Mundo

Como a China assumiu o controle do setor mundial de terras raras, um dos focos de Trump

Washington dependem quase que totalmente de Pequim para processamento desses minerais, deixando fabricantes de automóveis, empresas aeroespaciais e empreiteiros de defesa vulneráveis

Metais de terras raras são usados em tudo, de carros a smartphones e mísseis (Leandro Fonseca/Exame)

Metais de terras raras são usados em tudo, de carros a smartphones e mísseis (Leandro Fonseca/Exame)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 17 de abril de 2025 às 08h43.

Última atualização em 17 de abril de 2025 às 08h47.

Tudo sobreChina
Saiba mais

A China abalou o mundo em 2010 quando impôs um embargo às exportações de metais de terras raras essenciais para o Japão. Executivos japoneses em pânico apareceram na televisão para avisar que estavam ficando sem as matérias-primas críticas. A medida, motivada por uma disputa territorial, durou apenas sete semanas, mas mudou a cadeia de suprimentos global para esses itens. Quando o bloqueio terminou, Pequim assumiu o controle forçado de sua riqueza mineral. As principais autoridades do país erradicaram a corrupção, esmagaram os contrabandistas e consolidaram o setor sob o controle do Estado.

O mundo foi alertado, especialmente o Japão e os Estados Unidos, dois dos maiores clientes da China para metais de terras raras usados em tudo, de carros a smartphones e mísseis. Os governos de ambos os países elaboraram planos detalhados sobre como reduzir sua dependência de Pequim. Tóquio cumpriu amplamente seus planos e hoje pode obter os minerais da Austrália.

Os EUA não. Mesmo depois de 15 anos, o país ainda depende quase que totalmente da China para o processamento de metais de terras raras. Como resultado, os fabricantes de automóveis, as empresas aeroespaciais e os empreiteiros de defesa americanos ficaram vulneráveis.

Irritada com as recentes tarifas do presidente Donald Trump, a China suspendeu todas as exportações de determinadas terras raras, bem como dos ímãs ainda mais valiosos feitos a partir delas. Esses ímãs pequenos, porém poderosos — não maiores do que um anel no dedo de uma pessoa, mas com 15 vezes a força de um ímã de ferro convencional — são um componente barato e muitas vezes negligenciado dos motores elétricos. Eles são usados em carros elétricos e movidos a gasolina, bem como em robôs, drones, turbinas eólicas offshore, mísseis, jatos de combate e muitos outros produtos.

O fracasso dos Estados Unidos em criar uma alternativa à sua dependência dos suprimentos chineses tem se estendido por administrações democratas e republicanas.

— Durante 15 anos, os formuladores de políticas dos EUA fizeram muito pouco para lidar com o risco da dependência da China em relação às terras raras e, especificamente, aos ímãs de terras raras — disse Milo McBride, especialista em minerais essenciais do Carnegie Endowment for International Peace em Washington.

As terras raras, segundo ele, são “os minerais mais estratégicos de todos os minerais que têm sido discutidos nas últimas administrações”.

O embargo de Pequim contra o Japão em 2010 foi prejudicado pelos sindicatos do crime organizado chinês que controlavam grande parte do setor no centro-sul da China em conluio com as autoridades locais. Os gângsteres estavam contrabandeando até metade da produção anual de terras raras da China para fora do país.

Semanas após o fim do embargo, Pequim se vingou. As forças do governo, agindo sob ordens de segurança nacional, invadiram o vale próximo a Longnan, na província de Jiangxi, onde grande parte dos minerais pesados de terras raras do mundo era produzida. Eles confiscaram as minas de propriedade privada e prenderam milhares de pessoas no sul da China. A regulamentação do setor foi transferida dos governos locais para Pequim.

Mais tarde, as minas foram nacionalizadas e consolidadas em uma única empresa estatal, a China Rare Earth Group. Durante uma visita na semana passada ao vale, sem o conhecimento das autoridades locais, não havia sinal dos bandidos que costumavam vigiar as minas de terras raras do sul da China. Recentemente, Pequim também desenvolveu seu próprio setor de ímãs em vez de enviar os materiais para fábricas no Japão, investindo dinheiro na construção de fábricas em Ganzhou, uma cidade próxima a Longnan.

Atualmente, a China produz 90% dos ímãs do mundo. Outras construções estavam em andamento em duas das maiores fábricas de ímãs de Ganzhou na semana passada. O líder máximo da China, Xi Jinping, disse em um discurso em 2020 que era importante para a segurança nacional que as cadeias de suprimentos do Ocidente continuassem dependentes de seu país.

— Devemos desenvolver nossos pontos fortes e consolidar nossa liderança internacional nos setores em que temos uma vantagem — disse ele alguns meses depois de visitar a fábrica de ímãs mais avançada de Ganzhou.

Xi também pediu para “intensificar a dependência das cadeias de suprimentos industriais internacionais em relação à China, formando uma capacidade poderosa para combater e impedir o corte deliberado de suprimentos por estrangeiros”.

O setor de ímãs de terras raras dos EUA começou com uma subsidiária da General Motors no norte de Indiana na década de 1980. Mas as fábricas fecharam e foram transferidas para a China e Cingapura. Após o embargo em 2010, a empresa japonesa Hitachi Metals, que mudou seu nome em 2023 para Proterial, respondendo à preocupação do governo do ex-presidente Barack Obama, construiu uma fábrica de ímãs de terras raras na Carolina do Norte de 2011 a 2013.

A fábrica da Hitachi Metals, com várias dezenas de funcionários, tinha custos mais altos do que os complexos gigantes que estavam sendo construídos em Ganzhou. As empresas americanas não estavam dispostas a pagar mais por ímãs produzidos nos Estados Unidos e mudaram para fornecedores chineses. A Hitachi fechou a fábrica em 2020 e o equipamento foi armazenado.

Atualmente, a única mina de terras raras ativa nos Estados Unidos fica em Mountain Pass, na Califórnia. Sua operadora, a MP Materials, planeja começar a aumentar a produção comercial de ímãs de terras raras no final do ano em uma fábrica no Texas. Mas mesmo quando estiver funcionando a todo vapor, a fábrica produzirá em um ano o equivalente a um dia da produção da China.

As fábricas chinesas fornecem milhares de toneladas de ímãs de terras raras todos os anos para os fabricantes de carros elétricos e turbinas eólicas offshore do país — dois setores criticados por Trump.

Assim como a produção de ímãs, a mineração de terras raras também teve uma história desigual nos Estados Unidos. A mina de Mountain Pass produziu a maior parte das terras raras do mundo de 1965 a 1995, quando a China começou a inundar o mercado global com todos os tipos de exportações de baixo custo.

A mina fechou em 2002, em parte devido às regulamentações ambientais cada vez mais rígidas da Califórnia. Uma modernização de US$ 1,5 bilhão foi iniciada em 2010, mas a mineração não foi retomada até 2017 — e então a mina teve que enviar seu minério para a China para processamento em refinarias de baixo custo. Somente agora a mina começou a refinar uma grande parte de sua produção.

As regulamentações ambientais e de zoneamento dificultam a abertura de uma mina de terras raras nos Estados Unidos, o que leva 29 anos, segundo Mark Smith, presidente e CEO da NioCorp Developments, que obteve licenças para construir uma mina em Nebraska.

— Você pode passar uma carreira inteira para colocar uma mina em funcionamento — disse Smith.

Em contrapartida, as minas na China podem ser abertas rapidamente e não precisam passar pelo mesmo tipo de aprovação regulatória rigorosa.

Na base de todos os problemas está o fato de que o mercado global de minerais é minúsculo em comparação com outros tipos de mineração, como o cobre. Poucas empresas americanas quiseram fazer grandes investimentos em terras raras apenas para enfrentar o risco, como a Hitachi descobriu, de os clientes preferirem produtos mais baratos de indústrias apoiadas pelo governo chinês

— As empresas americanas têm relutado em mergulhar de cabeça — afirma David Sandalow, que supervisionou a política de minerais essenciais no governo Obama.

Acompanhe tudo sobre:ChinaJapãoDonald Trump

Mais de Mundo

Milhares de mineiros bloqueiam La Paz em protesto contra a escassez de combustível

Índia expulsa diplomatas e fecha fronteira com Paquistão após ataque na Caxemira

Estados processam Trump por causa das tarifas e política comercial

Terremoto de magnitude 6,2 que atingiu Istambul deixa ao menos 151 feridos, segundo autoridades