Estudantes chilenos em protesto nas ruas contra a política do presidente Sebastián Piñera. (AFP/Maxi Failla)
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2011 às 14h46.
Santiago - A exigência de melhorias na educação pública do Chile transpôs o âmbito estudantil para chegar a uma classe média que reeditou, inclusive, formas de protesto social ainda nunca vistos desde a ditadura, como o "cacerolazo", como parte de uma revolução cultural que gera forte pressão sobre o governo de Sebastián Piñera, consideram analistas.
Na noite de terça-feira, pela segunda vez em menos de uma semana, milhares de pessoas em todo o Chile voltaram a bater em panelas e frigideiras. Convocadas pela liderança estudantil, reuniram-se em pátios, varandas e praças tal como fizeram há mais de duas décadas a oposição a Augusto Pinochet.
Hoje, transcorridas mais de duas décadas de democracia, retornam às ruas para defender o fortalecimento da educação pública num país com uma economia tão próspera que chegou a ser considerado o milagre latino-americano, mas com um sistema educacional segregado pelas reformas neoliberais aplicadas ainda na ditadura.
Em Santiago, os protestos levaram mais de duas horas, sentindo-se a força das populações mais pobres da periferia, mas também a dos moradores de bairros de classe média alta da zona leste da capital, como Ñuñoa, La Reina e Providencia.
"Estamos vivendo a revolução da classe média; pessoas que têm os filhos matriculados na universidade mas que, acossadas pelas dívidas, começam a questionar", disse à AFP o sociólogo e ex-assessor presidencial Eugenio Tironi.
"É tudo muito parecido com 'Maio de 68', quando os filhos da burguesia foram às ruas", acrescentou Tironi, em alusão à série de protestos sociais vividos há mais de 40 anos na França, iniciadas por estudantes aos quais se somaram outros grupos sociais e operários.
"Há um processo de grande reestruturação, porque há uma sociedade mais ativa, mais reflexiva, educada, que se sente com o direito de deliberar e questionar assuntos antes considerados tabu, como o funcionamento do sistema educacional", acrescentou o sociólogo.
A efervescência das ruas permeou as redes sociais, com o Twitter e o Facebook ardendo em debates sobre o movimento estudantil e as novas formas de protesto.
Há nelas um apoio aos pedidos estudantis e um repúdio unânime ao vandalismo, mas também uma condenação a outros extremosmos como o ato de atentar contra os líderes do movimento estudantil, como a carismática Camila Vallejo.
O extremismo é o que mais preocupa as autoridades.
"Quando vejo alguns que fazem da intransigência uma verdadeira forma de vida, acreditando que a violência é o caminho para as soluções, dou-me conta de que estão tremendamente equivocados", disse nesta quarta-feira o presidente Sebastián Piñera.
A popularidade de Piñera desabou a 26%, o menor percentual já registrado no país desde a volta à democracia em 1990, arrastado pelo conflito estudantil que está, hoje, num beco sem saída.
Nesta quarta-feira, pela segunda vez em duas semanas e como prova do novo clima social vivido no Chile, foi registrado um novo protesto espontâneo de usuários de transporte público. Fartas das demoras contínuas, cerca de cem pessoas bloquearam por mais de uma hora as ruas.
Na semana passada, milhares de taxistas pararam as ruas com seu veículos, em protesto contra o aumento dos preços dos combustíveis.
"O movimento estudantil tem o respaldo da sociedade, principalmente da classe média, muito afetada e disposta a qualquer coisa", comentou o sociólogo e escritor Pablo Huneeus.
"É preciso ter cuidado e levar tudo isso em conta, porque há um descontentamento muito fácil de ser transformado em movimento forte, passível de ser reprimido", acrescentou o sociólogo, da Universidade do Chile.