Catalunha: funcionários e dirigentes eleitos poderiam ser suspensos e substituídos (Albert Gea/Reuters)
AFP
Publicado em 10 de outubro de 2017 às 17h01.
A hipótese de uma declaração unilateral de independência na Catalunha levou o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, a evocar a aplicação do Artigo 155 da Constituição, que lhe permite "tomar o controle" da região, um cenário inédito.
A Espanha é um país muito descentralizado e a Constituição adotada em 1978 confere a suas 17 comunidades autônomas amplos poderes em matéria de saúde e educação, por exemplo.
Mas inclui uma disposição que permite ao poder central intervir diretamente nos assuntos de uma região em caso de crise.
No caso da crise catalã, a mais grave desde o retorno da democracia na Espanha, o Tribunal Constitucional sentenciou que o referendo de autodeterminação realizado pelo Executivo catalão em 1º de outubro foi inconstitucional.
Os separatistas dizem tê-lo vencido com 90,18% dos votos e planejam uma declaração unilateral de independência.
Para bloqueá-la, o governo central poderia recorrer ao Artigo 155 da Constituição.
Jamais utilizado, permite tomar "as medidas necessárias para obrigar" uma comunidade autônoma "ao cumprimento forçado" de suas obrigações.
O artigo não especifica quais são essas "medidas necessárias", por isso há incerteza em torno de sua eventual aplicação.
Permitiria "tomar o controle dos órgãos políticos e administrativos da comunidade autônoma rebelde", considerou em declarações à AFP Teresa Freixes, da Universidade Autônoma de Barcelona.
Implicaria na suspensão temporária da autonomia da região, segundo José Carlos Cano Montejano, da Universidade Complutense de Madri.
Funcionários e dirigentes eleitos poderiam ser suspensos e substituídos.
O presidente separatista da Catalunha, Carles Puigdemont, poderia então ser substituído pelo delegado do governo espanhol na Catalunha, principal representante do Estado na região.
Ao mesmo tempo, o governo central poderia assumir as competências conferidas a Barcelona, "como a ordem pública e os serviços públicos".
Para Javier Pérez Royo, da Universidade de Sevilha, as medidas poderiam ir "da suspensão do governo (regional) a colocar os Mossos d'Esquadra (polícia catalã) sob as ordens do Ministério do Interior", e inclusive "fechar o Parlamento".
Também, eventualmente, poderiam ser convocadas eleições regionais, segundo Cano Montejano.
Mas setores da população catalã poderiam resistir a esta tomada de controle, agravando as tensões.
O chefe de governo espanhol não pode ativar unilateralmente o Artigo 155.
Deve ordenar primeiro ao presidente da região envolvida voltar à ordem constitucional e dar um prazo para fazê-lo.
Se isso não acontecer, Rajoy iria ao Senado, onde sua formação, o Partido Popular (PP, conservador), é majoritária, para informar das "medidas extraordinárias" que pensa em tomar.
Os advogados acreditam que, neste caso, primeiro deve-se reunir uma comissão do Senado e depois todos os senadores em sessão plenária. Se uma maioria absoluta aprovar o plano, Rajoy teria o caminho livre para aplicá-lo.
Mas o processo poderia levar tempo. "Alguns dizem que tudo pode ser feito em uma semana", declarouum senador à AFP, "oito ou dez dias", segundo Pérez Royo.
Além do Artigo 155, o governo conta com outras ferramentas a sua disposição. Poderia decretar o "estado de alarme", o "estado de exceção", ou o "estado de sítio".
A declaração de algum desses estados pode afetar principalmente a "liberdade de circulação, ou a liberdade de reunião" dos espanhóis, explicou Cano Montejano.
Por último, a lei de "segurança nacional" promulgada em 2015 permite ao governo decretar que o país está em uma "situação de interesse para a segurança nacional".
Segundo Mariano Rajoy, este procedimento é uma "figura intermediária" para situações entre "crises ordinárias" e "estados de alarme, exceção e sítio". Permite legislar por decreto e, por exemplo, controlar diretamente a polícia catalã.
Qualquer uma dessas medidas pode inflamar as paixões na Catalunha.