Mundo

Como entender o ataque em Orlando?

Como significar um ataque como esse? Afinal, o terrorismo e a homofobia andaram lado a lado em Orlando?

Omar Mateen, o atirador da boate Pulse em Orlando, na Flórida (Omar Mateen via Myspace/Handout via REUTERS)

Omar Mateen, o atirador da boate Pulse em Orlando, na Flórida (Omar Mateen via Myspace/Handout via REUTERS)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de junho de 2016 às 22h40.

Última atualização em 18 de julho de 2018 às 15h20.

Foram 49 mortes e mais de 50 feridos. O autor do massacre na boate Pulse, em Orlando, era visto "com frequência" no local, de acordo com testemunhas.

Durante a ação Omar Mateen fez uma série de chamadas para o número 911, o canal de emergência nos EUA, nas quais jurou lealdade ao líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.

Como significar um ataque como esse? Afinal, o terrorismo e a homofobia andaram lado a lado em Orlando?

Sobre isso não restam muitas dúvidas. Mas os professores Dimitri Sales, advogado especialista em direitos humanos, e Bernardo Wahl, especialista em segurança internacional, nos explicam que o massacre na boate gay tem nuances e dimensões ainda mais complexas.

Foi homofobia?

Para Sales, a homofobia caracteriza o ataque de Mateen na medida em que ele definiu e particularizou muito bem o seu alvo.

"A homofobia serve como uma orquestra de valores, um conjunto de regras comportamentais que ordena as práticas sexuais da sociedade. Quando ele define o alvo com um lugar que reafirma posicionamentos que vão contra esse conjunto de regras, ele está seguindo algumas influências. Não há como afastar a homofobia disso. Ele não foi em uma universidade ou em um parque. Ele foi em uma balada frequentada por homossexuais, em uma festa para latinos. Ele definiu muito bem o perfil de suas vítimas."

É culpa do Islã?

Bernardo Wahl é claro: o islamismo não é uma religião que prega a violência. O que se faz é um uso radical das ideias islâmicas.

"No geral, o islamismo é uma religião pacífica. Aqueles que pregam a violência são uma minoria radical. No caso de Orlando as motivações do perpetuador do ataque foram a homofobia e a ideologia jihadista, que está difusa e acessível na internet. E o Estado Islâmico se aproveitou disso - foi o maior atentado desde o 11 de setembro. O maior tiroteio desse tipo. Do ponto de vista da propaganda e de atingir corações e mentes, o EI se aproveita do evento para estimular outros simpatizantes da ideologia a provocarem algo do tipo, mesmo que a ação em Orlando não esteja ligada diretamente as operações do EI. E na maioria dos casos elas não são estruturadas pelo estado islâmico. Ataques mais espetaculares como o 11 de setembro são a exceção. Ataques como o de Orlando, mais brandos e mais difíceis de identificar são a tendência. Não é uma célula central que designa ordens, mas sim ataques perpetrados por indivíduos, que é algo mais difícil de monitorar."

Para o advogado de direitos humanos, no entanto, não há como minimizar a capacidade dos discursos religiosos de formatarem realidade, inclusive àquelas em que prevalecem os discursos de ódio.

"A religião não é definidora de comportamentos. A questão é como os discursos religiosos são utilizados. É um equívoco usar discursos de intolerância em nome de alguma divindade, como tem sido feito no mundo inteiro. As religiões cumprem um papel de ordenação social, como sempre cumpriram, e nesse quesito o discurso do controle da sexualidade como um pressuposto do controle do sujeito cabe muito bem. Você vê o EI derrubando o homossexuais de prédios, e ai não é o combate a homossexualidade, mas uma tentativa de ordenação da sociedade pautado em critérios de sexualidade [...] O que está posto é uma ordenação da sociedade a partir de critérios que não reconhecem as diferenças como elementos que compõem os indivíduos."

A motivação é religiosa ou política?

O especialista em segurança internacional argumenta que o elemento principal que move o Estado Islâmico é essencialmente político.

"Sempre que há avanços na conquista de direitos, há tensões com as visões de mundo já estabelecidas anteriormente e esse é sem dúvidas um dos desafios do mundo contemporâneo. Se analisarmos a formação do EI veremos que o seu objetivo é eminentemente politico. O elemento religioso serve de ferramenta para o politico, que e a formação de um califado - inicialmente na região da Síria e Iraque, depois de maneira mais ampla no Oriente Médio e quiça no resto do mundo. Há populações reprimidas pelo EI, sem dúvidas, mas ao mesmo tempo há populações que se veem protegidas pela organização - no caso os sunitas, que tem uma ideologia extremista. E ai entra mais uma vertente da disputa histórica entre sunitas e os xiitas."

Qual a dimensão psicológica do ataque?

É difícil sugerir o que levou Omar Mateen a cometer o massacre. Uma das hipóteses de Salles nos faz questionar a dimensão subjetiva e individual do terrorista.

"Quando você chega na fase da descoberta sexual é difícil, mas a fase da descoberta homossexual é ainda pior. É muito difícil ser homossexual no Brasil e no mundo inteiro. Isso faz com que se reprima o desejo. Uma das explicações da homofobia é que quando o sujeito age com muita violência é porque há um desejo muito reprimido ali. Não é com todos os homofóbicos. Mas temos que ter em mente que as praticas homofóbicas revelam muito mais do sujeito que as pratica do que do sujeito que é atingindo. O cara que entra num app para encontros gays claramente consegue e pode manter um dialogo com o seu diferente. Então, nesse caso, há fortes indícios de um desejo reprimido, mas falo como advogado, não psicanalista. Esse é um elemento que pode ajudar a decifrar esse sujeito, mas não é um elemento determinante. Senão a gente vai falar que todo homofóbico vai se tornar um terrorista e não é assim que acontece."

Para Wahl, a dimensão psicológica é uma das principais ferramentas do Estado Islâmico.

"A dimensão psicológica é fundamental nesse caso de Orlando para a gente entender o que motivou o individuo a cometer esse atentado. Do ponto de vista da organização, embora não houvesse ligação operacional com o EI, essa questão psicológica é aproveitada pela organização para angariar simpatizantes. O que interesse para organização que assume esse atentado é o numero de vitimas, além de ocupar espaços nas noticias, e o fato de ter ocorrido nos EUA, um território simbólico para o EI."

Confirma mais sobre estas e outras questões discutidas pelos especialistas em uma entrevista ao vivo no Facebook.

Acompanhe tudo sobre:GaysIslamismoLGBTMassacresOrlando (Flórida)PreconceitosReligião

Mais de Mundo

Controle do Congresso dos EUA continua no ar três dias depois das eleições

China reforça internacionalização de eletrodomésticos para crescimento global do setor

Xiaomi SU7 atinge recorde de vendas em outubro e lidera mercado de carros elétricos

China amplia isenção de visto para turistas de nove países, incluindo Coreia do Sul e Noruega