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Carrera, da CAF: pela a integração da América Latina

Camila Almeida Dentre os 20 países que mais vão crescer em 2017, apenas um é da América Latina: o Panamá, na 19ª posição. Resultado bem diferente do de seis anos atrás. Em 2010, o PIB da região inteira avançou 6,6% – hoje, os países asiáticos e africanos é que estão acelerando nesse ritmo. Em 2016, a América Latina […]

JOSÉ CARRERA: Especialista fala sobre as oportunidades da América Latina para voltar a crescer / Divulgação

JOSÉ CARRERA: Especialista fala sobre as oportunidades da América Latina para voltar a crescer / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 15h11.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.

Camila Almeida
Dentre os 20 países que mais vão crescer em 2017, apenas um é da América Latina: o Panamá, na 19ª posição. Resultado bem diferente do de seis anos atrás. Em 2010, o PIB da região inteira avançou 6,6% – hoje, os países asiáticos e africanos é que estão acelerando nesse ritmo. Em 2016, a América Latina fecha em recessão pelo segundo ano consecutivo e só deve voltar a melhorar, a passos tímidos, no ano que vem.
Além da crise econômica, os latinos ainda enfrentam o desafio de serem a região mais desigual do mundo. Para o economista José Carrera, vice-presidente de Desenvolvimento Social e Ambiental do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF, Corporación Andina de Fomento, no nome original), é preciso manter o foco em redução da pobreza e universalização dos serviços básico — fundamentais para que a região possa crescer de forma sustentável. Para este ano, o banco aprovou 13 bilhões de dólares em investimentos e a expectativa é de manter essa cifra para o ano que vem.

Em entrevista a EXAME Hoje, Carrera fala sobre as oportunidades para a região no ano que vem e também sobre os pontos que devem ser valorizados para garantir a atração de investimentos, além da necessidade de integrar mais os países da região para garantir uma retomada da competitividade.

Quais são as previsões da CAF para os investimentos no Brasil no próximo ano?

Acho importante ressaltar que o Brasil é um país parceiro muito importante para nós e com quem temos uma relação de muito trabalho e colaboração conjunta. Para o próximo ano, a CAF prevê acompanhar o Brasil nos mesmos níveis que avançamos nos anos passados, principalmente nas áreas de saneamento, infraestrutura, logística, energia.

Muita gente diz que o Brasil não teve tantos investimentos de bancos de desenvolvimento quanto deveria por ser uma economia muito grande, que não precisaria tanto quanto outras economias da América Latina. Faz sentido dizer que o Brasil não deve ser priorizado nesses investimentos?

O Brasil é realmente uma das maiores economias da América Latina, mas acredito que o papel dos banco multilaterais continua sendo interessante para ajudar o desenvolvimento brasileiro, porque não traz apenas financiamento. Acho que entre as grandes contribuições que os bancos multilaterais trazem estão a experiência de como fazer os projetos e como tirar melhor proveito dos recursos. O grande valor agregado dos bancos multilaterais na América Latina não é apenas o de aportar recursos financeiros e, sim, o de conhecimento e acompanhamento que levam às operações que financiam. Nesse sentido, ainda que o volume financeiro possa ser relativamente pequeno, o conhecimento e a experiência que trazem pela participação em outras projetos na região pode ser muito interessante.

A CAF faz muitos investimentos em cidades, em infraestrutura e mobilidade. Por que esse foco do banco?

É preciso reconhecer que América Latina é uma região altamente urbanizada. Mais de 80% das pessoas da América Latina vivem em cidades. Só que entre 25% e 55% dessas pessoas vivem em condições precárias, em favelas, por exemplo. Se um banco de desenvolvimento quer ter um impacto maior, tem que trabalhar onde está a maior parte da população e, portanto, temos que trabalhar em cidades, com uma atenção particular para favelas, onde estão concentradas as maiores quantidades de pobreza e onde existem as melhores oportunidades de desenvolvimento e ganho. Somado a isso, há outra reflexão importante: a América Latina, apesar dos avanços e redução da pobreza e da desigualdade, ainda é a região mais desigual do mundo. A face mais visível da desigualdade na América Latina é a exclusão social de uma boa parte dos cidadãos que vivem, por exemplo, em cidades, de bons serviços de saneamento, educação, moradia, transporte, saúde, etc. Como consequência, um banco de desenvolvimento que quer ajudar a região de uma maneira equitativa e integral tem que trabalhar em cidades.

No Brasil e em outros países, os governos e as empresas têm acesso aos recursos, mas muitas vezes não conseguem executar os projetos. Por que essa dificuldade persiste na América Latina?

A dificuldade aí gira em torno de dois fatores que precisamos considerar. O primeiro é que precisamos ter bons projetos, e isso significa que precisamos dedicar tempo e recursos aos estudos que são necessários, porque quanto mais preparado estiver um projeto, mais fácil será a execução, já que diminuem as incertezas. E, por outro lado, também precisamos fortalecer institucionalmente os executores, aqueles que vão fazer os projetos. Acredito aí que novamente o papel de um banco multi-lateral como o CAF pode ser interessante, porque traz à mesa experiências similares de outros projetos que já foram realizados em outras regiões da América Latina, ou no próprio Brasil. Além disso, traz o conhecimento de como executar bem um projeto, evitar erros e elementos que podem ser prejudiciais para o seu desenvolvimento. Acho que se somamos o aspecto de bons estudos com uma instituição fortalecida, o tempo de execução dos projetos pode diminuir muito.

O que pode ser feito para que o setor privado tenha mais participação neste processo? Porque hoje o desenvolvimento social está muito vinculado aos governos e fundações.

Eu acredito que o papel do setor privado é muito importante, porque por mais que as economias dos países sejam, em boa medida, regidas pelo setor público, é do setor privado que nascem os financiamentos e que podem aportar com novas metologias e incentivos para sermos mais cuidadosos com os recursos. Além disso, achamos que a América Latina está mais aberta agora para a participação do setor privado. Acreditamos que existem muitas oportunidades para fazermos boas parcerias público-privadas, adequadamente regularizadas, que permitam não só o financiamento de novas obras e manutenção e administração das obras existentes, mas também tragam esquemas de eficiência e uso cuidadoso dos recursos, que vão beneficiar a comunidade em geral.

Por que a América Latina tem alcançado uma redução da desigualdade e o resto do mundo está mais desigual do que há alguns anos atrás?

Eu acho o processo da redução da pobreza e desigualdade na América Latina muito interessante. Em boa medida, faz parte de administrações que priorizaram o crescimento de investimentos, isso beneficiado pelos bons preços das matérias primas que deram recursos adicionais aos nossos países. Isso permitiu um crescimento do emprego e uma maior quantidade de recursos. Mas a questão é como manter esse ganho em redução de pobreza e desigualdade em circunstâncias mais difíceis, como a queda de preços das matérias primas e com investimentos menores. Eu acredito que esse é um esforço que a região precisa fazer, e, é claro, temos que tomar as medidas apropriadas para que isso seja uma realidade.

Hoje, temos governos muito diferentes do que tínhamos antes na América Latina. Essas políticas de desenvolvimento social estão ameaçadas? Há riscos de não conseguirmos continuar com essa redução?

Eu acho que o desafio dos governantes, independente das divisões políticas, está precisamente em manter esses avanços. Acredito que todos os governantes estão conscientes disso. Para conseguir ter um processo de crescimento apropriado, precisamos que a economia esteja estável, que tenhamos um manejo controlado das finanças públicas. No entanto, creio que o gasto social e a aposta por melhorar as condições de água potável, educação, transporte, comunicação, são elementos básicos que se transformaram em políticas de estado, que transcendem as mudanças de governos e ideologias. Acredito que a região esteja consciente de que temos que continuar investindo em capital humano, na educação, na criança, na infraestrutura, e isso é um compromisso da comunidade da América Latina independente das cores políticas.

Nos últimos anos, a América Latina cresceu economicamente e estava na mira de outros países do mundo, era um atrativo para investimentos. Mas, agora, Ásia e África estão com mais destaque e vão crescer mais. Isso dificulta atrair investimentos para a região?

Tem que ficar bastante claro que a América Latina é uma região de muitas oportunidades por várias razões. A primeira: de toda a água doce que existe no mundo, a América Latina tem um terço, e isso não é um tema trivial. Segundo, somente 20% da agricultura que se faz na América Latina está adequadamente irrigada. Com a expansão da fronteira irrigada a uns 60% ou 80%, é possível aumentar muito a produção agro-industrial na região. Principalmente se levarmos em conta que, no resto do mundo, a demanda por alimentos nos próximos 20 anos será muito alta. Três: a América Latina tem paz e afinidade cultural, não existem grandes conflitos aqui. Não há guerras religiosas, não temos problemas importantes de guerrilhas – e os existentes estão sendo solucionados, como os conflitos com as Farc na Colômbia. Pode ser que outras regiões tenham alguns desses elementos, mas acho que a América Latina tem os três em conjunto. Além disso, é uma região que deixou de ser totalmente pobre. Ainda temos bolsões importante de pobreza e é um desafio eliminá-los, mas acho que cada vez mais vai se construindo uma classe média de mercado interessante – e cada vez mais melhor educada.

A América Latina tem tradição de ser exportadora de matérias primas. O que falta para que possamos exportar outros tipos de produtos e outras tecnologias?

A próxima etapa de desenvolvimento para a América Latina passa por uma transformação produtiva, precisamente para utilizar os recursos que temos e gerar um maior valor agregado na produção e nas exportações. É um fato também certo que, atualmente, aqueles bens que eram considerados commodities podem ser transformados em bens especializados de maior valor mediante a incorporação de tecnologias. No caso da agroindústria, temos uma oportunidade com produtos frescos mais sofisticados, abrindo novos mercados. Um exemplo: na Espanha, na região de Múrcia, que é o celeiro da Europa, se produzem grandes quantidades de uva, que poderíamos pensar que são commodities, mas não são. Agora produzem uvas com especializações de sabores, tamanho, gostos tão sofisticados que criaram novos mercados e nichos de valor muito maior. A nossa região poderia fazer algo similar e investigar quais são os tipos de produtos que gerem maior valor agregado e que sirvam para o consumo interno e para as exportações. Em outras palavras: não desperdicemos os grandes recursos de terra, água e de energia produzindo coisas que não agregam valor. Temos que buscar, podendo até ser no ramo da agroindústria, produtos com maior valor agregado.

Alguns especialistas dizem que os acordos de livre comércio ao longo da história prejudicaram a América Latina. O que o senhor pensa dessa abertura de mercado? Ainda mais agora que Donald Trump se mostra resistente tipo de acordo. O livre comércio é bom ou ruim para a América Latina?

Eu acho que os acordos não podem ser chamados de bons ou ruins, porque depende do tipo de acordo. Acredito que existe evidência suficiente que para afirmar que poder contar com mercados mais amplos do que temos atualmente na região é uma oportunidade interessante. Evidentemente, esses acordos têm uma série de cláusulas que regulam e limitam em função da capacidade de desenvolvimento das indústrias locais, mas, no final das contas, esse tipo de acordo beneficia a sociedade e os consumidores de várias perspectivas. É positivo para a região ampliar a oferta de produtos, bens e serviços e estimular as indústrias locais a serem mais competitivas na produção. Creio que são tendências que mundialmente têm sido favoráveis. Claro, nem todos os acordos envolvem a indústria e cada país e cada região deve negociar apropriadamente. Se as circunstâncias mostrarem que não foram tantos os benefícios obtidos, é preciso fazer mudanças. Acredito que estamos sempre em tempo de fazer essas modificações, em função dos interesses nacionais.

Agora na América Latina vemos que o Mercosul não está tão forte como era antes, e temos Chile, Peru, México no acordo Transpacífico. Faz falta uma integração maior entre os países da América Latina para que esse desenvolvimento aconteça de maneira equilibrada na região?

A América Latina tem uma oportunidade maravilhosa de se integrar mais entre os diferentes países. São 600 milhões de habitantes, um grande mercado que pode ser muito interessante para a região. Temos que aproveitá-lo e desenvolvê-lo mais. Em outros lugares, o comércio regional é muito maior do que o que observamos aqui. Nosso peso no mundo é muito mais forte se estivermos unidos com uma série de princípios e políticas comuns, elementos básicos que ajudem a proteger e a favorecer os interesses da América Latina no comércio mundial. Há um espaço para melhorar as relações, com pragmatismo, com cuidado; a região merece um esquema muito melhor do que o praticado atualmente.

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