"Mega prisão" é a "mais criticada do mundo", nas palavras de Bukele, presidente de El Salvador
Editor de Macroeconomia
Publicado em 4 de fevereiro de 2024 às 06h07.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2024 às 10h15.
Em El Salvador, uma prisão se tornou o símbolo da cruzada do presidente Nayib Bukele contra as gangues e o narcotráfico. O Centro de Confinamento Contra o Terrorismo (Cecot) é a "maior prisão da América" com capacidade para 40.000 detentos.
A "mega prisão", que completou um ano desde sua inauguração no começo deste ano, é também a prisão "mais criticada do mundo", nas palavras de Bukele. Mas, entre controvérsias, representa o caminho para o fim de um fenômeno criminoso que assolou o país. Nas contas do próprio presidente, foram pelo menos 120.000 mortos desde 1993.
Nos últimos anos, a controversa política de segurança pública do atual presidente — que busca a reeleição neste domingo, 4 — trouxe resultados. Em 2015, o país centro-americano tinha 106,3 homicídios para cada 100.000 habitantes. Em 2023, o índice foi de 2,4 homicídio por 100.000, segundo estatísticas oficiais. Gangues deixaram de atuar nas ruas e os moradores se sentem à vontade para circular, inclusive de noite, algo que muita gente tinha medo de fazer há décadas, como relatam moradores a diversas agências internacionais.
O sucesso nessa seara garantiu a Bukele índices de aprovação astronômicos, entre 80% e 90% — e uma grande chance de reeleição. Seu modelo de governo agora é também do tipo exportação: um presídio nos mesmos moldes do Cecot será construído pelo Equador, segundo revelou em 4 de janeiro o presidente equatoriano, Daniel Noboa.
O país da América do Sul passa por uma grave crise de violência e implantou um estado de exceção para lidar com a onda de insegurança que tomou as ruas — e teve seu ápice no sequestro ao vivo de repórteres de uma televisão local.
O entusiasmo do presidente salvadorenho com o empreendimento é tamanho que ele divulgou um vídeo de 30 minutos em suas próprias redes sociais — Bukele tem ampla presença digital — detalhando como é o Cecot.
A prisão de El Salvador agora abriga cerca de 12.500 membros das gangues MS-13 e Barrio 18, detidos sob um regime de exceção decretado pelo Congresso a pedido de Bukele como resposta a uma escalada de violência que tirou a vida de 87 pessoas entre 25 e 27 de março de 2022.
Não há áreas de recreação, salas de visitas ou espaços conjugais. Os detentos saem apenas de suas celas para receber atendimento médico, fazer exercícios em um corredor ou comparecer a uma das seis salas de processo judicial virtual, onde ocorrem entre 15 e 20 audiências diárias.
A família de cada preso é responsável pelo fornecimento de alimentos.
O Cecot foi construído em sete meses em Tecoluca, a 74 km a sudeste de San Salvador, capital do país. Ocupa 166 hectares, em 23 dos quais foram construídos oito pavilhões dentro de um perímetro com 19 torres de vigilância.
Entre os sete anéis de segurança do presídio, construído a um custo não revelado pelo governo, há um muro de concreto de 11 metros de altura e 2,1 quilômetros de extensão, protegido por cercas eletrificadas.
Existem dispositivos para bloquear as comunicações com o exterior. Os detentos são vigiados por 250 policiais e 600 militares. Cada pavilhão tem cerca de 6.000 metros quadrados, e cada uma de suas 32 celas com barras de aço abriga cerca de uma centena de detentos.
Os presos dormem em beliches de lâminas de aço, sem colchão ou travesseiro.
Com temperaturas que às vezes chegam a 40 ºC, os pavilhões têm teto curvo para fornecer ventilação natural.
Em cada cela de cerca de 100 metros quadrados, há duas pias com água corrente para higiene pessoal e dois banheiros. Há também dois barris com água potável.
A prisão possui dois poços, uma planta de abastecimento de 600 metros cúbicos de água, quatro cisternas e oito subestações de energia elétrica. Também possui geradores elétricos de emergência a base de combustível e uma estação de tratamento de águas residuais.
As atividades dos internos são observadas por câmeras a partir de um centro com dezenas de telas. Para entrar no presídio, tanto os detentos quanto o pessoal de segurança e administrativo têm que passar por áreas de registro.
Os detentos recém-chegados são examinados por um scanner corporal, além de serem fotografados. Eles devem passar por três portões fortificados, controlados por guardas armados.
Os internos rebeldes ou de má conduta são trancados em celas de punição escuras, com pouca ventilação e isolamento total, equipadas com um vaso sanitário e uma pia. Eles devem dormir em uma cama de concreto.
A porta é de aço, trancada com cadeado. Os detentos são algemados e acorrentados nos tornozelos antes de serem levados de volta à sua cela habitual.
Organizações sociais denunciam o Cecot como parte de uma política de supressão aos direitos humanos. Em relatório, a ONG Cristosal destacou que o "regime de exceção faz parte de uma estratégia de populismo punitivo e propaganda governamental caracterizada pela falta de transparência".
"É evidente que, juntamente com milhares de detenções arbitrárias, o Governo utilizou uma retórica de mão de ferro sintetizada na mensagem de “guerra contra as gangues”, que visa manipular a opinião pública e que envolve a instrumentalização do direito penal sob a lógica do “inimigo interno”. Para desenvolver essa estratégia, o governo recorreu ao sigilo em suas negociações com as gangues, nas cifras estatísticas de homicídios e outros crimes, em mortes sob custódia do Estado, na construção do Centro de Confinamento de Terrorismo (CECOT) e qualquer informação que permitiria ao público contrastar o discurso oficial com a realidade", aponta a organização.
Com AFP