Mundo

Como a Coreia do Sul e “Parasita” fizeram história no Oscar 2020

O mundo se surpreendeu com o prêmio de melhor filme de “Parasita” no Oscar 2020. Entenda os fatores que ajudaram a levar esse filme tão longe

Parasita: vencedor da estatueta mais nobre do Oscar 2020, filme é resultado de políticas públicas consistentes na cultura, explicam especialistas (Parasita/Divulgação)

Parasita: vencedor da estatueta mais nobre do Oscar 2020, filme é resultado de políticas públicas consistentes na cultura, explicam especialistas (Parasita/Divulgação)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 15 de fevereiro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 15 de fevereiro de 2020 às 07h00.

São Paulo - Não raro, cerimônias do Oscar são tediosas celebrações da cultura americana, com as poucas amostras de produções de outros países geralmente guardadas para a categoria de melhor filme internacional. No entanto, em 2020, a 92ª edição da maior premiação do cinema mundial surpreendeu ao dar, pela primeira vez, a estatueta mais nobre da noite para um filme em língua não inglesa.

E foi assim que “Parasita” (Coreia do Sul), que é dirigido pelo sul-coreano Bong Joon-ho (de “Okja”, Netflix) e estrelado por um elenco sul-coreano, fez história. Além de melhor filme, ganhou, ainda, as categorias de roteiro original, diretor e filme internacional.

Agora, o filme lançado em 2019 passará a ser exibido em mais de duas mil salas de cinema nos Estados Unidos e se tornou uma das dez maiores bilheterias de um filme não falado em inglês no país, arrecadando 35,5 milhões de dólares. A expectativa, no entanto, é a de que a bilheteria de “Parasita” chegue a 50 milhões de dólares. As buscas por sua trilha sonora no Spotify saltaram em 1.400% após a premiação, segundo dados do serviço de streaming.

A pergunta inevitável: como esse filme chegou até aqui? A resposta, explicam especialistas em cinema e política da Coreia do Sul consultados por EXAME, está no histórico incentivo à cultura por parte do governo e nas políticas públicas de fomento das artes.

Embora o cinema seja uma indústria de mais de um século, foi na década de 70 que o país passou a contar com uma política para a área. Hoje, explica Gisele Jordão, coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM, esse aparato é construído e sustentado por todas a sociedade: governo, iniciativa privada e até instituições de ensino.

Há isenções de impostos em toda a cadeia produtiva do setor, além de programas de investimentos capitaneados por gigantes como Samsung e Hyundai. Até 2006, um sistema de cotas demandava que cinemas de todo o país eram obrigados a exibir filmes nacionais por 146 dias por ano. Incentivos também são alocados para a formação dos profissionais que atuam na área, sejam eles atores ou diretores.

“A ideia é a de construir uma política de pertencimento nacional. São anos de investimentos que fizeram com que a indústria cinematográfica se desenvolvesse”, nota Gisele, “hoje, o cinema sul-coreano tem uma linguagem própria e produz filmes vencedores de prêmios importantes”. Aqui, impossível não citar o clássico “Oldboy” (2003), de Park Chan-wook, que venceu o Grande Prêmio do Júri em Cannes.

Há, ainda, outro ponto importante na equação que explica a valorização do governo sul-coreano com a indústria cultural: a estratégia de usá-la como um recurso de soft power no campo político internacional. É assim na música, com o fenômeno global que é o K-pop, e também no cinema.

Para isso, o país aprovou uma lei em 2016 que estabelece os parâmetros para a sua “diplomacia pública”, que visa “contribuir para melhorar a imagem da Coreia do Sul e o seu prestígio na comunidade internacional” por meio de uma série de ferramentas. A cultura, inclusive.

“O governo percebeu a importância da divulgação da sua cultura e apoio para a indústria cinematográfica como forma de transmitir sua história e tradições para outros países”, explica Hanna Kim, professora do núcleo de Negócios e Estudos Asiáticos da ESPM. “Embora seja uma iniciativa recente, eu considero os esforços como bem-sucedidos”, analisou.

Hoje, o mercado de conteúdos artísticos, que engloba o cinema, responde por 2,5% do PIB da Coreia do Sul. A indústria cinematográfica, especificamente, é a sexta maior do mundo e é avaliada em 5,3 bilhões de dólares. Em 2019, o filme mais visto no país foi um nacional, “Extreme Job” (dirigido por Lee Byeong-heon), que superou o sucesso global de “Vingadores: Ultimato” (de Anthony e Joe Russo), que ficou em segundo. Agora, em 2020, foi “Parasita” que conquistou um espaço e tanto nessa história.

Surpreendentemente, o Oscar 2020 decidiu premiar uma história universal de desigualdade social e conflito de classe, que desbancou títulos que teriam sido facilmente premiados em outros tempos, como ‘1917’, que fala sobre os horrores da 1ª Guerra Mundial, ou o tributo aos ícones automotivos de “Ford vs Ferrari”. Para quem acompanha de perto os desdobramentos das políticas públicas sul-coreanas, no entanto, um reconhecimento como esse ao cinema do país era uma questão de tempo.

Acompanhe tudo sobre:CinemaCoreia do SulDiplomaciaFilmesOscar

Mais de Mundo

Manifestação reúne milhares em Valencia contra gestão de inundações

Biden receberá Trump na Casa Branca para iniciar transição histórica

Incêndio devastador ameaça mais de 11 mil construções na Califórnia

Justiça dos EUA acusa Irã de conspirar assassinato de Trump; Teerã rebate: 'totalmente infundado'