Donald Trump e Kamala Harris disputam a presidência dos Estados Unidos em 2024 (AFP/AFP Photo)
Agência de notícias
Publicado em 1 de setembro de 2024 às 09h43.
Última atualização em 1 de setembro de 2024 às 09h44.
Para olhos treinados, a pista inicial de que a corrida presidencial americana havia mudado sensivelmente na segunda quinzena de julho se encontrava no lado esquerdo do palanque do primeiro comício da vice-presidente Kamala Harris após Joe Biden ter sido forçado a abortar sua campanha pela reeleição. Bem à frente, sorridente, destacava-se a senadora Tammy Baldwin.
A advogada e ex-deputada de 62 anos, primeira congressista abertamente lésbica dos Estados Unidos, enfrenta batalha acirrada com o milionário executivo do universo financeiro e filantropo Eric Hovde, 59, republicano decidido a tirá-la de sua cadeira na Casa Alta do Capitólio. Antes de sua aparição no evento de Kamala no ginásio de uma escola no subúrbio de Milwaukee, Tammy tivera “compromissos inadiáveis” que a impediram de aparecer ao lado de Biden em todas as visitas do presidente este ano a Wisconsin, um dos sete estados decisivos do Colégio Eleitoral.
— Tammy faz um ótimo trabalho no Senado, mas não garanto que sairei de casa para votar. Biden não me anima, muito menos aos independentes, e meu voto não faz diferença — acreditava Michael Riordan, 34 anos, na Grande Milwaukee, na semana da Convenção Republicana que confirmou Donald Trump como candidato à Presidência.
O GLOBO ouviu na época a mesma argumentação de mais de uma dezena de eleitores do estado do Meio-Oeste, de idades e perfis diversos. Com razão, o cálculo da senadora era de que o presidente lhe tirava votos. Como não se é obrigado a votar, o desânimo com Biden a privava do apoio de muitos — e cruciais — eleitores. Não mais. O desespero dos candidatos democratas ao Senado foi, não por acaso, um dos fatores centrais na pressão para a saída de Biden.
Pois a lógica, apontam estudiosos das eleições americanas, funciona da mesma maneira no outro lado da moeda, com nomes populares como Tammy aumentando a mobilização por Kamala e anulando trunfo de Trump até então: o desânimo contagioso de Biden. Já candidatos inexperientes, como é o caso de Hovde no Wisconsin e de um punhado de outros republicanos em disputas no Senado, ou extremistas para governos nas unidades da federação mais decisivas, podem ferir de morte as chapas presidenciais.
As pesquisas mostram que é o caso de Mark Robinson, o trumpista notório por insultar, entre outros, judeus, mulheres e pessoas LGBT+, hoje 10 pontos percentuais atrás do democrata Josh Stein nas pesquisas para o governo da decisiva Carolina do Norte. A força de Stein tem se revertido no aumento dos números de Kamala no estado sulista.
Observadas com menos atenção pela mídia, as demais disputas majoritárias em jogo no pleito de novembro nos EUA são, frisa o “oráculo” das pesquisas Larry Sabato, criador da Bola de Cristal da Universidade de Virgínia — que acertou 97% dos resultados desde 2004 —, peças decisivas no singular quebra-cabeças do pleito presidencial.
— Coincidentemente, este ano estão em jogo cadeiras no Senado em estados que Kamala e Trump não podem perder, como Wisconsin. E onde o vitorioso para a Presidência terá vantagem mínima — diz Sabato. — Como o voto cruzado, ou seja, em presidente de um partido e senador de outro, embora permitido, é peça cada vez mais rara em realidade muito polarizada, o caminho para a Casa Branca passa, necessariamente, por determinadas disputas locais.
Apesar de o mapa geral do Senado este ano, quando estão em jogo 34 das 100 cadeiras, favorecer os republicanos — a maioria das disputas ocorre em estados conservadores —, ao se sobreporem os mapas para a Presidência e o Senado [mostrados ao lado], diz Sabato, a maioria das corridas estaduais em estados decisivos ajuda, no momento, a candidata democrata.
Dos sete pendulares, decisivos para o Colégio Eleitoral, há disputa em cinco — Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Nevada e Arizona. Nos dois últimos, os eleitores também decidirão sobre o direito ao aborto. Em todos, a liderança nas pesquisas e na arrecadação de fundos é dos democratas.
Com Biden, as pesquisas mostravam que os candidatos democratas à Casa Alta do Capitólio nos estados decisivos apareciam, sem exceção, à frente do presidente. E com diferença de mais de dois dígitos entre eleitores latinos, negros e mulheres. A entrada de Kamala no jogo, aponta Nate Cohn, analista sênior do New York Times, não só trouxe a base da coalizão democrata de volta para seus braços como aumentou as margens dos candidatos do partido nos estados em que se concentra o investimento de fundos. Tanto que o agregador Real Clear Politics (RCP) mudou, na semana passada, o Wisconsin de Tammy Baldwin, o Arizona de Ruben Gallego, e o Nevada de Jackly Rosen da lista de “indefinidos” para “tendem democrata” no Senado.
Em um mau presságio para os republicanos, em 2016 e 2020, o voto casado para presidente e senador só não se materializou no país uma única vez. Foi quando Susan Collins, republicana antitrumpista do Maine, saiu vitoriosa em estado que votou em Biden. E a Bola de Cristal crava que o voto casado é padrão nos estados decisivos desde a vitória do republicano George W. Bush, em 2000.
Assegurar a maioria no Senado será essencial para Trump ou Kamala. Entre as prerrogativas da Casa está aprovar indicações do Executivo para o Judiciário, incluindo a Suprema Corte. E os republicanos são, de acordo com o RCP, favoritos para vencer, por pouco, em Montana, e assim ficar com 51 cadeiras. Hoje, cada bancada tem 50 votos, com a vice-presidente, que nos EUA também é presidente do Senado, garantindo maioria simples aos democratas.