(Reprodução/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 16 de setembro de 2023 às 14h17.
Fazer da necessidade uma virtude pode se tornar um mantra quando uma superpotência militar quer apagar você do mapa. É o caso da Ucrânia, que está em guerra com a Rússia desde 2014, quando o Kremlin apoiou o separatismo na região de Donbass e anexou a península da Crimeia. A invasão em grande escala forçou o país ucraniano a desenvolver seu armamento mais rapidamente.
Apoiado pela iniciativa privada, este desenvolvimento ocorre para obter armas mais baratas, reduzir a dependência de seus aliados internacionais e, também, atacar o solo russo. Uma das mudanças mais significativas do conflito em 2023 é que, agora, a Ucrânia levou a guerra para a Rússia. Quase todos os dias, drones ucranianos atacam alvos militares e infraestruturas no país rival.
Até mesmo Moscou, a cerca de 500 quilômetros da fronteira ucraniana, recebe a visita de drones-bomba. Os aliados da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) definiram como linha vermelha que o armamento que fornecem não seja usado para atacar o território russo. Portanto, as Forças Armadas Ucranianas estão usando aeronaves projetadas por suas próprias empresas.
Tensão entre Ucrânia e Polônia sobre circulação de produtos preocupa UE
Ao menos dois drones recentemente incorporados ao exército ucraniano foram confirmados como parte do arsenal usado. São o drone UJ-22, da empresa Ukrjet, e o Bober, que não teve o produtor divulgado. O primeiro é um dispositivo de reconhecimento, com alcance de 800 quilômetros, e que foi convertido em um drone-bomba.
Já o segundo possui mil quilômetros de alcance, e seu preço se aproxima deR$ 518,7 mil. O Morok é outro dispositivo com o mesmo alcance, e embora esteja em uma fase menos desenvolvida que o Bober, já foi usado contra alvos na Crimeia. Outros drones não tripulados produzidos na Ucrânia, e que vieram a público em agosto, são os feitos de papelão.
Isso dificulta sua detecção por radar e reduz drasticamente o custo de produção. De acordo com fontes militares, o preço da unidade não ultrapassa os R$ 15,5 mil. Até então, a Ucrânia havia usado drones de papelão da empresa australiana Sypaq, mas os Serviços de Segurança Ucranianos (SSU) afirmaram que o ataque de 27 de agosto contra a base aérea russa de Kursk foi realizado com um novo modelo próprio.
Os drones de papelão não podem transportar cargas explosivas pesadas (nos modelos da Sypaq, são 5kg). No ataque em Kursk, a aeronave estava equipada com minas de fragmentação, que soltam pequenos projéteis em um raio amplo que, embora não destrua completamente o alvo (neste caso, bombardeiros), é capaz de causar danos.
Esses drones podem percorrer até 150 quilômetros de distância. O SSU afirmou que o ataque à base de Kursk foi realizado em conjunto com um grupo paramilitar russo opositor de Vladimir Putin. O chefe de inteligência do Ministério da Defesa, Kirilo Budanov, afirmou que os drones que em 30 de agosto atacaram a base aérea de Pskov, a 700 quilômetros da Ucrânia, foram lançados da Rússia.
A principal vantagem da indústria de armamentos ucraniana em relação à russa é a autonomia das empresas e unidades militares no front. O El País visitou um workshop secreto de desenvolvimento de drones na província de Kharkiv no início de setembro. O responsável pela unidade, que responde pelo nome de Gansk, destacou que o modelo industrial russo conta com um orçamento público maior.
No entanto, sendo muito hierárquico, as melhorias e inovações são mais lentas. Ele ilustrou isso ao apresentar exemplos de cooperação contínua com grupos privados que aprimoram a adaptação de explosivos a drones comerciais ou mesmo a protótipos desenvolvidos em sua oficina, como duas unidades feitas de poliestireno.
Mas a joia da coroa na oficina era um Vampire, um grande drone de seis hélices produzido por um grupo de empresas ucranianas e que entrou em serviço em massa no front em agosto (o governo anunciou que em agosto foram colocadas em serviço 270 unidades). O Vampire pode transportar 15 quilos de bombas que são lançadas sobre o alvo.
Outros drones estratégicos que estão sendo usados regularmente no campo de batalha são os Shark, dispositivos de reconhecimento de alta altitude da empresa Ukrspectsystems, e os pequenos drones com câmera frontal da empresa Air Unit, amplamente utilizados como drones-bomba contra posições inimigas no front. A Air Unit explicou em agosto que seu objetivo é aumentar a eficácia desses dispositivos para além de 20%.
De acordo com a empresa, os drones-bomba russos Lancet, uma arma de referência no arsenal do invasor, têm uma eficácia de 30%. Segundo a revista The Economist, entre 35% e 40% dos drones-bomba ucranianos acertam o alvo na Rússia.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, realizou uma reunião em 28 de agosto com seu gabinete e os principais fabricantes de armas nacionais para "maximizar" a produção. Zelensky mencionou a produção de munições, drones, veículos blindados e mísseis. No que diz respeito a veículos blindados e armamentos pesados, o sucesso da Ucrânia foi introduzir seu obuseiro Bohdana, com um alcance de mais de 40km.
No que se refere a mísseis, a notícia mais aguardada por Kiev foi anunciada pelo próprio presidente em 31 de agosto: o primeiro míssil de cruzeiro ucraniano foi testado com sucesso. Segundo Zelensky, o míssil atingiu o alvo a 700 quilômetros de distância. Isso representa um salto significativo no poder militar ucraniano, pois até agora o país não havia recebido armas de longo alcance de seus aliados internacionais - com exceção dos mísseis britânicos Storm Shadow.
Na madrugada da última quarta-feira, um ataque com 10 mísseis de cruzeiro foi realizado contra um estaleiro russo em Sebastopol, na Crimeia, danificando dois navios de guerra, segundo o Ministério da Defesa russo. Mikola Oleschuk, comandante das Forças Aéreas de Kiev, deu a entender que os mísseis de cruzeiro eram Storm Shadow.
Oleksii Danilov, secretário do Conselho Nacional de Segurança da Ucrânia, afirmou em 2 de setembro na Rádio Ucrânia que progressos rápidos estavam sendo feitos e que, em um futuro próximo, o alcance dos mísseis de cruzeiro nacionais seria de "1.500 quilômetros dentro do território russo". "Sebastopol está esperando, Kamchatka está esperando, Kronstadt está esperando", escreveu Danilov nas redes sociais.