Tensão entre Índia e Paquistão na Caxemira: caças abatidos e piloto capturado marcaram o clima entre as potências nucleares nesta semana (Danish Siddiqui/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 2 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 11 de abril de 2019 às 12h34.
São Paulo - Enquanto o mundo observava com atenção os desdobramentos da crise na Venezuela ou aguardava com ansiedade pela conclusão do encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, duas potências nucleares chegaram muito perto de entrar em guerra: Índia e Paquistão. Juntos, os países tem um arsenal de armas nucleares maior que o da China.
A disputa entre esses dos países asiáticos não é uma novidade, mas chegou a um dos seus momentos mais tensos em décadas nesta semana depois de um ataque indiano na Caxemira, região do Himalaia que é historicamente disputada entre Índia (país majoritariamente hindu) e Paquistão (país majoritariamente muçulmano).
O incidente aconteceu em 14 de fevereiro e a Índia alega ter sido conduzido para alvejar a organização paquistanesa chamada Jaish e Mohammed (JeM). No episódio, ao menos 40 soldados indianos foram mortos em uma explosão suicida.
Desde então, as hostilidades só aumentaram: aviões militares indianos conduziram um bombardeio aéreo em um campo de treinamento desses militantes paquistaneses, o primeiro realizado em um território paquistanês não disputado desde 1971.
Como resposta, o Paquistão afirmou ter abatido dois caças indianos e capturado um piloto, Abhinandan Varthaman, ao passo que a Índia disse ter abatido uma aeronave paquistanesa. Na última sexta-feira, contudo, como “gesto de paz”, o governo do primeiro-ministro paquistanês Imran Khan libertou Varthaman.
Welcome Home Wing Commander Abhinandan!
The nation is proud of your exemplary courage.
Our armed forces are an inspiration for 130 crore Indians.
Vande Mataram!
— Narendra Modi (@narendramodi) March 1, 2019
Depois do fim do processo de libertação, os dois lados deixaram mensagens que sinalizam que nenhum deles está para brincadeira. “Nosso desejo de desescalada não deveria ser interpretado como fraqueza” disse Khan, que obteve como resposta do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que o país “responderá a qualquer provocação”.
Na visão de Fausto Godoy, professor de Relações Internacionais da ESPM, coordenador do Centro de Estudos Asiáticos da instituição, há um elemento “nefasto” como pano de fundo para essa tensão e que é a eleição na Índia, na qual Modi tentará ser reeleito.
“Modi é de direita e é um radical hindu”, notou Godoy, que foi embaixador do Brasil no Paquistão e atuou também na Índia e na China, “e acredito que ele pode se aproveitar desse conflito ‘hindu x muçulmano’ para ganhar mais força e usar a crise como propaganda para fazer a população se engajar nesse sentimento nacionalista”, avaliou.
De fato, Modi já vem se aproveitando do episódio recente para inflamar sua base eleitoral. “De 2004 a 2014, vários ataques terroristas aconteceram”, disse ele em um evento de campanha, “a nação esperava por uma punição, mas nada aconteceu. Agora, estamos em uma nova era na qual vocês poderão ler no noticiário: as forças armadas têm total liberdade para fazer o que bem entenderem”.
Apesar do tom duro de Modi, Godoy crê que nenhum dos dois países deseja uma escalada que possa vir a resultar em um conflito. No lado paquistanês, embora o tema seja de altíssima sensibilidade tanto quanto é para a Índia, há a consciência da diferença de força.
"Os militares paquistaneses são mais sóbrios que os indianos, entendem que são menos poderosos", observou Godoy, e isso mostraria a razão por trás da vontade do primeiro-ministro paquistanês de aplacar os ânimos.
"E temos, ainda, a deterrência nuclear", lembrou o embaixador. "Por isso, não creio que irão chegar às vias de fato. Como potências nucleares, não são loucos de irem mais adiante. Contudo, acredito que veremos muito mais ruídos nessa região ainda neste ano”, previu.