Bandeira da Rússia na Crimeia: quase já não há rastro da bandeira nacional, substituída pela tricolor russa, enquanto moradores esperam na fila para solicitar passaporte da "Mãe Rússia" (David Mdzinarishvili/AFP)
Da Redação
Publicado em 3 de março de 2014 às 17h15.
Simferopol - A Crimeia ainda continua sendo, para todos os efeitos, território ucraniano, mas quase já não há rastro da bandeira nacional, que foi substituída pela tricolor russa, enquanto seus moradores esperam na fila para solicitar o passaporte da "Mãe Rússia".
"Leva seis meses, mas a Duma (Câmara de Deputados russa) prometeu que simplificará os trâmites. Os requisitos são ter cursado estudos em uma universidade russa ou que algum de seus pais tenha nascido na Rússia", afirmou nesta segunda-feira à Agência Efe Valia, uma mulher de 30 anos.
Os que esperam na fila em frente ao consulado russo em Simferopol, capital da república autônoma ucraniana, não são refugiados que fogem de uma possível guerra contra Kiev, mas russos étnicos que simplesmente desejam ser cidadãos do país vizinho.
Nesta tarde seguiam chegando pessoas interessadas em conhecer os requisitos para formalizar a correspondente solicitação, enquanto outros perguntam meio em tom de piada, meio a sério: "Onde presenteiam passaportes russos?".
Kiev está cada vez mais longe da Crimeia, com a exceção do edifício da assembleia parlamentar da minoria tártara, que mantém contra tudo e contra todos sua lealdade às autoridades ucranianas, o que lhe valeu a iras das autoridades pró-russas locais.
"Os tártaros estão escondidos como ratos em suas tocas", disse um cossaco que usava gorro de pele, o tradicional bigode e cara de poucos amigos.
Precisamente, o líder dos tártaros, Refat Chubarov, denunciou hoje que várias centenas de cossacos da região russa de Krasnodar já cruzaram a fronteira e se encontram em território da Crimeia, onde se propõem a patrulhar as ruas.
Outros 1.500 veteranos da Guerra do Afeganistão procedentes da Rússia chegaram hoje à península banhada pelo Mar Negro, supostamente para "prestar apoio moral" às milícias populares locais.
Ao mesmo tempo, homens de todas as idades foram hoje à praça de Lênin da capital da Crimea para alistar-se nas patrulhas de autodefesa.
"Devemos garantir a ordem nas ruas. A polícia não é suficiente. Há muitos provocadores que são enviados por Kiev para causar desordens", declarou à Efe Vladimir, ativista do partido Unidade Russa, cujo líder é o primeiro-ministro da Crimeia.
Após mostrar um documento de identidade, estampar sua assinatura e escrever um telefone de contato, os voluntários, todos de origem russa, entram para engrossar as fileiras das milícias populares, cada vez mais variadas.
"Kiev tirou o pino da granada, quando disse que deteria àqueles que falassem russo. Agora já não há marcha à ré", declarou o ativista, sentado junto a uma imponente estátua de Lênin.
Em sua opinião, "o povo da Crimeia não busca a independência, mas recuperar a autonomia da qual foi privado em 1992, justo depois que a Ucrânia conquistou sua independência da União Soviética".
"Queremos recuperar a figura do presidente da república da Crimeia. Seguiríamos sendo parte da Ucrânia, mas teríamos mais liberdade para tomar decisões", destacou.
A poucos metros se encontram os militares encapuzados e equipados com fuzis Kalashnikov que isolam o edifício do governo e que Kiev considera comandos especiais enviados por Moscou.
"São soldados russos, mas não têm distintivos da Federação Russa. São nossos amigos, são amigos da Crimeia", comentou o sorridente Vladimir.
Seja como for, o ativista se mostra convencido que não explodirá uma guerra entre Crimeia e o exército de Kiev.
"Não haverá guerra. Afinal de contas, somos irmãos. Os ucranianos vêm descansar na Crimeia. Vivemos juntos há 20 anos", lembrou.
Perto dali, o artista Oleg sustentava junto com sua esposa e filha um cartaz a favor do referendo convocado pelas autoridades da Crimeia para o dia 30 de março.
"Queremos a autodeterminação, mas não estamos a favor do separatismo. Queremos ser autossuficientes, mas junto da Ucrânia, sempre que o governo mude de política", disse.
Ao mesmo tempo, reconheceu que não será fácil seguir sendo parte de um país, cujas autoridades querem ingressar na União Europeia e dar as costas à Rússia.
"Não queremos ser parte da União Europeia. O poder ilegítimo de Kiev quer impor sua política a todo o país, embora na Crimeia e no leste sejamos contra ingressar na Europa", ressaltou.
Oleg alegou que "a maioria dos crimeios sonha em fazer parte da Federação Russa", mas acrescentou que, "neste momento, por motivos geopolíticos, não é possível, motivo pelo qual é ser realista e conformar-se com uma autonomia".
"Seguramente haverá ações militares, já que os radicais não pensam em ceder. Será preciso brigar contra o regime que chegou ao poder em Kiev. Compreendemos as graves consequências de uma guerra e queremos evitá-la, mas vai ser difícil manter a paz", concluiu.