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Disputa secular ameaça plano de Modi de transformar a Índia

Embora até o momento o premiê indiano, Narendra Modi, tenha focado na economia, há um debate no país que envolvem mágoas de 500 anos


	O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi: a religião foi um tópico explosivo na Índia durante séculos e continua sendo
 (AFP)

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi: a religião foi um tópico explosivo na Índia durante séculos e continua sendo (AFP)

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Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2015 às 22h08.

Nova Deli - Sob um telhado de metal enferrujado, em uma das cidades mais antigas da Índia, Amrat Lal e vários outros artesãos entalham cuidadosamente milhares de placas de arenito. Quando finalmente as reunirem, elas podem reacender a violência religiosa.

Os pilares de pedra e as telhas do teto são os alicerces de um templo que marca o local de nascimento do deus hindu Ram.

O partido do primeiro-ministro Narendra Modi, que assumiu em maio, venceu uma disputa de décadas para construir o templo no mesmo local onde grupos hindus destruíram uma mesquita do século 16, em 1992.

“Nós precisamos reconstruir para Deus a casa tomada dele pelos muçulmanos”, disse Lal, acrescentando que cerca de 75 por cento das peças do templo Ram estão completas. “Essa é a nossa oportunidade de tomar de volta o que é nosso por direito”.

Assim como o Monte do Templo, em Jerusalém, o local em Ayodhya se transformou em ponto de divergência entre as divisões religiosas que definem a política na Índia desde sua fundação, em 1947.

Embora até o momento Modi tenha focado na reformulação da economia, há um debate próximo com os nacionalistas hindus que apoiaram sua ascensão ao poder e querem que ele retifique mágoas seculares.

“Enquanto Modi fala a respeito de seus grandes planos e grandes estratégias para a Índia, há outra estratégia se desenrolando em paralelo que visa a preencher a agenda hindutva”, disse Sumit Ganguly, professor de Ciência Política da Universidade de Indiana em Bloomington, dos EUA. “Com certeza haverá um conflito” entre as metas de Modi e as dos grupos hindus, disse ele.

Epicentro

A religião foi um tópico explosivo na Índia durante séculos e continua sendo. O censo de 2001 mostrou que 81 por cento dos indianos eram hindus e 13 por cento muçulmanos, mas os dados de 2011 sobre religião não foram divulgados devido ao medo da violência.

Os homicídios sectários mais do que quadruplicaram para 71 em 2013 em relação ao ano anterior, segundo o Ministério de Assuntos Internos.

O local sagrado de Ayodhya, que tem cerca de dois terços o tamanho do local do World Trade Center, em Manhattan, atualmente é guardado por milhares de soldados.

Em um dia comum, centenas de pessoas formam fila para rezar em um templo improvisado em uma área fechada. Para ter acesso ao local, essas pessoas precisam passar por sete postos de segurança rodeados por cercas de metal, câmeras de circuito fechado e torres de vigia.

“Este sempre será o epicentro do conflito religioso na Índia”, disse RPN Singh, ex-vice-ministro de Assuntos Internos. “Desde que os hindus estão tentando construir esse templo, os muçulmanos estão lutando por ele com unhas e dentes”.

‘Hindu Awakening’

As tensões poderão aumentar novamente no mês que vem, quando uma organização ligada ao partido de Modi iniciará o fórum nacional “Hindu Awakening” (“O despertar hindu”, em tradução livre) em Ayodhya. O Vishva Hindu Parishad, ou Conselho Mundial Hindu, defende uma agenda conhecida como “Hindutva”, que inclui a conquista de adeptos e a remoção de privilégios legais para minorias religiosas, além da construção do templo Ram.

As medidas insufladas por grupos hindus dão aos oponentes de Modi uma desculpa para atrasar suas propostas econômicas em uma sessão parlamentar iniciada nesta semana, entre elas a aprovação de um imposto nacional sobre as vendas e a facilitação da compra de terrenos.

No ano passado, parlamentares da oposição na Câmara Alta -- a casa parlamentar que Modi não controla, equivalente ao Senado -- adiou um projeto de lei que permitiria um maior investimento estrangeiro no setor de seguros para debater as conversões religiosas forçadas.

A derrota esmagadora na eleição local em Délhi, neste mês, levou Modi a romper o silêncio em relação às preocupações de que a Índia estava se afastando de suas raízes seculares.

Antes da derrota, seu partido, o Bharatiya Janata, ou BJP, havia conquistado vitórias em cinco eleições estaduais desde a votação nacional, em maio, quando se tornou o primeiro partido em 30 anos a vencer com maioria na Câmara Baixa da Índia (equivalente à Câmara dos Deputados).

Facções marginais

“Meu governo garantirá que haja total liberdade de fé e que todos tenham o inegável direito de manter ou adotar a religião de sua escolha sem coerção ou influência indevida”, disse Modi a líderes cristãos, em 17 de fevereiro. Igrejas de Nova Délhi haviam sido atacadas antes da eleição.

Os comentários de Modi sinalizaram o reconhecimento de que facções marginais de sua base de apoio ameaçam seus objetivos de permanecer no poder e de melhorar as vidas de aproximadamente 700 milhões de indianos que vivem com menos de US$ 2 por dia.

A imposição de novos obstáculos, nos próximos meses, aos projetos de lei econômicos no Parlamento colocaria em xeque a capacidade de Modi de implementar reformas concretas.

O Rashtriya Swayamsewak Sangh, um grupo nacionalista hindu no qual Modi iniciou sua carreira, alimentou potenciais atrasos parlamentares depois que seu chefe, Mohan Bhagwat, disse neste mês que a ganhadora do prêmio Nobel, Madre Teresa de Calcutá, tinha “segundas intenções” de converter os pobres da Índia.

Os comentários foram condenados na Câmara Alta pelo parlamentar de oposição Derek O’Brien, que os classificou de “insulto à nação”.

Apelo de Modi

Em um discurso de uma hora no Parlamento, na sexta-feira, Modi disse que está trabalhando para toda a população da Índia, um total de 1,2 bilhão de pessoas.

“Hindus e muçulmanos já brigaram o suficiente”, disse Modi aos parlamentares. “Agora, hindus e muçulmanos precisam se unir na luta contra a fome e a pobreza”.

Embora as ações e a moeda da Índia tenham estado entre aquelas de melhor desempenho no mundo nos últimos 12 meses por causa do otimismo de que a terceira maior economia da Ásia irá decolar, uma maior decepção poderia levar a fugas de capital, segundo Manik Narain, estrategista cambial do UBS Group AG em Londres.

“Se algo tão importante quanto o imposto sobre bens e serviços não pode ser aprovado, isso serve para mostrar as restrições políticas às quais o BJP está sendo submetido”, disse Narain, sobre o imposto proposto pela primeira vez em 2006.

“Não é preciso que haja muitos choques, nem que ocorram muitas coisas para jogar um pouco de água fria no entusiasmo”.

Segundo os nacionalistas hindus alinhados a Modi, todo o subcontinente praticava o hinduísmo antes que invasores muçulmanos começassem a converter as pessoas e construir mesquitas a partir do século 11.

Esses relatos dizem que a mesquita de Ayodhya, conhecida como Babri Masjid, foi construída nos anos 1500 sobre um templo hindu que marca o nascimento de Ram -- uma afirmação contestada pelos grupos muçulmanos.

Milhares de mortos

A posse legal da terra tem sido contestada na Justiça nos últimos 125 anos, resultando em decisões posteriormente contestadas, derrubadas, apeladas e totalmente ignoradas.

Em 1990, o líder do BJP, Lal Krishna Advani, iniciou uma jornada de um mês pelo país para conseguir apoio em prol do templo Ram. Dois anos depois, centenas de manifestantes hindus romperam barreiras policiais e destruíram Babri Masjid em um dia. Isso levou a tumultos que mataram pelo menos 2.000 pessoas.

Alguns hindus e muçulmanos estão tentando resolver a disputa pelo templo de forma amigável com um acordo para dividir o local com um muro de 30 metros de comprimento. O Conselho Mundial Hindu, contudo, se opõe a qualquer iniciativa de dividir o terreno.

“Se não podemos construir um templo onde nosso Deus nasceu, então em que outro lugar do mundo poderemos construir um templo?”, disse Lal, o artesão, polindo as bordas de sua última escultura em arenito. “Esse direito precisa ser protegido a qualquer preço”.

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