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Donald Trump será mesmo o candidato Republicano em 2020? Há dúvidas

Mesmo com Trump assegurado na presidência, Republicanos insatisfeitos podem visar disputar as primárias. E isso não seria inédito na história dos EUA

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: apesar das boas chances de o mandatário ser confirmado como candidato de seu partido, processo de nomeação pode ser disputado (Mark Wilson/Getty Images)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: apesar das boas chances de o mandatário ser confirmado como candidato de seu partido, processo de nomeação pode ser disputado (Mark Wilson/Getty Images)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 9 de dezembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 9 de dezembro de 2018 às 06h00.

Com a conclusão das eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, a pergunta onipresente em todas as conversas em Washington é quem afinal os Democratas devem nomear para tentar derrotar Donald Trump em 2020 e retomar a Casa Branca. Dentre os nomes em circulação estão, entre outros, o da senadora por Massachusetts Elizabeth Warren, o do ex-vice de Obama Joe Biden, o do senador e candidato derrotado por Hillary Clinton nas últimas primárias Democratas, Bernie Sanders, bem como dos novatos senadores Kamala Harris e Cory Brooker, além do candidato ao senado que quase derrotou um Republicano no Texas, Beto O’Rourke.

 

 

A previsão é que, assim como a primária Republicana de 2016, os Democratas devam ter uma longa lista de candidatos concorrendo pela nomeação do partido. A determinação do nome que irá enfrentar Trump é de fato uma das principais questões políticas para os próximos meses. No entanto, há uma outra pergunta importante que poucos estão se fazendo nesse momento: Donald Trump será de fato o candidato Republicano em 2020?

Não me refiro aqui à possibilidade, remota, mas que não deve ser completamente descartada, de o presidente sofrer um impeachment. Mesmo com Trump assegurado na presidência, Republicanos insatisfeitos podem eventualmente explorar a possibilidade de disputar as primárias.

Não seria a primeira vez na história que um presidente se vê seriamente desafiado em sua reeleição por integrantes do próprio partido. Em 1976, o então presidente Gerald Ford teve uma dura disputa com Ronald Reagan nas primárias Republicanas. Nas eleições seguintes, Ted Kennedy desafiou Jimmy Carter para a nomeação Democrata em 1980. Em 1992, foi a vez de George Bush pai ser confrontado por Pat Buchanan.

Em comum, esses presidentes compartilhavam pelo menos três características. Primeiro, todos tinham à época índices de aprovação em torno de 40%. Segundo, eventualmente todos acabaram por conseguir a nomeação pelos seus respectivos partidos. E terceiro, todos perderam suas reeleições. Portanto, ainda que Trump tenha que enfrentar um adversário nas primárias e consiga finalmente a nomeação, a história não é muito favorável a presidentes que demonstrem dificuldade em unir o próprio partido em torno da sua reeleição.

Uma das possíveis explicações para esse fenômeno é que esse tipo de disputa tende a dividir o partido internamente e deslegitimar o presidente perante parte expressiva da base eleitoral. Se considerarmos que Ford, Carter e Bush em algum momento de seus mandatos chegaram a atingir índices de aprovação acima dos 60%, a situação de Trump, que raramente chegou perto dos 50%, se complica ainda mais.

De fato, a possibilidade de Trump não contar com uma primária tranquila parece cada vez mais concreta. Já em 2017, com apenas 6 meses de governo, já havia especulações sobre a possibilidade de Ben Sasse, um jovem senador por Nebraska, desafiar o presidente em 2020.

 

 

O Republicano mais vocal nesse sentido atualmente tem sido o governador de Ohio, John Kasich, que foi pré-candidato em 2016 e representa a ala mais moderada do partido. Kasich tem frequentemente criticado o presidente em suas aparições públicas. Em entrevista recente para a rede de televisão ABC, ele foi explícito ao afirmar que está considerando “muito seriamente” concorrer contra Trump pela nomeação do partido.

Há especulações ainda sobre outros possíveis candidatos, como o senador pelo Arizona Jeff Flake, outro crítico frequente de Trump com fama de moderado. Flake ainda não se manifestou de forma tão clara como Kasich, mas já afirmou que espera surgir alguém para desafiar Trump pela nomeação do Partido Republicano.

Apesar de não confirmar se ele mesmo poderia ser esse nome, o senador já fez duas viagens a New Hampshire esse ano. O Estado é conhecido por ser parada obrigatória para qualquer futuro candidato, dado ser tradicionalmente o primeiro a realizar primárias, o que costuma dar uma importante vantagem em termos de cobertura midiática para quem vence lá.

Tanto Kasich como Flake já foram alvos dos famosos tuítes de Trump. Além de possíveis candidaturas individuais, grupos influentes no Partido Republicano estão se organizando para se contrapor ao presidente. William Kristol, um dos principais expoentes do neoconservadorismo nos Estados Unidos, tem trabalhado ativamente nesse sentido, angariando fundos, conduzindo pesquisas e se articulando com potenciais candidatos. A imprensa americana chegou a classificar os esforços de Kristol como a criação de uma verdadeira “máquina política de guerra”. Os neoconservadores têm sido o grupo mais diretamente crítico a Trump dentro do Partido Republicano desde que o então empresário e apresentador de TV lançou sua candidatura em 2015.

 

 

Evidentemente, muito vai depender do que vai acontecer ao longo dos próximos meses. Com o relatório da investigação sobre um possível conluio entre a campanha de Trump e os russos visando interferir nas eleições de 2016 podendo ser concluído a qualquer momento, o presidente americano já pode começar o ano que vem com más notícias.

Desde o começo da investigação, diversas pessoas próximas a Trump foram indiciadas, incluindo o ex-chefe da sua campanha, Paul Manafort. A depender das conclusões do relatório, é possível que a base política do presidente comece a ruir. Com uma Câmara dos Representantes de maioria Democrata a partir do ano que vem, Trump deve enfrentar mais pedidos de investigações sobre sua campanha, sobre membros da administração, ou mesmo seus negócios.

Dado que o impeachment é um processo não apenas jurídico, mas também político, é muito pouco provável que ele não conclua seu mandato, considerando que os Republicanos ampliaram sua maioria no Senado nas eleições do mês passado. Porém, se alguma investigação fornecer base jurídica para um pedido de impeachment, e isso levar a um questionamento dentro do partido sobre as possibilidades de reeleição do presidente, outros Republicanos podem se sentir mais encorajados para desafiá-lo nas primárias.

Nunca na era moderna aconteceu de um presidente eleito perder a nomeação para um adversário no partido. A história indica então que as chances de Trump conseguir a nomeação em 2020 são altas. É preciso lembrar, entretanto, que a história não foi boa conselheira em 2016.

*Carlos Gustavo Poggio é pesquisador visitante na Universidade de Georgetown, onde realiza pesquisa sobre a ascensão de Donald Trump. É professor dos cursos de graduação em relações internacionais na FAAP e na PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos

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