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Chumbo, arsênio e cianeto: nuvem tóxica contaminou casas que resistiram a incêndios em Los Angeles

Sobreviventes relataram contaminações e dificuldades com seguradoras

AFP
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Agência de notícias

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 07h00.

A casa de Karen Girard sobreviveu aos incêndios que devastaram comunidades inteiras ao redor de Los Angeles em janeiro, mas, pouco depois, a alegria se transformou em tristeza. Nove meses após a tragédia, Girard não conseguiu voltar a habitar sua casa em Altadena, um bairro de classe média no oeste dosEstados Unidos. Metais pesados, como chumbo, arsênio e zinco, assim como substâncias voláteis tóxicas, até cancerígenas, como cianeto e furfural, contaminam sua casa, e ela é obrigada a se proteger com uma máscara toda vez que entra.

"Quando vi que a casa ainda estava de pé dois dias depois [do incêndio], fiquei tão feliz", lembrou Girard em entrevista à AFP. "Pensei que devia comprar um bilhete de loteria porque nunca teria tanta sorte novamente". Até que uma série de análises revelou a presença de componentes tóxicos nas paredes, móveis e até no chão.

"Entendi que, embora a casa ainda estivesse de pé, poderia tê-la perdido", lamentou a designer de 58 anos. "Como isso era possível?", questionou.

Girard sofre de asma e tem crises respiratórias se permanecer dentro de sua casa por muito tempo, a tal ponto que seu médico alterou seu tratamento. Os incêndios de Los Angeles deixaram 31 mortos e carbonizaram mais de 16.000 edificações em Altadena e no luxuoso Pacific Palisades, um enclave próximo à costa do sul da Califórnia.

A poluição invisível deixada pelos incêndios

A combustão de edifícios, veículos, aparelhos eletrônicos e plásticos deixou enormes índices de poluição, uma consequência invisível que impacta sobreviventes como Girard. Com rajadas de vento de até 160 km/h, a nuvem tóxica infiltrou-se pelas frestas e através dos dutos de ventilação. Michael Jerrett, professor de ciências ambientais da Universidade da Califórnia (UCLA), explica que esses incêndios tinham maior potencial tóxico devido à mistura que emanou deles.

"A toxicidade potencial da mistura derivada desses incêndios é provavelmente muito maior do que a de outros grandes incêndios que sofremos nos Estados Unidos, porque esses incêndios não afetaram tantas estruturas urbanas", explicou.

Presença de cromo hexavalente e os riscos para a saúde

Sua equipe analisou as comunidades incendiadas e encontrou em sua atmosfera cromo hexavalente, um composto do cromo considerado cancerígeno. Essas nanopartículas, afirma o cientista, poderiam deslocar-se até 10 km das comunidades incendiadas, o que colocaria em risco dezenas de milhares de pessoas.

"É importante que as pessoas que tentam voltar para suas casas as desinfetem de forma adequada", disse Jerrett.

Resistência das seguradoras e desafios para os moradores

Mas os proprietários enfrentam resistência das seguradoras para cobrir esse procedimento custoso. Girard contratou um profissional que recomenda trocar todos os objetos dentro de casa, desinfetar a estrutura e demolir e reconstruir as paredes. Mas sua seguradora, Farmers Insurance, disse-lhe que basta passar um aspirador com um filtro de ar para capturar essas partículas finas.

"O desastre após o desastre" — Para eles é uma questão de dinheiro, mas para mim não. É minha casa. Onde vivi por duas décadas e para onde quero voltar desesperadamente", declarou Girard. "Continuamos trabalhando com nossa cliente para resolver esta reclamação e permanecemos disponíveis para revisar qualquer informação adicional que queiram fornecer", disse a Farmers Insurance à AFP.

Reclamações sobre a falta de normas claras sobre compensação

A Associação Residentes do Incêndio Eaton Unidos coletou 215 provas realizadas em residências de Altadena que registraram contaminação.

"Não há normas claras neste assunto, então as seguradoras podem negar o que quiserem", afirmou Jane Lawton, fundadora da ONG. "O desastre depois do desastre é a doença. E isso é o que vai acontecer aqui. É apenas uma questão de tempo", acrescentou Lawton.

O estado da Califórnia criou em maio um grupo de trabalho para elaborar normas que obriguem as seguradoras a indenizar os proprietários pelos danos causados pela fumaça. A State Farm, a maior seguradora do estado, afirma que pagou mais de 4,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 23,8 bilhões) às vítimas dos incêndios e que avalia "caso a caso" os pedidos de indenização relacionados à fumaça.

A dificuldade de obter compensação

Priscilla Muñoz, cliente da empresa, não está satisfeita. Sua casa, a 1,5 quilômetro da zona afetada, está contaminada com chumbo, revelou uma análise que custou 10.000 dólares (cerca de R$ 53 mil). Após semanas de idas e vindas com a seguradora para receber uma indenização que lhe permita mudar-se temporariamente e descontaminar sua casa, ela não sabe se vencerá a batalha.

"O chumbo é poroso e se infiltra em tudo", disse preocupada com a saúde de seus dois filhos pequenos. "Não quero que abracem um ursinho tóxico", completou.

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