Xenofobia: em algumas áreas do Reino Unido com forte presença de imigração polonesa os moradores encontraram panfletos que diziam "Deixamos a UE. Acabou a praga polonesa" (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de junho de 2016 às 12h52.
Londres - O triunfo do "Brexit" levou a uma série de incidentes de caráter xenofóbico contra comunidades de imigrantes em vários lugares do Reino Unido, o que forçou o governo a anunciar um próximo plano de ação para erradicar esses ataques.
No referendo da última quinta-feira, 51,9% dos britânicos se pronunciaram em favor da ruptura com Bruxelas, em um país que abriga atualmente 3,3 milhões de cidadãos comunitários.
Em algumas áreas do Reino Unido com forte presença de imigração polonesa, como na cidade de Huntingdon, no condado inglês de Cambridgeshire, os moradores encontraram panfletos que diziam em inglês e em polonês "Deixamos a UE. Acabou a praga polonesa", de acordo com fotografias divulgadas pela imprensa.
Em Londres, a Polícia Metropolitana está investigando as pichações de caráter xenofóbico encontradas em um centro comunitário cultural polonês no bairro de Hammersmith, no sudoeste da cidade, e a Scotland Yard confirmou hoje mesmo a detenção de um homem de 41 anos no norte da capital por "incitar o ódio racista" nas redes sociais.
O Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, por sua vez, contabilizou nos últimos dias uma centena de "incidentes de ódio" e pediu à ministra do Interior, Theresa May, que aprofunde as condições de segurança dos imigrantes.
Diante da proliferação de surtos de violência xenofóbica, o primeiro-ministro David Cameron afirmou hoje no parlamento que o Executivo planeja anunciar "em breve" um plano de ação com o objetivo de dar um fim a esses ataques "horrorosos", mas não revelou os detalhes.
O professor de política internacional Simon Philpott, da Universidade de Newcastle, no norte da Inglaterra, responsabilizou em parte a campanha realizada pelos partidários do "Brexit" por ter "exacerbado" os focos de racismo no país.
O especialista disse à Agência Efe que teme que as expectativas para que haja "níveis baixos, ou até zero, de imigração" contribuirão para "piorar" essa situação.
"Considero que as manifestações públicas de racismo serão mais comuns e mais extremas", antecipou o analista, após argumentar que o "tom" do debate dos partidários da saída da UE "legitimou os pontos de vista racistas".
Para Philpott, figuras como o ex-prefeito de Londres, o conservador Boris Johnson, e o líder do eurocético UKIP, Nigel Farage, foram "particularmente lamentáveis" durante a campanha.
O romeno Radu Cinpoes, chefe do Departamento de Política, Direitos Humanos e Relações Internacionais da Universidade de Kingston, em Londres, vinculou a proliferação desses incidentes racistas à "campanha de medo" contra os imigrantes feita pelos partidários do "Brexit" e pela imprensa conservadora do país.
Cinpoes, palestrante convidado do centro cultural romeno em Londres, opinou que as publicações "de ideologia de direita" nacionais "desenvolveram continuamente uma campanha de temor, na qual demonizaram o imigrante", e que agora esses incidentes "não surpreendem".
Além disso, muitos eleitores do "Brexit" contavam com uma "mudança imediata" nos níveis migratórios no país após o referendo, o que é "muito pouco provável" no curto prazo, disse Cinpoes à Efe.
De acordo com esse raciocínio, essa "decepção" poderia "alimentar" de alguma maneira os surtos xenofóbicos, pois seus autores encontram "legitimidade" em seus atos à luz do resultado do referendo.
Para o especialista em Ciência Política da Universidade de Bristol, no oeste da Inglaterra, Mark Wickham-Jones, a campanha pela saída da UE "ultrapassou os limites do que são argumentos aceitáveis em política" e o governo deve agora "enviar um sinal claro que indique que a xenofobia é inaceitável".
Quanto ao efeito psicológico que muitos dos estrangeiros vêm sofrendo após o referendo, o polonês Marek Komaga admitiu para a Efe que o "Brexit" lhe causou "perplexidade" e "desgosto" e uma sensação de que "não era bem-vindo" no país.
Após mais de dez anos vivendo no Reino Unido e trabalhando na 'City' de Londres, o centro financeiro da capital, Komaga afirmou que a situação é "particularmente triste em um país que nos últimos anos se distinguia por sua mentalidade aberta em relação à sociedade".
A Associação de Diretores de Colégios de Londres (NAHT, sigla em inglês) também revelou sua inquietação em uma carta direcionada ao governo, na qual ressaltou que alguns dos alunos "estão preocupados com a possibilidade de serem obrigados a deixar o país".
Já o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al Hussein, pediu a ação das autoridades britânicas "para impedir esses atos xenofóbicos" e "assegurar que todos os suspeitos de racismo e de ataques contra estrangeiros sejam processados".