Ruas do Rio de Janeiro: maior parte das cidades brasileiras já retomaram as atividades. (Bloomberg/Bloomberg)
Fabiane Stefano
Publicado em 19 de setembro de 2020 às 08h14.
A hora do rush está de volta com toda força na Cidade do México, clientes retornaram aos restaurantes em Bogotá e corredores se aglomeram nos parques de Buenos Aires. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, multidões lotam bares, praias e até mesmo a grama sintética sob a sede regional da Alphabet.
Nas grandes cidades da América latina, como em outros lugares ao redor do planeta, a sensação é quase como se o coronavírus nunca tivesse acontecido. Isso chama especialmente a atenção porque a região, com 8% da população mundial, responde por um terço das infecções e mortes. Brasil, Peru, Colômbia, México e Argentina estão entre os 10 países mais afetados pela pandemia no mundo.
O retorno à “normalidade” vem com mais força e mais riscos na região, que não é conhecida pela boa gestão ou obediência pública. Autoridades de saúde afirmam que as quarentenas são a melhor maneira de conter o vírus, mas não são mais viáveis a longo prazo e, portanto, as sociedades devem fazer o possível para controlar a doença.
Por isso, mesmo com o vírus avançando na Argentina e no Brasil, dados mostram a tentativa de superar as restrições da pandemia.
O tráfego na Cidade do México, que caiu para cerca de 14% do normal em meados de abril, aumentou para 69% em relação a 2 de março. Em São Paulo, os horários de pico estão voltando. Antes da pandemia, havia 50 horas de congestionamento por semana. Em abril, esse número caiu para 11. Agora, são cerca de 30, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Em Santiago e arredores, onde vive quase 40% da população do Chile, rastreadores de mobilidade mostram que o movimento está apenas 13% abaixo dos níveis pré-quarentena, de acordo com relatório da Universidad del Desarrollo. Dados do Google mostram que a mobilidade em restaurantes, shopping centers e cinemas caiu 4% desde janeiro no Rio (em Hong Kong, a queda é de 14%). Quando se trata de mobilidade ao local de trabalho, os números ainda mostram baixa de 42% em Bogotá e na Cidade do México, semelhante aos de Nova York e não muito longe dos dados de Londres.
Helicópteros e aviões também estão de volta: a Gol está expandindo voos diários para 300 neste mês - ou cerca da metade das rotas na pré-pandemia - em relação a 50 no fim de março.
“Os latino-americanos são muito individualistas, é diferente do que acontece na Ásia, em que há um senso de coletivo muito forte”, disse Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo. “Na América Latina, o apego às autoridades é fraco. E pior ainda quando os governantes falam coisas diferentes, como no caso da pandemia.”
Embora os números permaneçam altos, o ritmo de contágio diminuiu na maior parte da região. Após um mês de mais de 300 mil novos casos por semana, os números no Brasil caíram para 265 mil, e depois para menos de 200 mil. As mortes semanais caíram para 5 mil, o menor nível desde junho. A Colômbia registrou 190 mortes em 13 de setembro, abaixo da marca de 200 pela primeira vez desde 20 de julho.
Mas autoridades de saúde continuam preocupadas.
“É óbvio que é compreensível abrir aos poucos as atividades, mas com todo cuidado. Não o que estamos vendo, com as praias e os comércios lotados”, disse Simone Nouer, coordenadora do curso de pós-graduação em doenças infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E João Paulo Souza, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, acrescentou que o risco está longe de desaparecer. “Quando enfrentamos uma epidemia clássica, temos uma subida rápida, atingimos o platô e esperamos - ao atingir imunidade de rebanho - uma queda acelerada”, disse. “No nosso caso, temos um platô prolongado sem imunidade de rebanho. Isso significa persistência da crise.”