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Colômbia: a hora de decolar

A Colômbia é historicamente o país com as instituições mais sólidas da América do Sul, Banco Central independente e alternância de poder desde 1830 — na maioria dos casos, por eleições presidenciais a cada quatro anos. No ranking do Banco Mundial de facilidade de fazer negócios, o país ocupa o 56º lugar, atrás apenas do […]

PAZ NA COLÔMBIA: acordo com as Farc deverá impulsionar o PIB  e estimular parcerias público-privadas / John Vizcaino/Reuters

PAZ NA COLÔMBIA: acordo com as Farc deverá impulsionar o PIB e estimular parcerias público-privadas / John Vizcaino/Reuters

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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2016 às 18h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h20.

A Colômbia é historicamente o país com as instituições mais sólidas da América do Sul, Banco Central independente e alternância de poder desde 1830 — na maioria dos casos, por eleições presidenciais a cada quatro anos. No ranking do Banco Mundial de facilidade de fazer negócios, o país ocupa o 56º lugar, atrás apenas do Peru (50º) entre os sul-americanos (o Brasil está em 116º). As duas grandes forças desestabilizadoras do Estado colombiano têm sido a guerrilha e o narcotráfico.

A assinatura do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), nessa quinta-feira, 23, representa um enorme passo na solução do conflito armado e um duro golpe no crime organizado. Uma parte dos guerrilheiros já se havia dissociado completamente de qualquer projeto político-ideológico, convertendo-se em criminosos comuns. Agora, saberemos quantos dos 6 mil a 7 mil integrantes das Farc são guerrilheiros e quantos são simples sicários, pistoleiros do narcotráfico, sequestradores, achacadores, ladrões de gado, etc. O problema é tão grave que cerca de 13 mil crianças e adolescentes foram recrutados à força pela guerrilha entre 1993 e 2013.

Pelo acordo firmado em Havana, na presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, entre outras autoridades, os guerrilheiros deporão suas armas, terão atenuadas as penas pelos seus violentos crimes e formarão um partido político de esquerda. Os mafiosos continuarão sendo trabalho para a Polícia Nacional e o Departamento Administrativo de Segurança (DAS, mescla da PF e da Abin brasileiras), agora sem o disfarce de frentes das Farc.

As novas oportunidades

“Estamos no único país da América Latina que, desde que tem estatísticas macroeconômicas, ou seja, os anos 20, tem crescido de maneira sustentada”, atesta Carlos Julio Ardila, um dos maiores empresários da Colômbia, presidente do Conselho da Organización Ardila Lülle (OAL), que reúne, entre outras, a indústria de bebidas Postobón, a usina de açúcar Incauca e a rádio e TV RCN. “Se temos sido capazes mesmo com o conflito, ano após ano, com a assinatura da paz, a economia crescerá de forma importante.” Ardila não aposta só com palavras. Seu grupo prevê, ainda para este ano, investimentos de US$ 1,1 bilhão na produção de cerveja, sucos, água mineral e embalagens, em concessionárias de automóveis e em produções audiovisuais.

Os bons ventos já atravessaram a fronteira. “Aumentaram as consultas provenientes do Brasil, tanto de potenciais investidores quanto de exportadores”, contabiliza Francisco Solano, diretor-executivo da Câmara de Comércio Colombo-Brasileira, em Bogotá. Segundo ele, a movimentação ocorre não só por meio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), mas também diretamente das federações estaduais de empresários. Ele disse que “uma missão importante de empresários” de Goiás esteve recentemente na Colômbia, e que uma delegação da Bahia está se preparando para ir também.

“O acordo de paz abre grandes oportunidades, principalmente na agroindústria”, assinala Solano. “Estamos seguros de que, com um pós-conflito bem estruturado, o crescimento do PIB será notório, e haverá melhores condições de investimento e desenvolvimento.” Ele acha que haverá muitas oportunidades de parcerias público-privadas, com licitações para estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas e moradias.

Na mineração, Solano lembra que a Colômbia detém 17 milhões de toneladas de reservas de carvão e 28 milhões de onças de ouro. O Brasil também pode exportar mais para a Colômbia equipamentos para os setores de petróleo e gás, construção, indústrias de alimentos, bebidas e eletrodomésticos, além de instrumentos de saúde. Ele acha ainda que haverá oportunidades nos setores de telecomunicações e financeiro.

Entre 2002 e 2013, o investimento direto brasileiro na Colômbia somou US$ 1,8 bilhão (1,7% do total investido pelo Brasil) e o colombiano no Brasil, US$ 1,7 bilhão (4,6%). O setor em que o Brasil mais investiu na Colômbia foi a indústria, que absorveu US$ 678 milhões. O Brasil é o 15.º maior investidor na Colômbia e o 7.º destino dos investimentos colombianos. As exportações do Brasil para a Colômbia diminuíram 11% de 2014 para 2015 por causa da desvalorização do peso colombiano frente ao dólar. No sentido contrário, as importações brasileiras caíram 31% devido à recessão no Brasil.

O preço da paz

Embora no longo prazo a pacificação abra o caminho para o desenvolvimento econômico, o processo de paz terá um custo. De acordo com Martin De Angelis, da empresa de análise de cenários Global Risks Insights, de Londres, a desmobilização das Farc custará em torno de US$ 45 bilhões, ou 15% do PIB do país, ou ainda o total das reservas do Banco Central colombiano. Ao mesmo tempo, os gastos com a defesa e a polícia, US$ 10,15 bilhões ao ano, representam 3,4% do PIB — o índice mais alto da região. Esses gastos devem diminuir com o tempo, embora não devam desaparecer completamente.

O  governo colombiano prevê para este ano um déficit fiscal de 3,6%. De acordo com o ministro da Fazenda, Mauricio Cárdenas, a principal causa é a queda no preço do petróleo, principal produto de exportação da Colômbia. Cárdenas anunciou corte de gastos em fevereiro para fazer frente à queda na receita.

De acordo com estudo do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos (Cerac), um instituto de pesquisas independente de Bogotá, se não fosse pelo conflito, a economia colombiana teria crescido 8,7% em 2013, em vez de 4,3%, e a renda per capita teria sido de US$ 16.700, e não de US$ 11.200.  Com uma queda pela metade da taxa de homicídios e das ações terroristas, o PIB teria um incremento de 1%, afirma o levantamento.

Os fronts de reconquista

Vários setores, hoje, são dominados pelas Farc. O conflito tem impacto direto sobre a agricultura. Sem ele, haverá 110 mil hectares a mais de terras cultivadas, produzindo 700 mil toneladas de alimentos adicionais. As plantações de coca, protegidas pela guerrilha, têm ocupado algumas das melhores terras para cultivo. As lavouras, além disso, têm sido prejudicadas pela fumigação de glifosato, feita pelo governo, para destruir as plantações de coca, e também pelas minas plantadas pelos guerrilheiros. O fim da fumigação e dos campos minados liberaria outros 800 mil hectares de terras agriculturáveis, segundo De Angelis. Ironicamente, a atuação das Farc, que surgiram nos anos 60 para lutar pela reforma agrária, provoca maior concentração da propriedade das terras. Isso porque o conflito causou o deslocamento de 6,9 milhões de pessoas, e parte delas deixou 1,7 milhão de hectares, que foram ocupados por outros proprietários.

O conflito também inibiu a oferta de créditos no meio rural, e o seu fim deve reforçar o sistema bancário, com a redução do risco país. Os custos com segurança privada, em grande parte relacionados com os riscos de sequestro pela guerrilha, representam 11% do PIB, afirma o estudo do Cerac. Os prejuízos causados pelas mortes violentas na Colômbia somaram US$ 4,65 bilhões, ou 2,2% do PIB em 2013.

A desmobilização da guerrilha também abrirá caminho para a expansão da infraestrutura de estradas e da cobertura 4G, em regiões nas quais antes o conflito e a presença das Farc impossibilitavam as obras. Isso estimulará as indústrias do cimento, aço e metalurgia, gerando emprego e renda, além de facilitar os transportes e comunicações, com efeitos benéficos sobre os outros segmentos, como alimentos, bebidas, têxteis e confecções.

Outro campo a ser retomado são as instalações de petróleo. Segundo De Angelis, mais de US$ 500 milhões foram perdidos em receitas em 2014, em razão dos ataques da guerrilha contra as plataformas. A Associação Colombiana do Petróleo calcula que 4,1 milhões de barris foram derramados pelos atos de sabotagem nas últimas três décadas.

Atualmente, 80% do ouro produzido na Colômbia é extraído ilegalmente, e o conflito tem dificultado a ação das forças de segurança no combate ao garimpo clandestino — não só por causa da presença da guerrilha nessas áreas, mas principalmente porque a prioridade de enfrentá-la desvia o Exército e a polícia de suas outras funções. Nos últimos cinco anos, foram detectadas 2.781 minas ilegais, que somam US$ 2,5 bilhões em receitas perdidas.

A Colômbia não se livrará, da noite para o dia, de problemas como o narcotráfico, o garimpo ilegal, a alta criminalidade e a pobreza. Mas a deposição das armas da guerrilha é um primeiro passo importante nessa direção.

(Lourival Sant’Anna)

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