Cultura Wayúu: a maioria das cerca de 70 crianças wayúu para as quais se dá aula foram criadas na Venezuela após massacre na região (HumbRios / Wikicommons)
Da Redação
Publicado em 17 de dezembro de 2015 às 10h02.
Alta Guajira - As comunidades wayúu do deserto de La Guajira finalizam os detalhes para inaugurar uma escola que contará com uma sala virtual e outra de memória histórica, onde quase uma centena de crianças recuperarão uma identidade que perderam por culpa do conflito armado na Colômbia.
O Centro de Cultura e Pensamento Wayúu Akuaipa procura "transmitir para as crianças sua própria cultura", que desconhecem porque nasceram longe da terra ancestral que representa para seus pais a Bahia Portete, explicou o diretor da fundação World Coach Colombia, Manuel Guillermo Pinzón, em declarações à Agência Efe.
Esta iniciativa, liderada pela própria comunidade e pela World Coach, conta também com o apoio do banco espanhol BBVA, da Organização Internacional de Migrações (OIM) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).
A maioria das cerca de 70 crianças wayúu para as quais se dá aula foram criadas na Venezuela porque suas famílias se viram obrigadas a fugir de seus lares, depois que as paramilitares Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) cometeram em abril de 2004 outro massacre, desta vez em Bahia Portete.
Os habitantes desta região remota sofreram a violência sem sentido do bloco norte das AUC, que arrasou, como fez em El Salado, também no norte da Colômbia, tudo o que encontrou na passagem: casas, hospital e escola, entre outras instalações.
"O objetivo era assumir o controle do porto de grande envergadura, de jurisdição wayúu, para dominar o território e assim poder exportar a droga produzida em Sierra Nevada e, por sua vez, importar armas", disse Pinzón.
Durante os três dias que durou a tomada, várias mulheres foram torturadas e assassinadas, enquanto os demais conseguiram fugir para os cinturões urbanos de Maracaibo (Venezuela), onde começaram uma nova vida e formaram famílias, cujo expatriamento se prolongou até pouco mais de um ano.
Atualmente mais de uma centena delas retornou, as quais lutam por levantar de novo um território no qual ainda são visíveis as feridas em forma de buracos de bala que aparecem nas paredes do pouco que restou de pé.
"Quando retornamos não havia nada, as casas estavam destruídas. Destruíram tudo", lembrou à Efe uma dos líderes wayúu e defensora de direitos humanos Debora Barros.
Ao que ali encontraram os wayúu tem que se somar o vazio de identidade das crianças que nasceram no país vizinho e passaram em questão de dias de ter luz e água a viver nas dunas do deserto, uma mudança drástica demais.
Nataly Dominga, uma das professoras da escola, relatou à Efe que quando teve que se exilar não tinha filhos, mas retornou a Portete com três crianças que ainda não entenderam a repentina mudança.
"Meus filhos me perguntaram, 'Mamãe o que fazemos aqui?' Eu lhes respondi que na realidade a Venezuela não era nossa casa e que retornamos para recuperar nosso território e para que eles saibam de onde são, de onde é sua família", acrescentou.
Segundo Pinzón, a "angústia coletiva dos pais de ver como seus filhos estavam se perdendo", de ver inclusive que não tinham herdado nem sequer a língua materna indígena, o wayuunaiki, fez com que rapidamente se mobilizassem para formar uma escola.
"Falei com as mulheres que considerava mais capacitadas e lhes disse, 'por que não fazemos e montamos uma escolinha?' Foi difícil porque até os próprios pais não confiavam nelas", revelou Barros em referência às quatro professoras que se encarregam de formar as crianças.
Começaram com aulas informais debaixo das precárias ramagens de yotojoro, a madeira que se extrai do cacto ao se secar, e um ano depois vão estrear as placas solares que lhes permitirão iniciar a sala de aula virtual e a sala de memória histórica.
"Aí é onde ficará concentrada nossa resistência, o que sofremos, e é importante que isso se mantenha na história para que nossas novas gerações conheçam e avaliem o esforço e a luta que está sendo feita na comunidade", declarou Barros.
No centro Akuaipa, além de ler e escrever em espanhol e wayuunaiki, os menores de entre seis e 16 anos aprenderão a tecer, pescar e dançar yonna (dança tradicional), assim como a elaborar produtos de artesanato como redes, onde dormem sob o céu estrelado do deserto.