Colômbia: as primeiras eleições legislativas com uma Farc sem armas deixaram o terreno preparado para a disputa de quem substituirá o presidente Juan Manuel Santos (Carlos Julio Martinez/Reuters)
AFP
Publicado em 12 de março de 2018 às 12h33.
Uma direita dura, que vence, mas não arrasa, uma ex-guerrilha castigada nas urnas e o histórico avanço do centro e da esquerda: a Colômbia configurou um novo Congresso antes de eleger seu próximo presidente, em maio.
Embora mais uma vez a abstenção tenha superado a barreiras dos 50%, as primeiras eleições legislativas com uma Farc sem armas deixaram o terreno preparado para a disputa de quem substituirá o presidente Juan Manuel Santos.
E se confirmou que, após a vitória do ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro na consulta interpartidária, a esquerda tem pela primeira vez chances reais de poder.
Ex-ministro implacável da Defesa, Santos conseguiu o que parecia impossível antes de sua chegada à Presidência em 2010: um acordo de paz com o grupo rebelde mais poderoso da América, que ostentava um Exército de sete mil combatentes financiado pelo narcotráfico.
As agora desmobilizadas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) se transformaram em partido e estão perto de iniciar a confissão de seus crimes, assim como a indenização de suas milhares de vítimas.
Enquanto o mundo abraçou sua iniciativa e até o agraciou com o Nobel da Paz, na Colômbia, porém, sua popularidade não chega a 20%, e a coalizão, com a qual governou, está praticamente enterrada.
Seu partido saiu derrotado das mãos da direita que mais questiona o presidente pelo que considera ser um tratamento indulgente para com os rebeldes marxistas.
O Partido da Unidade Nacional perdeu 19 cadeiras em relação à eleição passada e sequer concorrerá com candidato próprio para a eleição presidencial.
Álvaro Uribe se consolidou como o grande eleitor do país.
Não apenas foi o mais votado ao Congresso, com 870.000 votos, como seu partido deu uma virada de mesa no Parlamento, e seu afilhado político, Iván Duque, agora pisa mais forte na corrida presidencial.
Com uma mensagem de rejeição ao acordo de paz e de medo de que a Colômbia se transforme em uma Venezuela, Uribe conseguiu posicionar seu partido Centro Democrático (de direita) como o mais votado do Congresso.
Apesar de sua vitória não ter sido a "surra" prevista pelas pesquisas, seu movimento se tornou a principal força no Senado (19). Na Câmara de Representantes, foi a segunda lista mais votada, atrás do Partido Liberal, com 32 cadeiras - 13 a mais do que na presente legislatura.
"Ele continua sendo o mais votado, porque é um líder que tem capacidade de influência alta em um setor da população", explicou o professor Alejo Vargas, da Universidade Nacional.
Certamente votarão com Uribe Cambio Radical (de centro-direita) e setores do Partido Conservador, que criticaram trechos do acordo firmado com os rebeldes comunistas.
Os três movimentos somam 134 das 280 cadeiras no Parlamento. Na atual legislatura, contam com 109 assentos.
Contra todas as previsões, esquerda e centro alcançaram uma representação histórica. Antes das votações, ambas as correntes penavam para manter sua representação.
Agora, ambas as facções que apoiam o acordo de paz obtiveram 34 cadeiras no Congresso. Se forem somadas as da ex-guerrilha, chegam a 44.
Estarão representadas, principalmente, pelos esquerdistas Polo Democrático Alternativo e Lista da Decência, que estreou nesta campanha, além da Aliança Verde (de centro).
"A centro-esquerda é o setor que mais avança, em relação ao que aconteceu em 2014", disse o diretor do Observatório para Processos Eleitorais da Universidade de Rosário, Yann Basset.
Com uma rosa vermelha como símbolo de reconciliação, a Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc), o partido surgido do pacto de paz, teve uma discretíssima estreia eleitoral.
Apesar da dez cadeiras já previstas no acordo de paz, os ex-rebeldes comunistas quiseram aumentar sua representação. Tentativa frustrada: conquistaram apenas 0,5% dos votos (85.094).
Esse resultado "reflete o pouco apoio e até a hostilidade que há na opinião pública da Colômbia contra as Farc", explicou Basset.
Os ex-guerrilheiros receberam um sonoro castigo que também se refletiu no sólido apoio que receberam as forças de direita que mais criticam e que até propõem endurecer o pacto de paz para que os responsáveis por crimes atrozes cumpram um mínimo de tempo na prisão.
Por enquanto, os rebeldes do passado são "uma força política relativamente marginal", enfatizou o especialista.