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Como equipes de Biden e Trump trabalharam juntas para fechar acordo de cessar-fogo em Gaza

Medida foi um exemplo vívido de cooperação entre representantes de rivais políticos ferrenhos; ambos os líderes reivindicaram o crédito pelo avanço nas negociações

Agência o Globo
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Publicado em 17 de janeiro de 2025 às 06h16.

Quando o enviado do Oriente Médio do presidente eleito Donald Trump, Steve Witkoff, se reuniu no sábado com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para pressioná-lo por um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, havia alguém na ligação por viva-voz: Brett McGurk, negociador de longa data do atual mandatário dos Estados Unidos, Joe Biden, que estava em Doha, no Catar, liderando a rodada final de negociações para o tratado.

A medida foi um exemplo de cooperação entre dois homens que representam rivais políticos ferrenhos. Raramente — se é que alguma vez — equipes de um presidente em exercício e outro recém-eleito de partidos diferentes trabalharam juntas num momento de tamanha importância, com vidas americanas e o futuro de uma guerra em jogo. Após o anúncio de que o acordo havia sido alcançado, tanto Trump quanto Biden reivindicaram publicamente o crédito pelo avanço nas negociações.

“Este acordo de cessar-fogo épico só poderia ter acontecido como resultado de nossa vitória histórica em novembro, pois sinalizou para o mundo inteiro que minha administração buscaria a paz e negociaria acordos para garantir a segurança de todos os americanos e nossos aliados”, escreveu Trump em sua rede social antes mesmo de o acordo ser formalmente anunciado no Oriente Médio.

Na Casa Branca, Biden disse a repórteres que sua administração trabalhou incansavelmente durante meses para convencer os dois lados a interromperem os combates. O democrata classificou o trabalho como “uma das negociações mais difíceis” que já vivenciou, dando os créditos a “uma equipe extraordinária de diplomatas americanos que trabalharam sem parar”. Ao sair da sala, porém, uma repórter perguntou a ele quem deveria receber o crédito pela conquista: ele ou Trump.

"Isso é uma piada?", respondeu Biden.

Vitória compartilhada

Apesar da tensão entre o atual presidente e o próximo, seus representantes no Oriente Médio disseram ter tido um relacionamento profissional cooperativo nas semanas após a vitória de Trump nas eleições presidenciais. Na semana passada, Witkoff disse que Brett estava “na liderança” — uma descrição que foi considerada precisa por ambos os lados, mesmo que não coincidisse com o que Trump havia dito momentos antes em uma das várias declarações que fez descrevendo seus negociadores como membros essenciais para o acordo.

A ameaça de Trump de que haveria “consequências severas” se nenhum acordo fosse alcançado na sua posse, marcada para a próxima segunda-feira, pode ter ajudado a motivar a liderança do grupo terrorista Hamas a tomar suas decisões finais. No entanto, pessoas familiarizadas com as negociações disseram que o anúncio de quarta-feira, que divulgou que um acordo para encerrar temporariamente as hostilidades em Gaza foi alcançado, foi resultado de meses de trabalho de McGurk no Oriente Médio — acompanhado por várias semanas de esforços de Witkoff.

Investidor imobiliário de Nova York, Witkoff se estabeleceu no Catar para acompanhar as negociações, sabendo que, o que quer que McGurk negociasse, ele teria de executar. De fato, os 33 reféns que previstos para serem libertados sob o acordo de cessar-fogo podem não ver a liberdade antes da posse de Trump — ou mesmo depois. A proposta atual indica que o acordo expiraria em seis semanas, a menos que a fase dois entre em vigor.

Uma pessoa familiarizada com as negociações — e que, assim como outras, falou sob condição de anonimato para descrever as discussões — disse que McGurk estava mais envolvido em acertar os detalhes do acordo, enquanto o papel de Witkoff era deixar claro que Trump queria um pacto até o momento de sua posse. Trump também tem estabelecido alguns parâmetros iniciais em suas negociações com Netanyahu, que, apesar de ter apoiado o republicano na eleição, é visto por ele como responsável por protelar o acordo.

Witkoff voou para Israel de Doha no sábado — apesar do sabá — para reforçar a mensagem de que Netanyahu precisava aderir à proposta. O trabalho do enviado de Trump, incluindo a reunião com o primeiro-ministro israelense, ajudou McGurk e a administração Biden a pressionarem ambos os lados durante a negociação, de acordo com pessoas familiarizadas com a conversa ouvidas pelo The Times.

Reconhecimento após o acordo

Em comunicado à imprensa na tarde de quarta-feira, após o anúncio do acordo de cessar-fogo, Netanyahu elogiou Trump, agradecendo ao republicano por sua “assistência no avanço da libertação dos reféns”, bem como por ter “ajudado Israel a pôr fim ao sofrimento de dezenas de reféns e suas famílias”. A menção a Biden veio apenas na última linha do texto, com o Gabinete do premier de Israel indicando que ele também agradeceu ao democrata por sua ajuda no avanço do acordo.

Nos primeiros dias após a vitória de Trump para um segundo mandato, não estava claro que as equipes do republicano e do democrata poderiam cooperar. Apesar disso, ao comentar o assunto na quarta-feira, Biden reconheceu algum nível de cooperação e respeito entre seus assessores, afirmando que, apesar de o acordo ter sido “desenvolvido e negociado” sob sua administração, os termos serão implementados em grande parte durante o mandato do próximo mandatário.

"Nestes últimos dias, temos falado como uma equipe", afirmou Biden.

Trump, por sua vez, disse estar “emocionado” com a perspectiva de liberdade para os reféns americanos, sem mencionar Biden ou o trabalho da administração atual. Nas redes sociais, ele declarou que sua equipe já “alcançou tanto sem nem mesmo estar na Casa Branca”, acrescentando: “Imagine as coisas maravilhosas que acontecerão quando eu voltar”.

Trabalho em equipe

McGurk e Witkoff começaram a se reunir para trabalhar no acordo de cessar-fogo logo após Biden e Trump conversarem por duas horas no Salão Oval dois dias depois da vitória eleitoral de Trump, de acordo com uma pessoa familiarizada com as negociações. McGurk informava regularmente Witkoff sobre o progresso das negociações no Oriente Médio, disse a fonte, e o convidou a se juntar a ele em Doha para a rodada final das negociações na última semana, em um processo que a pessoa disse ser “incrivelmente eficaz”.

Funcionários da administração Biden disseram acreditar que o ímpeto para um acordo começou quando Biden ajudou a intermediar um pacto separado para acabar com os combates entre Israel e o Hezbollah no Líbano. Isso isolou o Hamas e ajudou a convencer o grupo de que um cessar-fogo era de seu interesse, disseram. Mas uma pessoa próxima às negociações admitiu que a cooperação entre McGurk e Witkoff era uma evidência do que pode ser realizado quando as diferenças políticas são deixadas de lado — mesmo que apenas temporariamente.

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