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Brasileiros crescem na política dos EUA e alcançam cargos como prefeito e deputado

Filhos de imigrantes, eles agora querem atrair mais pessoas do Brasil para a política americana

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 21 de setembro de 2024 às 06h04.

Chicago, Estados Unidos - “Quando entro na Câmara de Massachusetts, muitas vezes penso ‘poxa, de Ipatinga para o mundo’”, comenta Priscila Sousa, deputada estadual democrata. Nascida em Minas Gerais, ela faz parte de um pequeno grupo de brasileiros que entraram para a política nos Estados Unidos nos últimos anos e venceram eleições pelo Partido Democrata. Eles querem ajudar Kamala Harris a vencer a disputa presidencial e buscam atrair mais cidadãos de origem brasileira para disputar eleições nos Estados Unidos.

Com 1,9 milhão de pessoas, segundo dados do Itamaraty, a comunidade brasileira nos Estados Unidos é uma das maiores entre os grupos de expatriados no país. Há grandes comunidades brasileiras em estados como Massachusetts e Connecticut, no noroeste do país, que foram crescendo nas últimas décadas — além, é claro, da Flórida, um destino mais recente da emigração nacional.

Agora, pela primeira vez, brasileiros que chegaram como crianças ao país e obtiveram a cidadania americana estão sendo eleitos para cargos mais altos do governo do país.

Roberto Alves é um deles. Ele nasceu em Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro, veio quando criança para os Estados Unidos com os pais e, em 2023, foi eleito prefeito de Danbury, cidade de 86 mil habitantes no oeste de Connecticut, perto da fronteira com o estado de Nova York. Foram seis anos na política até chegar ao posto atual.

"Em 2017, eu consegui virar cidadão americano e queria ajudar a cuidar dos imigrantes, dar voz para todo mundo que não tinha, ainda mais no clima político daquela época nos Estados Unidos", diz Alves, que conversou com a EXAME durante a Convenção Nacional Democrata, em Chicago, em agosto.

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"A gente escutava aquela conversa, de ele [Donald Trump] falando de imigrante ser criminoso, fornecedor de drogas, estuprador. Isso não é verdade. Não é a história do imigrante. Eu fui criado em um bairro de imigrantes e todo mundo era trabalhador e queria o melhor para as famílias deles", afirma Alves.

"Minha mãe trabalhava com contabilidade, mas a vida estava difícil lá no Brasil e vieram para cá. Limparam chão, banheiro, trabalharam em construção. A vida não foi fácil para eles, mas nunca desistiram de dar uma vida melhor para mim e para minha irmã", diz. Sua irmã trabalha como empresária e Alves atuava como engenheiro técnico antes de entrar na política.

O brasileiro concorreu para conselheiro (vereador) da cidade em 2017, mas perdeu. Ele tentou de novo em 2019, venceu e se tornou vereador de Danbury. No entanto, ficaria pouco tempo no cargo. Dois anos depois, tentou ser prefeito e não conseguiu. De novo, só venceu na segunda tentativa: em 2023, conquistou a prefeitura de Danbury, colocando fim a 22 anos de domínio republicano na cidade.

Ao tomar posse, ele diz ter encontrado uma situação pior do que a esperava, com um orçamento curto, auditorias atrasadas e dívidas com juros altos. No cargo, Alves vem renegociando as coisas para colocar as finanças em ordem e poder voltar a investir em áreas como a educação. "Quem estava no poder não tinha filhos em escolas públicas. Eu tenho dois filhos nelas", diz.

Apoio a Kamala Harris

Alves e outros dois deputados estaduais brasileiros, Farley Santos e Priscila Sousa, avaliam que a troca de Joe Biden por Kamala Harris na disputa presidencial animou o Partido Democrata, e que vêem a legenda com mais espaço para debates.

"O partido é uma mistura de pessoas. A gente não tem de se entender 100% das vezes, mas temos que escutar o outro com respeito. O Partido Republicano é outro lado disso, é um culto. Ele falou, acabou", diz Alves, se referindo ao domínio do ex-presidente Donald Trump sobre o partido.

Deputado estadual de Connecticut e amigo de Alves, Farley Santos avalia que Kamala poderá atrair mais votos entre a comunidade de brasileiros com cidadania americana por também ser filha de imigrantes. "A gente pode reconhecer nela a nossa história", aponta.

Santos nasceu em Minas Gerais e veio para os Estados Unidos com sete anos. "Minha família sempre esteve envolvida na política lá no Brasil. E aqui, para mim, entrar na política foi uma forma de fazer parte da comunidade", afirma.

"No Brasil, temos um sistema bom, mas a corrupção sempre foi um problema. Mesmo quando meus avós eram prefeitos da cidadezinha de onde viemos, no interior de Minas Gerais, ouvia-se casos. Aqui é mais difícil para as pessoas serem corruptas", diz. "Aqui, um deputado estadual não é remunerado como no Brasil. O salário é muito pouco e a pessoa tem de ter outro tipo de carreira."

Roberto Alves e Farley Santos, políticos de origem brasileira e filiados ao Partido Democrata (Rafael Balago/Exame)

Voto dos imigrantes

Um fenômeno recente que tem movimentado o debate político americano é o voto de eleitores de origem imigrante em candidatos conservadores — e, em alguns casos, anti-imigração. Tradicionalmente, esses eleitores votavam com o partido democrata. Para a deputada estadual Priscila Santos, de Masssachussets, uma das razões para isso são as diferenças culturais.

"De acordo com organizações como a Voto Latino, a forma como estamos apresentando os argumentos faz sentido para a mentalidade americana, mas não para a nossa mentalidade. A questão do aborto, por exemplo. Nós, culturalmente, cremos que o aborto é uma questão privada que se discute em casa. Quando se argumenta assim, os eleitores latino-americanos acreditam que é uma abordagem pró-choice (a favor de permitir o aborto), enquanto os americanos entendem que é uma questão pro-life (anti-aborto). Então, é uma questão de tentar enquadrar a narrativa para uma forma diferente de ver o mundo", diz Sousa.

A deputada avalia que, para atrair mais eleitores latinos para votar, é preciso aumentar o número de pessoas de origem estrangeira na política. "Precisamos ter mais brasileiros eleitos a cargos públicos aqui. Quando os brasileiros e nossos filhos se veem nos lugares onde as decisões estão sendo tomadas, no Legislativo, no Executivo, gera uma curiosidade e vai ter um efeito não só nas futuras gerações, mas nos brasileiros que estão jurando à bandeira americana agora", diz ela, sobre os imigrantes que estão se tornando cidadãos dos EUA e, com isso, garantindo o direito a votar no país.

Ela disputou sua primeira eleição aos 28 anos: tentou ser prefeita de Framingham, cidade nos arredores de Boston com uma grande população de origem brasileira. Não conseguiu, mas recomeçou na política com passos menores, como integrar um comitê escolar e, depois, ser vereadora de Framingham, onde chegou ao cargo de presidente da Câmara Municipal.

Priscila Sousa, deputada estadual por Massachussets (Luciano Padua/Exame)

No cargo de deputada desde 2023, ela tem buscado ajudar a aumentar as proteções previstas em lei. "Depois da Presidência de Donald Trump, vimos que temos que usar a autonomia dos estados para proteger os cidadãos, especialmente as mulheres. Temos feito um trabalho para codificar algumas decisões da Suprema Corte e incluí-las na lei de Massachusetts. Assim, se tiver alguma mudança de decisão da Suprema Corte, Massachusetts continua sendo o que chamamos de santuário, liberal em tudo", diz, citando casos como o que a Suprema Corte retirou o direito ao aborto em 2022.

Os três brasileiros entrevistados dizem que ainda é cedo para pensar nos próximos passos e que uma das prioridades é atrair mais brasileiros com cidadania americana para entrar na política. "Estamos trocando figurinhas e tentando criar o Brazilian Caucus (grupo parlamentar) dentro da Câmara estadual de Massachusetts, e pensar como podemos recrutar outros brasileiros para se candidatarem”, diz Sousa.

Nas eleições de novembro, Sousa buscará a reeleição, mas não tem concorrente. As eleições legislativas nos Estados Unidos são distritais, e cada parlamentar disputa os eleitores apenas de determinada região. "Estamos usando este tempo para ajudar em outras campanhas e para recrutar brasileiros e começar uma preparação, para que eles observem como as campanhas funcionam e, daqui a dois anos, estejam preparados para se candidatarem", diz a deputada.

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