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Eleições nos EUA: caos marca primeiro debate entre Trump e Biden

Presidente americano tumultua o confronto com interrupções frequentes, não responde sobre seus impostos e diz que país terá vacina antes das eleições

Donald Trump e Joe Biden participam do primeiro debate presidencial (Morry Gash/Reuters)

Donald Trump e Joe Biden participam do primeiro debate presidencial (Morry Gash/Reuters)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 30 de setembro de 2020 às 01h50.

Última atualização em 30 de setembro de 2020 às 06h23.

O primeiro debate entre o presidente americano, Donald Trump, e o democrata Joe Biden, na noite de ontem, foi caótico. Com inúmeras interrupções – especialmente por parte de Trump --, os dois candidatos não conseguiram articular ideias, atropelaram o mediador, desrespeitaram as regras e ofereceram ao eleitor um espetáculo deprimente. As pesquisas indicam que 86% dos americanos já escolheram um candidato. Sorte deles, porque o que se viu na noite de ontem não terá ajudado a convencer nenhum indeciso. E azar de quem terá de assistir a dois outros confrontos até a eleição de 3 de novembro.

O formato do debate, acertado entre as duas campanhas, era simples e direto: seis blocos, cada um com seis minutos de duração, cada um tratando de temas pré-definidos. Mas as coisas começaram a desandar logo nos primeiros cinco minutos.

Donald Trump respondeu a primeira pergunta que lhe foi dirigida (sobre a nomeação da conservadora Amy Coney Barrett para a Suprema Corte) de forma calma e comedida. E foi só.

Quando chegou a vez de Biden dar sua resposta, Trump começou a falar em cima do adversário. “Não fui eleito para três anos, fui eleito para quatro anos”, interrompeu Trump.

Quando o democrata afirmou que a nova composição da Suprema Corte – que, com a provável confirmação de Barrett terá uma maioria conservadora de 6 juízes, num total de 9 – ameaça o programa de saúde pública Obamacare, ele foi novamente cortado pelo presidente: “Você vai acabar com o plano de saúde privado de 180 milhões de americanos” e “os socialistas vão te dominar, você sabe disso, Joe”.

 

Esse padrão se repetiria ao longo da noite. O moderador Chris Wallace, âncora da Fox News, tentou repetidas vezes assumir o controle do bate-boca, com pouco sucesso. Em uma das broncas de Wallace, Trump perguntou se ela também não valia para Biden. O moderador respondeu: “Com respeito, mas o senhor está interrompendo mais”.

 Apesar de ostensivamente não perder a calma – como temiam alguns de seus assessores --, o ex-vice-presidente expressou sua frustração algumas vezes. “Cala a boca, cara”, “Será que ele vai ficar quieto um minuto?” e “É difícil conseguir falar alguma coisa com esse palhaço, me desculpe, com essa pessoa [falando sem parar]” foram três frases de um Biden exasperado com as frequentes interrupções.

Trump deixa perguntas no ar

 O debate não ajudou a esclarecer algumas dúvidas importantes que pairam sobre a candidatura Trump. A primeira delas foi em relação às manobras fiscais do presidente americano para evitar pagar impostos. Wallace perguntou duas vezes se o presidente americano realmente pagou apenas 750 dólares de imposto de renda em 2016 e 2017.

Trump tergiversou. Disse ter pagado “milhões” em tributos e afirmou que não gosta de impostos, mas não negou a informação publicada pelo New York Times no domingo (no final de semana, ele havia chamado a reportagem de “fake news”). “Qualquer pessoa, a menos que seja burra, usa depreciações e créditos fiscais” para pagar menos impostos, afirmou o presidente.

O presidente dos Estados Unidos também não respondeu de forma definitiva se aceitará o resultado das urnas. Ele repetiu as acusações infundadas de que a votação pelo correio está sujeita a fraudes massivas e afirmou: “isso não vai acabar bem”.

Instado pelo moderador a pedir calma a seus apoiadores no processo de apuração – que deve demorar dias ou até mesmo semanas por causa do volume de votos à distância --, o presidente mais uma vez não se comprometeu a fazê-lo. “Incentivo meus apoiadores a ir aos locais de votação e observar tudo de perto. Se eu vir dezenas de milhares de votos manipulados, não posso aceitar (o resultado).”

Biden respondeu de forma afirmativa às duas perguntas. “O próprio Departamento de Segurança Interna e o FBI dizem que não há evidência de fraudes”, afirmou o democrata. Olhando para as câmeras – o que fez diversas vezes durante o debate --, Biden disse: “Vá votar. Vote, vote, vote. Ele [Trump] não vai te impedir de determinar o resultado desta eleição.”

O debate também deixou claro que a eleição é, acima de tudo, um referendo sobre a gestão de Trump. Algumas pesquisas indicam que a maioria dos eleitores democratas não estão votando em Biden, mas sim contra o atual ocupante da Casa Branca.

Um dos principais motivos é a pandemia do coronavírus. Trump voltou a colocar a culpa na “praga chinesa” e a mencionar a proibição da entrada de pessoas vindas do país, no final de fevereiro. Segundo ele, a medida evitou a morte de 2 milhões de americanos.

Biden mencionou os mais de 200.000 americanos mortos e tentou humanizar o assunto: “Quantos de vocês tinham um lugar vazio na mesa da cozinha na manhã de hoje?” O democrata também falou das mentiras deliberadas contadas por Trump a respeito da gravidade da pandemia – reveladas no recente livro “Rage”, do jornalista Bob Woodward – e disse que o presidente entrou em pânico: estava mais preocupado com a bolsa de valores que com a vida dos americanos.

Trump insistiu que uma vacina pode ser aprovada antes da eleição e distribuída ainda este ano. “Falei com as empresas, ela pode ficar pronto rápido. Discordo deles”, disse o presidente, fazendo referência a autoridades de saúde do seu próprio governo que afirmam a maioria da população americana só estará imunizada em meados do ano que vem.

Trump saiu pela tangente quando questionado sobre a ciência da mudança climática. “Quero água cristalina e água limpa. Mas não quero destruir os negócios”, afirmou Trump. Falando sobre os incêndios florestais na Costa Oeste americana, o presidente disse acreditar “até certo ponto” na responsabilidade humana, mas logo desviou o assunto para o problema do manejo das florestas.

 A “ameaça vermelha”

 Trump tentou diversas vezes caracterizar Biden como um candidato à mercê da ala esquerdista democrata, em particular do autodeclarado socialista democrático Bernie Sanders, que ficou em segundo lugar nas primárias do partido.

Repetindo o tom da convenção republicana, o presidente afirmou que Biden não fala em “lei e ordem” porque tem medo de desagradar seus “apoiadores radicais” e disse que a anarquia está restrita a cidades governadas por democratas.

Biden respondeu ser “a favor da lei e da ordem desde que as pessoas sejam tratadas com justiça”. Questionado por Wallace sobre a ideia de cortar recursos das forças policiais – uma acusação repetida inúmeras vezes por Trump em sua campanha --, Biden negou. “Existem maçãs podres. Elas precisam ser responsabilizadas.”

 

Trump também provocou pelo menos três vezes o adversário mencionando sua família, numa tentativa de fazer Biden perder a calma. O democrata não mordeu a isca.

 Trump mencionou um suposto pagamento recebido por Hunter Biden, filho de Joe Biden, da mulher do ex-prefeito de Moscou. “Três milhões e meio de dólares”, disse Trump. No final da noite, o presidente disse que Beau Biden, filho de Joe Biden que morreu de câncer em 2015, teria sido expulso com desonra do Exército.

 O democrata disse que seu filho tinha um problema com drogas, mas serviu no Iraque e não era um “derrotado ou um trouxa”, como teria afirmado Trump, de acordo com uma reportagem recente publicada pela revista The Atlantic.

Biden na frente

 O democrata segue na frente nas pesquisas nacionais, com uma vantagem média de 6,1 pontos percentuais em relação a Trump. Essa vantagem é significativa e importante, mas a eleição americana é decidida no colégio eleitoral.

 Ou seja, alguns estados são mais importantes que outros para determinar quem será o próximo presidente. Há quatro anos, Hillary Clinton também liderava nas pesquisas nacionais, e a democrata obteve quase 3 milhões de votos a mais que Trump nas urnas.

 A Pensilvânia é um dos estados cruciais para as pretensões de ambos os candidatos. Em 2016, Trump levou os 20 delegados do estado no colégio eleitoral por pouco mais de 44 000 votos, de um total de mais de 6 milhões.

 Uma pesquisa divulgada ontem pelo jornal Washington Post em parceria com a ABC News indica que Biden tem uma vantagem considerável na Pensilvânia: 54% contra 45% entre os eleitores que devem votar. Outro indicador relevante é a desaprovação de 57% dos eleitores quanto à condução da pandemia por parte do presidente.

 Junto com Michigan e Wisconsin, a Pensilvânia é um dos três estados do chamado Rust Belt, região que era dominada pela manufatura e cujas economias foram duramente atingidas pela globalização. Trump venceu os três por menos de 1 ponto percentual há quatro anos.

 Em Wisconsin, Biden tem uma vantagem de apenas dois pontos percentuais, dentro da margem de erro do levantamento. Em Michigan, sua liderança é mais confortável: Biden tem 52% das preferências, contra 44% de Trump.

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