Delegado do Brasil na COP25: países concordaram em limitar a 1,5ºC o aumento da temperatura neste século (Nacho Doce/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 15 de dezembro de 2019 às 09h43.
Madri - A cúpula climática COP-25 conseguiu fechar, neste domingo, um documento para aumentar a ambição em relação às metas de enfrentamento às mudanças climáticas em 2020 e cumprir o Acordo de Paris, pelo qual os países se comprometem a impedir que a temperatura média do planeta suba acima de 1,5°C neste século.
O texto, intitulado "Chile-Madri, hora de agir", foi fechado quase dois dias após o dia marcado para o encerramento da conferência e após as negociações da maratona que duraram toda a manhã. O conteúdo ainda está longe de responder firmemente à urgência do tema, conforme reivindicado pela ciência e pela sociedade civil.
Aprovado pela presidente da COP 25, a chilena Carolina Schmidt, o acordo foi alcançado depois de um debate intenso com o Brasil, que não aceitou dois parágrafos incluídos no acordo sobre oceanos e uso da terra, inicialmente.
O texto final prevê que os países terão que apresentar, em 2020, compromissos mais ambiciosos para reduzir as emissões para enfrentar as mudanças climáticas na próxima cúpula, que será realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2020. São as chamadas Contribuições Nacionais Determinadas. O acordo, porém, não emitiu nenhum sinal forte de que intensificará e acelerará a ação climática.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, considerou o resultado frustrante, ao conceder uma entrevista à Globonews: "É uma conferência que o tema era a ambição, os níveis atuais (de ação) não conseguiram entregar os objetivos do Acordo de Paris. Essa COP, que era a COP da ambição, deixou toda ação e toda ambição para o próximo ano."
O acordo também prevê que o conhecimento científico será "o eixo principal" a orientar as decisões climáticas dos países no que diz respeito ao aumento de suas ambições em relação ao clima. E isso deve ser constantemente atualizado, conforme os avanços da ciência.
Cerca de 200 países participam desta conferência da ONU, iniciada há duas semanas, em meio a pedidos urgentes da ciência e da sociedade civil para intensificar e acelerar as ações contra o aquecimento global.
Na taxa atual de emissões, a temperatura global aumentará 4°C ou 5°C no final do século, enquanto a segurança climática será alcançada apenas limitando o aumento a menos de 2°C e, idealmente, 1,5°C, como pede o Acordo de Paris. O mundo já ganhou 1°C em comparação com a era pré-industrial.
Em 2019, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram. O que deve ser feito, de acordo com a ONU, é reduzi-los em 7,6% ao ano, entre 2020 e 2030. Só assim seria possível limitar a temperatura a + 1,5 ° C.
"Parece que a COP-25 está desmoronando. A ciência é clara, mas a ciência é ignorada", tuitou durante a noite a jovem ativista climática Greta Thunberg, que inspirou milhões de jovens a exigir medidas radicais e imediatas para limitar o aquecimento global.
"Aconteça o que acontecer, não vamos desistir. Estamos apenas começando", acrescentou a adolescente sueca, estrela desta conferência climática da ONU.
No sábado, ativistas ambientais jogaram esterco de cavalo e fizeram simulações como uma cena de enforcamento do lado de fora do local onde era realizada a cúpula climática da ONU em Madri, expressando sua frustração com o fracasso dos líderes mundiais em tomar medidas significativas contra o aquecimento global.
Lideradas pelo grupo Extinction Rebellion, as ações foram programadas para coincidir com o encerramento da cúpula COP25. "Assim como reorganizar as espreguiçadeiras no Titanic, essa brincadeira da COP de contabilidade de carbono e negociação do Artigo 6 não é proporcional à emergência planetária que enfrentamos", disse o Extinction Rebellion em comunicado.
Doze membros do grupo também subiram em blocos de gelo derretendo, com laços apertados em volta do pescoço para simbolizar os 12 meses restantes até a próxima cúpula, quando o acordo de Paris entra em uma fase de implementação.
As principais economias resistiram a apelos por compromissos climáticos mais ousados na cúpula do clima da ONU em Madri, que caminhava em direção a uma conclusão tardia no sábado, diminuindo as esperanças de que os países possam agir a tempo de interromper o aumento das temperaturas que está devastando populações e meio ambiente.
Com o encontro de duas semanas se estendendo para o fim de semana, ativistas e muitos delegados criticaram o Chile, que preside as negociações, por elaborar um esboço do texto de cúpula que, segundo eles, arrisca reverter o Acordo de Paris de 2015 para combater o aquecimento global.
"Em um momento em que os cientistas se alinham para alertar sobre consequências terríveis se as emissões continuarem aumentando e as crianças em idade escolar estão tomando às ruas aos milhões, o que temos aqui em Madri é uma traição a pessoas em todo o mundo", disse Mohamed Adow, diretor do Power Shift Africa, uma entidade de clima e energia em Nairóbi.
A maratona anual climática deveria ter terminado na sexta-feira, mas se arrastou, com ministros envolvidos em várias disputas sobre a implementação do Acordo de Paris, que até agora não conseguiu deter a marcha ascendente das emissões globais de carbono.
Participantes de longa data das negociações expressaram indignação com a falta de vontade dos principais poluidores em mostrar ambição proporcional à gravidade da crise climática, após um ano de incêndios, ciclones, secas e inundações.
Todos os Estados deverão apresentar até a COP26 de Glasgow uma versão revisada de seus compromissos. Nesta fase, cerca de 80 países se comprometeram a apresentar um aumento de suas ambições, mas eles representam apenas cerca de 10% das emissões globais.
E quase nenhum dos maiores emissores, China, Índia ou Estados Unidos, parece querer se juntar a este grupo.
Somente a União Europeia "endossou" esta semana em Bruxelas o objetivo de neutralidade de carbono até 2050. Mas sem a Polônia, muito dependente do carvão. E os europeus ainda vão levar meses para decidir sobre um aumento de seus compromissos para 2030.
"A presidência chilena tem uma tarefa: proteger a integridade do Acordo de Paris e não deixá-lo destruído pelo cinismo e pela ganância", denunciou a chefe do Greenpeace, Jennifer Morgan.
"Um punhado de países barulhentos sequestrou o processo e fez o resto do planeta refém", disse Jamie Henn, da ONG 350.org.
Na mira dos defensores climáticos, além dos Estados Unidos que deixará o Acordo de Paris em novembro de 2020, China e Índia, que insistem, antes de evocar seus próprios compromissos revisados, na responsabilidade dos países desenvolvidos a fazer mais e manter sua promessa de ajuda financeira aos países em desenvolvimento.
Mas também a Austrália e o Brasil, ambos acusados de querer introduzir nas discussões disposições sobre o mercado de carbono que, segundo especialistas, minam o próprio objetivo do Acordo de Paris.