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Califórnia apresenta proposta para promover reparação histórica por séculos de escravidão

Projeto abrange o sistema carcerário, compensações pela expropriação de terras e discriminação por penteados em competições esportivas

A comissão foi criada em 2020 pelo governador Gavin Newsom após o assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis (Stephen Zenner/AFP)

A comissão foi criada em 2020 pelo governador Gavin Newsom após o assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis (Stephen Zenner/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 3 de fevereiro de 2024 às 09h37.

Após anos de preparação, um grupo de parlamentares da Califórnia apresentou uma proposta muito aguardada e única para reparar os danos causados pela escravidão. A iniciativa consiste em um ambicioso pacote de 14 leis que abordam questões tão diversas quanto o sistema carcerário, compensações pela expropriação de terras, a eliminação de obstáculos para empreender para pessoas com antecedentes criminais e até mesmo a discriminação baseada em penteados em competições esportivas. No entanto, há uma grande ausência: eles deixaram de fora uma de suas propostas mais audaciosas, que era o pagamento em dinheiro aos familiares de ancestrais escravizados.

O conjunto de normas foi revelado nesta quinta-feira, 1º, pelos nove parlamentares que compuseram uma comissão. Esse grupo teve como objetivo investigar e debater qual resposta o Estado poderia oferecer aos séculos de injustiças na era da segregação racial, conhecida como Jim Crow (com leis que impunham a segregação racial no sul dos Estados Unidos). Esta comissão foi criada em 2020 pelo governador Gavin Newsom após o assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis, um crime que exacerbou as tensões raciais nos Estados Unidos.

Durante dois anos e em várias sessões em todo o estado, o grupo ouviu centenas de testemunhos que narravam como o racismo impactou em suas histórias familiares. Embora a Califórnia tenha proibido a escravidão em sua Constituição de 1849, a região não acompanhou isso com punições para os proprietários de escravos, o que permitiu que a prática continuasse.

O processo de trabalho da comissão foi acompanhado de perto por políticos, acadêmicos, economistas e historiadores devido às possíveis repercussões nacionais que suas conclusões poderiam ter. Outros estados, como Colorado, Nova York ou Massachusetts, realizaram exercícios semelhantes, mas ninguém tentou transformar as recomendações em leis. O grupo entregou suas conclusões finais em maio, em dois volumes com mais de 1.600 páginas e 111 recomendações que agora o poder Legislativo deverá aprovar.

"Nosso objetivo é corrigir os males contra as comunidades negras causados por leis e políticas projetadas para restringir e marginalizar os afro-americanos", disse o congressista de Los Angeles, Reginald Jones-Sawyer, um dos membros da comissão. "Esses danos podem ser encontrados na educação, no acesso à moradia e ao financiamento para pequenas empresas, tudo isso contribuiu para negar a riqueza coletiva de uma geração por centenas de anos", acrescentou em um comunicado.

As leis pretendem, por exemplo, limitar o tempo de confinamento solitário para pessoas nas prisões devido aos efeitos que isso pode ter na saúde mental. A norma é semelhante a uma apresentada no ano passado, que fracassou em sua passagem pelo Legislativo. Newsom vetou outra medida semelhante em 2022. O grupo da bancada negra pretende dar nova vida a essa proposta no Congresso estadual.

Apenas uma das iniciativas colocaria dinheiro nas mãos das pessoas afetadas pelo racismo. A proposta do senador local Steven Bradford, de Los Angeles, restabeleceria aos seus donos originais a propriedade de terras que foram expropriadas durante a segregação. Conforme escrita a proposta, os familiares dos afetados teriam direito a uma compensação financeira.

Meio trilhão de dólares

A proposta de Bradford reduz drasticamente o número de beneficiários em um estado que tem 2,6 milhões de negros. Durante meses, a atenção da mídia se concentrou no montante que os membros dessa minoria racial receberiam, correspondendo a 5% da população do estado. A comissão restringiu a proposta e votou para estabelecer requisitos. Apenas aqueles que pudessem traçar diretamente sua linhagem até os tempos de Jim Crow e cujos ancestrais migraram antes de 1900 receberiam dinheiro.

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Alguns economistas que assessoraram a comissão estimaram que o custo total da medida seria de cerca de US$ 500 bilhões, de acordo com as estimativas mais conservadoras. Esse valor era muito superior ao orçamento anual do estado (US$ 297 bilhões), o mais populoso do país.

Os membros da comissão estimaram que um residente negro do estado receberia cerca de US$ 2.352 anuais como compensação pela perseguição policial e a superpopulação de negros nas prisões entre 1971 e 2020. Outro cálculo atribuiria US$ 3.366 às pessoas em bairros negros para compensar anos de racismo dos bancos e instituições que negaram empréstimos hipotecários entre 1930 e 1970. A redução na expectativa de vida as tornaria elegíveis a US$ 13.619 por ano de residência. Dessa forma, um habitante da Califórnia de 70 anos poderia receber até US$ 1,2 milhão.

O governador Newsom, que enfrenta um déficit orçamentário nos próximos anos, não acredita que a reparação deva ser coberta com dinheiro. Em uma entrevista ao canal conservador de notícias Fox News, o governador afirmou no ano passado que o objetivo da comissão não era emitir cheques, mas corrigir injustiças sistêmicas do racismo, que poderiam ser abordadas "de diferentes maneiras".

As palavras do governador foram adotadas pelos membros do grupo de trabalho. A congressista Lori Wilson, da cidade de Suisun, afirmou nesta quinta-feira que é um erro associar "diretamente as reparações a pagamentos em dinheiro". "O verdadeiro significado da palavra reparar envolve muito mais coisas", assegurou a parlamentar, que preside a bancada negra no Congresso local. Este ainda tem um longo caminho a percorrer para aprovar as leis.

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