Pequim e Xangai são as áreas adjacentes de Wuhan, cidade em que se originou a doença?

A corrente também afirma que as cidades são “adjacentes de Wuhan”, local onde a doença se originou. Segundo o Google Maps, Pequim está a 1.152 quilômetros de Wuhan e Xangai, a 820 quilômetros.

5. É verdade que novos casos não estão chegando na China e o país está aberto?

Em seguida, o texto afirma que o “mundo está assolado enquanto novos casos não estão chegando na China”. Em 12 de março, o país informou que, após registrar 80.980 casos do novo coronavírus e 3.173 mortes, o pico da doença havia passado e os novos casos diários estavam em declínio. Com isso, seria possível começar a relaxar as medidas de isolamento no país, como reativar as salas de cinema, e voltar a abrir a economia.

Contudo, segundo a ferramenta da Johns Hopkins, nos últimos 20 dias a China registrou mais 1.529 pessoas infectadas e 153 óbitos, até as 11h30 de 3 de abril. A preocupação com uma segunda onda de surto da doença por pessoas que possam voltar de países que ainda registram transmissão levou as autoridades chinesas a decretar o fechamento das salas de cinema novamente .

6. É verdade que não há efeito do coronavírus no mercado financeiro da China?

Depois da exposição sobre os casos, a corrente se dedica a comprovar que não houve efeitos do vírus na economia e no mercado financeiro da China. Reportagem da agência Reuters, de 31 de março, mostra que o mercado de ações chinês teve o pior trimestre desde 2018, devido a preocupações sobre as consequências econômicas do coronavírus.

No começo de fevereiro, as bolsas chinesas chegaram a registrar a queda mais importante em cinco anos, de 8%. A produção industrial na China sofreu em fevereiro a mais rápida contração da história. Os lucros industriais diminuíram 38,3% nos dois primeiros meses de 2020.

A taxa de desemprego no país aumentou mais do que durante a guerra comercial com os Estados Unidos. O aumento da taxa, mês a mês, chega a ser maior do que o desemprego que ocorreu nos 18 meses anteriores, quando havia influência do embate comercial. Os dados do impacto da covid-19 na economia chinesa podem ser lidos em texto publicado pela Agência Nacional de Estatísticas do país.

Como a China é hoje um dos maiores polos econômicos mundiais, as consequências se espalharam por todo o mundo: a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento prevê uma redução de 5% a 15% nos investimentos estrangeiros diretos no mundo em 2020. A OCDE, o clube dos países ricos, projeta que o impacto mundial do coronavírus deve derrubar de 0,5 a 1,5 ponto percentual o PIB global. Em valores, se trata de uma perda de 500 bilhões a 1,4 trilhão de dólares em geração de riqueza, que deixará de existir.

7. É verdade que o vírus chinês é uma arma biológica da China? Há indícios de que o país tem remédios que não foram compartilhados com o mundo?

O conteúdo falso também diz que o vírus é uma “arma biológica” criada pela China para destruir o mundo e sugere que o país asiático “talvez também tenha remédios que não está compartilhando.” No entanto, segundo pesquisa científica publicada na revista médica Nature Medicine, o vírus não foi criado em laboratório.

Pesquisadores dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Austrália apontam evidências de que o novo coronavírus seja resultado de uma seleção natural, segundo os cientistas. Uma das possibilidades consideradas é que o novo coronavírus tenha evoluído em alguma espécie de animal (ainda não se sabe ao certo qual seria) e, então, ter feito a transição para o organismo humano.

O Comprova também consultou o virologista Lindomar Pena, do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), se havia possibilidade de o vírus ter sido criado em laboratório. Ele disse que o genoma do coronavírus é enorme e isso dificulta sua manipulação genética.

“Nem mesmo o maior especialista em vírus do planeta teria a capacidade de construir um vírus tão exitoso em transmissibilidade. Isso é efeito de mutação e seleção natural durante a circulação do vírus em animais silvestres. A natureza é mais sábia do que qualquer cientista”, disse o virologista.

O texto levanta ainda a possibilidade de a China ter desenvolvido um remédio para combater o coronavírus, e não ter compartilhado com o mundo. Atualmente, não há nenhum tratamento comprovadamente eficaz para a doença. A China e outros países têm investido em pesquisas, mas nenhum deles já conseguiu comprovar a descoberta de um remédio único para tratar pacientes com a covid-19.

Na última semana, a Organização Mundial de Saúde anunciou que começará uma pesquisa global chamada de Solidarity ("solidariedade", em inglês), com o objetivo de testar, em milhares de pacientes, quatro terapias promissoras.

Recentemente, cientistas da Universidade Tsinghua, em Pequim, descobriram anticorpos que podem ser úteis para combater o novo coronavírus. O estudo foi divulgado pela China e pela mídia, mas não tem ainda eficácia comprovada.

8. O diretor-geral da OMS tem alguma relação com a China? Ele foi colocado no cargo através do esforço diplomático chinês?

Por fim, o texto classifica o novo coronavírus como “o pior atentado da história.” O conteúdo sugere que a propagação da doença contou com a participação do “presidente” da Organização Mundial de Saúde (OMS), que teria sido colocado no cargo por um esforço do governo chinês.

Na verdade, o etíope Tedros Adhanom foi indicado pelo governo da Etiópia para concorrer ao cargo, que começou com seis candidatos na disputa. De acordo com o site de notícias Stat, especializado na cobertura de saúde, foram três rodadas de votação secreta entre os estados-membros da OMS até que Tedros fosse eleito.

Na última votação, que ocorreu na 70ª Assembleia Mundial de Saúde em 2017, o etíope derrotou David Nabarro, da Inglaterra, e Sania Nishtar, do Paquistão. Ele recebeu 133 votos dos 185 estados-membros. O Comprova não encontrou nenhuma referência online de apoio da China à eleição de Tedros.

Quem compartilhou o conteúdo?

O texto foi publicado primeiro às 15h37 do dia 1º de abril, no perfil “Jair Bolsonaro Presidente — Atibaia” do Facebook.

Depois, o Comprova identificou outras reproduções do conteúdo, em sites de notícias conservadores do Paraguai, em páginas do Twitter e em mensagens no WhatsApp.

Viralização

O post original na página do Facebook bolsonarista teve 44 curtidas e 38 compartilhamentos. Em seguida o perfil do Twitter @zfabrogmailcom reproduziu o conteúdo, que teve 353 curtidas e 173 compartilhamentos até as 17 horas de 3 de abril.

Outros perfis compartilharam o conteúdo, que também circulou pelo WhatsApp.

Outras verificações

Também desmentiram a corrente o site Boatos.org, AosFatos.org e o portal G1PAGE_BREAK: PageBreak

*Coalização de 24 veículos de comunicação, incluindo a EXAME, para verificar informações falsas que circulam pelas redes sociais sobre o novo coronavírus. Esta checagem foi realizada pela equipe da EXAME, do Jornal do Comércio e da Gazeta.

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