Mundo

Caçadores de cogumelos enfrentam até radiação de Chernobyl

Cogumelos que apareceram na área da usina fascinaram os ucranianos graças a relatos de que são absurdamente grandes

Cogumelos são encontrados em Kiev durante outono ucraniano (Barcroft Media/Getty Images)

Cogumelos são encontrados em Kiev durante outono ucraniano (Barcroft Media/Getty Images)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 13 de dezembro de 2020 às 11h37.

Última atualização em 13 de dezembro de 2020 às 11h45.

Valery Kravchuk, experiente caçador de cogumelos, afastou algumas folhas mortas para revelar seu prêmio: um lindo espécime do gênero Amanita. "Os cogumelos são como ímãs para mim. Eu os sinto", disse ele.

Nesta época do ano, os ucranianos saem de carro por estradas rurais, estacionam ao lado de uma floresta e nela se embrenham, no passatempo com o maior distanciamento social do mundo: a caça ao cogumelo.

Por acaso, o país teve uma farta safra de cogumelos num ano em que sua coleta continua sendo uma das poucas atividades para quem quer sair de casa e evitar outras pessoas.

Biólogos ucranianos relacionaram a abundância agora a um verão seco seguido de um outono extraordinariamente quente e uma primeira geada tardia, que só veio no fim de novembro. "Todos os cogumelos que deveriam crescer a partir de julho se desenvolveram em um mês e meio neste outono", explicou Zinaida Kosynska, micologista e autora de guias de cogumelos ucranianos.

"Tem sido incrível", comemorou Emilia Koleda, caçadora de cogumelos profissional que vende o que coleta no acostamento de uma rodovia nos arredores de Kiev, a capital. Ela estava ao lado de sete baldes de cogumelos do gênero Boletus, uma iguaria de fim de temporada que disse ter pegado durante apenas uma única excursão florestal. Em anos passados, três baldes eram considerados um bom dia.

A bonança dos cogumelos foi um golpe de sorte em um país pobre, onde eles são a base da alimentação para algumas famílias, enquanto outras complementam sua renda colhendo para a venda.

Koleda disse que não havia outras possibilidades de ganhar dinheiro por causa dos bloqueios. Com a renda obtida, ela comprou lenha para se aquecer no inverno e tudo de que seus netos precisavam para a escola. "Os cogumelos salvaram muitas pessoas este ano. A natureza nos ajudou a enfrentar a quarentena", comentou ela.

Na Ucrânia, uma fila de carros estacionados na beira da estrada no meio do nada é um sinal de que os caçadores estão por perto, andando silenciosamente entre as árvores, carregando pequenas facas para coletar os cogumelos.

"É minha maneira de estar na natureza", disse Andriy Hrybovskyi, cujo sobrenome na verdade se traduz como cogumelo, um sinal das raízes profundas da atividade na Ucrânia.

Ele conhece alguns pontos em uma floresta que visita depois do trabalho, onde respira ar fresco e encontra seu jantar.

O conhecimento dos locais na floresta onde os cogumelos crescem é a moeda dos caçadores de cogumelos, profissionais e amadores, e essa informação é um segredo bem guardado.

Quando perguntado sobre esses locais, a etiqueta para um caçador de cogumelos ucraniano bem educado é descrever alguns pontos falsos, de modo que ele não pareça rude, mas sem revelar onde os cogumelos realmente estão. Os ucranianos que começaram a marcar essas áreas no Google Maps são vistos como traidores da tradição.

Muitas famílias ucranianas nomeiam um provador, em geral alguém profundamente versado nas várias espécies e que sabe quais evitar. O provador vai testar a colheita um dia antes de todos os outros, por precaução. É uma tradição sombria, mas necessária.

Viktoria Ganzha, de Poltava, no leste da Ucrânia, que é a provadora de sua família, esteve ocupada em 2020. Ela descreveu essa atividade como a de um sapador, o primeiro soldado a entrar em um campo minado. "Sou a desarmadora de minas", brincou ela.

O governo ucraniano relatou um aumento nos envenenamentos em 2020, a desvantagem da abundância de cogumelos. Em meados de novembro, 289 pessoas haviam sido envenenadas e 11 tinham morrido, segundo o governo.

As autoridades monitoram de perto outro perigo na Ucrânia: os cogumelos radioativos colhidos na região ao redor de Chernobyl. A colheita na área é ilegal, mas os cogumelos que apareceram na área da usina neste outono fascinaram os ucranianos graças a relatos de que são absurdamente grandes, o que se encaixa no estereótipo dos efeitos da radiação, e de que a safra é boa.

Os catadores profissionais também estão encontrando uma abundância do cogumelo comum do gênero Amanita.

Viktor Klimov, catador profissional nas florestas de pinheiros no norte da Ucrânia, é especialista nos Amanita muscaria. Os cogumelos vermelhos com pintas brancas são venenosos, mas se acredita que tenham qualidades medicinais em pequenas doses, incluindo o fortalecimento do sistema imunológico. Os cogumelos secos desse gênero são muito procurados. "Nunca vi tantos dessa espécie em toda a minha vida", disse Klimov sobre esta temporada.

As florestas de pinheiros onde Klimov trabalha são cobertas de musgo, o que silencia os passos dos caçadores. Nessas florestas, cada palavra falada parece um crime. Os caçadores conversam apenas em sussurros.

Os cogumelos gostam do clima quente e chuvoso, mas não em excesso. Precisam de equilíbrio – e esse é exatamente o sentimento que aqueles que os coletam também procuram, particularmente neste ano instável.

Kravchuk, que estava caçando os Amanita, dirige lentamente pela estrada lamacenta e difícil que leva ao seu local preferido – um bosque de carvalhos de cem anos entre campos agrícolas. Ele acredita que os cogumelos preferem uma atmosfera calma.

Embora goste de colhê-los, Kravchuk não os come. Quando voltou para casa, mordiscou alguns como precaução, e depois os guardou, para que sua família faça conservas ou os frite com batatas e cebolas.

Acompanhe tudo sobre:ChernobylUcrânia

Mais de Mundo

Mercosul precisa de "injeção de dinamismo", diz opositor Orsi após votar no Uruguai

Governista Álvaro Delgado diz querer unidade nacional no Uruguai: "Presidente de todos"

Equipe de Trump já quer começar a trabalhar em 'acordo' sobre a Ucrânia

Irã manterá diálogos sobre seu programa nuclear com França, Alemanha e Reino Unido