Floresta Amazônica (Leo Correa/Glow Media/AP)
Bloomberg
Publicado em 7 de março de 2022 às 21h33.
Por Mariana Durao e Tatiana Freitas, da Bloomberg
As consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia podem chegar até as florestas tropicais da Amazônia, à medida em que o Brasil vê as interrupções globais dos suprimentos de fertilizante como outro motivo para produzir mais desses produtos por conta própria.
O suprimento doméstico insuficiente de nutrientes agrícolas tem sido uma pedra no sapato do Brasil há décadas, já que a superpotência agrícola importa cerca de 80% de suas necessidades. A guerra na Ucrânia tem levado agricultores brasileiros lutarem para comprar fertilizantes, o que amplia um debate sobre a exploração das reservas de potássio na Amazônia, inclusive em terras indígenas.
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O presidente Jair Bolsonaro manifestou esta semana apoio ao aumento da produção doméstica de nutrientes à base de potássio como parte de seu esforço para ampliar o desenvolvimento do bioma. Grupos setoriais reforçaram o coro à medida que a turbulência global expõe a fragilidade das cadeias de suprimentos. O debate coloca a necessidade de alimentar o mundo em contraste com a proteção do lugar mais biodiverso do planeta.
“Com a guerra Rússia/Ucrânia, hoje corremos o risco da falta de potássio ou aumento do seu preço”, disse o presidente Jair Bolsonaro em sua conta no Twitter. “Nossa segurança alimentar e o agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância.”
Bolsonaro pediu aos parlamentares que aprovem um projeto de lei controverso que permitiria a mineração em territórios indígenas. Seus comentários foram criticados por grupos indígenas, que dizem que a proposta do governo ameaça a saúde e os direitos das comunidades. Um recente decreto do governo para apoiar a mineração artesanal foi criticado por ambientalistas por incentivar atividades ilegais que colocam em risco as florestas tropicais.
O potencial de produção de potássio na Bacia Amazônica é semelhante ao da região dos Urais, na Rússia, e Saskatchewan, no Canadá, de acordo com um levantamento geológico do Serviço Geológico do Brasil - CPRM, uma empresa pública.
Depósitos pertencentes à Petrobras e Potássio do Brasil, empresa controlada pela canadense Forbes & Manhattan, somam 3,2 bilhões de toneladas de recursos. Outras áreas analisadas podem dobrar esse volume.
“Não podemos abandonar a exploração de potássio na Amazônia”, disse o diretor da CPRM, Marcio Remedio. “É estratégico em termos de crescimento econômico, inflação (controle) e segurança alimentar.”
O projeto da Potássio do Brasil e duas outras iniciativas de fosfato se qualificaram para um programa governamental criado para acelerar projetos estratégicos de mineração. Agora, as mineradoras representadas pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) querem que o governo crie um grupo de trabalho envolvendo a Potássio do Brasil para acelerar seu projeto de potássio em Autazes, no Amazonas, já que as tensões do Mar Negro aumentam o risco de escassez de fertilizantes.
Os agricultores também estão de acordo.
“Esses tempos estão nos fazendo discutir a necessidade de extrair potássio no Brasil. Temos grandes reservas, mas infelizmente elas estão em terras indígenas”, disse Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja, associação que representa os produtos de soja. “Não podemos depender de outras nações para suprimentos de fertilizantes.”
Para o Greenpeace, a tentativa do governo de acelerar a votação do projeto de mineração da Amazônia mostra seu desrespeito aos direitos indígenas e incapacidade de lidar com a situação.
“O atual governo mente ao sugerir que a aprovação do projeto de lei seria capaz de resolver uma eventual crise de fornecimento de fertilizantes, omitindo que soluções para esse tipo de problema requerem planejamento de médio e longo prazo”, disse Danicley de Aguiar, porta-voz do Greenpeace Brasil.
A mineradora canadense deu os primeiros passos no projeto em 2008. Obteve uma licença prévia que foi posteriormente suspensa por um acordo na Justiça Federal que exigia uma consulta prévia ao povo indígena Mura, disse à Bloomberg. O projeto de US$ 2,3 bilhões deve ficar pronto em cinco anos a partir da obtenção da licença de instalação, com produção anual de cloreto de potássio prevista de 2,4 milhões de toneladas.
Mesmo que o país dê sinal verde para a mineração em terras indígenas, a abertura de uma mina de potássio na Amazônia traz desafios como o fornecimento de energia e a tecnologia para perfurar até um quilômetro de profundidade.
“Um processo de licenciamento desse porte leva pelo menos três a cinco anos, então não vai resolver a crise”, disse Suzi Huff, geóloga e professora da Universidade de Brasília.
Apesar dos entraves, o Brasil está processando 535 pedidos de direitos de exploração de potássio, embora nem todos estejam na Amazônia. Isso representa um aumento de 49% em relação ao final de 2020.