TRUMP JR.: sua viagem ao país foi promovida com anúncios no jornal que diziam: "Trump chegou. E você?" (foto/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2018 às 18h54.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2018 às 18h54.
Gurgaon, Índia – Quando o jato dos Trump aterrissou semana passada na Índia, o membro da família a fazer um tour pela maior democracia do mundo, com direito a destacamento do serviço secreto, não foi o presidente em uma missão diplomática, mas sim seu filho mais velho, Donald Trump Jr., em uma viagem de negócios.
Os indianos podem ser perdoados por não fazer muita distinção.
A visita do Trump mais jovem, com a intenção de ajudar a vender mais de 1 bilhão de dólares em unidades residenciais de luxo sendo construídas por sua família e seus parceiros locais, foi promovida com anúncios no jornal que diziam: “Trump chegou. E você?”.
Seu itinerário de uma semana, que incluiu coquetéis, jantares e eventos com corretores de imóveis, empresários e possíveis compradores, acontece em um momento em que o presidente Donald Trump trabalha para fortalecer os laços entre os dois países.
O presidente, que goza de grande popularidade na Índia, foi cumprimentado pelo primeiro-ministro Narendra Modi com um abraço apertado em Washington, em junho, e os dois líderes frequentemente falam sobre uma maior cooperação militar e o incremento do comércio. Trump também assumiu uma linha dura com o Paquistão e a China, dois dos rivais da Índia. Recentemente, ligou para Modi, comprometendo-se a “reforçar a segurança e a cooperação econômica” entre a Índia e os Estados Unidos.
A substituição do pai pelo filho nessa viagem cria um espetáculo com poucos paralelos em diplomacia e negócios.
O jovem Trump chegou em um Boeing 757 apelidado de Trump Force One, porque o presidente cruzou os Estados Unidos nele durante a campanha.
A família Trump ganhou cerca de 3 milhões de dólares em royalties em 2016 em negócios na Índia, de acordo com o relatório de divulgação de informações financeiras do presidente. E Ivanka Trump fez sua própria viagem para lá em novembro, na qualidade de membro da administração, bem na época em que começariam as vendas de alguns projetos residenciais.
“A ideia de que o filho do presidente chega para fazer negócios ao mesmo tempo em que seu pai está gerenciando relações estratégicas internacionais com a Índia é bizarra”, disse Daniel S. Markey, que ajudou a coordenar as políticas para o sul da Ásia no Departamento de Estado durante a administração de George W. Bush.
Não há regras federais formais que proíbam Trump Jr. de perseguir seus interesses comerciais; ele é um cidadão privado. E, mesmo que seu pai ainda seja um beneficiário efetivo dos negócios da família, não está sujeito, como presidente, às leis de conflito de interesses. A Casa Branca, ao ser perguntada se a viagem de Trump Jr. daria a impressão de ser um conflito de interesses, se recusou a comentar sobre o assunto.
A Índia é o maior mercado internacional da Organização Trump, com quatro projetos imobiliários em andamento. O maior fica em Gurgaon, uma cidade de rápido crescimento próxima de Nova Délhi, com inúmeras empresas da Fortune 500 e um horizonte tomado por arranha-céus. O empreendimento de Trump conta com duas torres com um total de 254 unidades “ultraluxuosas”, segundo a empresa, cada uma custando 1,5 milhão de dólares.
Os prédios de apartamento de luxo próximos ao empreendimento de Trump em Gurgaon têm nomes como Palm Springs e Central Park, mesmo que deem vista para ruas esburacadas. Os Trump e seus parceiros estão oferecendo aos compradores a oportunidade de se tornar “membros da família”, com a promessa de amenidades exclusivas, tais como uma piscina com borda infinita, sala de bilhar e serviços de valets. O material de marketing, no entanto, não menciona o presidente – seu nome e imagem, bem como a de sua filha Ivanka, que participa da administração, foram retirados de folhetos, sites e cartazes.
Mesmo assim, a confusão entre os indianos é evidente.
“Eu não fazia ideia que Trump construía propriedade ao redor do mundo, antes do lançamento deste projeto. Achei que ele fosse só presidente”, disse Hitesh Khanna, que ajuda a vender apartamentos da Trump Tower em Gurgaon através de uma imobiliária local.
O chefe de Khanna, Rajiv Bansal, previu que a conexão presidencial gerasse buchicho suficiente para atrair compradores. Khanna estava trabalhando em uma barraca na rua perto do local da construção, com um tapete de feltro verde-esmeralda esfarrapado na entrada.
“Todo mundo na Índia sabe quem é o presidente dos EUA. É um símbolo de status. É uma grande marca, e o nome do presidente americano está lá”, disse Bansal.
Trump Jr., em uma entrevista recente em Nova York, disse que tinha passado quase uma década “cultivando relacionamentos na Índia, e a empresa estava agora vendo a resposta desse esforço”. Nessa altura, as propagandas de jornais indianos exibiam grandes fotos suas, de braços cruzados e olhando para a câmera.
Ele garantiu que seu itinerário não inclui contatos com autoridades do governo, em uma tentativa intencional de ficar longe da política.
“Certamente não nos envolveremos nisso, de jeito nenhum”, respondeu quando perguntado se a empresa buscaria concessões ou incentivos de autoridades indianas para os empreendimentos.
Porém, em sua agenda constava a presença na Cúpula de Negócios Globais em Nova Délhi, patrocinada por um famoso jornal indiano e um banco, que dizem que o evento “exibirá a ascensão da Índia no mundo dos negócios”. Um discurso de Trump Jr. estava programado, juntamente com Modi.
Outras paradas na viagem de 4.830 km incluíam Kolkata, onde a construção de um projeto com 137 unidades de luxo está prestes a começar; Mumbai, onde um prédio de 78 andares com a marca Trump, contendo 400 unidades residenciais, está para ser concluído no ano que vem; Pune, cidade próxima de Mumbai, onde foi construído um quarto projeto da marca da família.
De acordo com parceiros de negócios na Índia, muitas unidades estão sendo vendidas por preços acima do valor de mercado. A visita do jovem Trump visa reforçar essa tendência, disseram, mesmo que muitos outros prédios de apartamentos de luxo tenham centenas de unidades vazias. Além do excesso de oferta, uma recente repressão do governo indiano sobre a economia ilegal e a lavagem de dinheiro prejudicou as vendas de projetos concorrentes, mas o nome Trump permanece sendo um atrativo.
“A marca é uma geradora de liderança. É o que está fazendo as pessoas prestarem atenção e examinar tudo cuidadosamente”, disse Kalpesh Mehta, que dirige a incorporadora sediada em Mumbai, a Tribeca, que serve como principal representante da marca Trump na Índia.
Sob as regras da ética voluntária que regulam as atividades da organização durante a presidência de Trump, os projetos internacionais existentes antes das eleições de 2016, que incluem todas as propriedades sendo comercializadas agora na Índia, podem prosseguir como o planejado. O presidente entregou as operações diárias da empresa a seus filhos, Donald Jr. e Eric, mas continua a ser o proprietário.
Porém, alguns advogados de ética dizem que a simples presença da Organização Trump na Índia é problemática.
“A questão não é apenas se Trump Jr. está fazendo telefonemas pedindo favores. Por causa desse envolvimento, criam-se incentivos e oportunidades para integrantes do governo indiano que podem tentar usar as relações de negócios para impactar a política americana”, disse Zephyr Teachout, professora de Direito da Universidade Fordham que faz parte de um processo judicial que alega que os laços do presidente com os negócios violam a cláusula de emolumentos da Constituição.
Os interesses financeiros da família Trump na Índia também poderiam por em cheque a objetividade do presidente no relacionamento com o país, segundo Teachout.
“Parece ruim, cheira mal e gera uma incerteza na fé do público americano em relação às opções diplomáticas da administração Trump com a Índia”, disse ela.
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