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Brasil e EUA finalmente atuam juntos em etanol

As duas nações têm pressionado governos estrangeiros para criar novos mercados na África e na América Latina, planejando "road shows" conjuntos

Etanol, em frasco de laboratório (Arquivo)

Etanol, em frasco de laboratório (Arquivo)

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Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2012 às 18h20.

São Paulo - Após anos de atritos, o Brasil e os Estados Unidos se uniram para promover o uso de etanol numa colaboração que pode revolucionar os mercados mundiais e os padrões do biocombustível.

O ponto de virada aconteceu em janeiro, quando os EUA permitiram que um subsídio de três décadas a produtores norte-americanos de etanol expirasse e deram fim a uma tarifa exorbitante sobre biocombustíveis de produção estrangeira. Essa tarifa, particularmente, prejudicou as relações entre os dois maiores produtores de etanol do mundo durante anos.

Desde então, executivos da indústria e autoridades do governo de ambos os países viram um progresso tangível em esforços para incentivar a produção e o consumo de etanol em todo o mundo, disseram eles à Reuters.

As duas nações têm pressionado governos estrangeiros para criar novos mercados na África e na América Latina, planejando "road shows" conjuntos para atrair novos investimentos em empresas de biocombustíveis, e defendendo um padrão uniforme mundial para o etanol, o que facilitaria a comercialização do biocombustíveis entre países.

Os resultados podem demorar anos, mas autoridades dizem que a colaboração pode dar nova vida a uma indústria que enfrenta um futuro incerto devido a quedas crônicas na produção e dúvidas sobre os benefícios ambientais de muitos biocombustíveis.

"Acredito que há um claro sentimento agora de que deveríamos colaborar em vez de brigar um com o outro", disse o governador do Estado norte-americano de Iowa, maior produtor de etanol do país, Terry Branstadt.


Após uma reunião em julho com autoridades brasileiras, "fui bastante encorajado pelo que ouvi", disse ele em entrevista. "Quanto mais cooperarmos, mais podemos elevar a demanda mundial pelo que produzimos." O chefe da respeitada consultoria brasileira Datagro, Plinio Nastari, disse que seria "muito prematuro" medir o impacto de um esforço conjunto dos dois maiores produtores de etanol para estimular a demanda, mas que a cooperação entre os dois países seria algo alentador.

Brasil e os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 85 por cento da produção mundial de etanol, o que significa que eventos não recorrentes como a atual seca nos EUA podem gerar fortes oscilações na oferta --e nos preços.

"Isso impede que o etanol se torne uma commodity amplamente negociada", disse Nastari.

Muitas das ideias de colaboração datam de um acordo bilateral em 2007 assinado pelos governos brasileiro e norte-americano. Mas o progresso foi lento até este ano, já que diplomatas e outras autoridades gastavam tempo travando disputas, em vez de buscarem maneiras de trabalhar juntas.

"Infelizmente, a questão tarifária impossibilitou o avanço de muitos desses (assuntos)", disse a diretora de Relações Internacionais da Unica, principal associação da indústria de cana brasileira, Geraldine Kutas. "As condições estão certas, agora. Esse é o momento da verdade".

Através dos trópicos - O esforço mais promissor é também o que mostrou o progresso mais visível: tentar conseguir que países na América Central, no Caribe e na África produzam e consumam mais etanol.

Autoridades do Departamento de Estado, do Departamento de Energia e do setor privado dos EUA, e seus equivalentes brasileiros, têm colaborado para convencer outros governos dos benefícios do etanol.

"Estamos tentando mostrar a outras nações o que o etanol significou para nossas economias", disse o governador de Iowa. "Em nosso Estado, o biocombustível ajudou a elevar a renda de fazendeiros e reduzir nossa dependência sobre o petróleo estrangeiro. Essas são ideias com forte apelo." A cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol produzido no Brasil, já é cultivada em muitos dos países vistos como possíveis produtores do biocombustível.

A cana produz mais energia do que consome durante o processo de produção de etanol, ao contrário do milho, base do etanol norte-americano.

O etanol de cana representa um apelo óbvio para países pequenos e pobres que importam a maior parte de sua energia a custos enormes. Honduras, por exemplo, gastou 2,1 bilhões de dólares --12 por cento de seu Produto Interno Bruto (PIB)-- em importações de combustíveis em 2011.


Entretanto, produtores e outros investidores geralmente se recusam a construir fábricas de etanol e outros projetos de infraestrutura a menos que tenham um mercado doméstico garantido.

"E a implementação dessa estrutura é bastante técnica e difícil", disse Kutas, da Unica.

Um exemplo: na década de 1980, a Guatemala aprovou uma lei exigindo uma mistura de etanol na gasolina, mas raramente a aplicou por conta de gargalos que incluem uma lei diferente limitando a quantidade de cana que pode ser utilizada na produção de biocombustíveis.

Para resolver esses problemas, os governos brasileiro e norte-americano ajudaram a financiar e a produzir estudos da capacidade de países para criar e sustentar a produção de etanol. Honduras, Guatemala e El Salvador são as nações que realizaram maior progresso, dizem diplomatas.

"Temos contatos importantes em muitos desses países, mas os brasileiros têm experiência nisso", disse uma autoridade dos EUA que exigiu anonimato porque as negociações são sensíveis politicamente. "Quando trabalhamos em conjunto, como temos feito nos últimos tempos (...), é bastante poderoso."

Próxima fronteira: Cuba - O Brasil e os Estados Unidos intensificaram seus esforços nos últimos meses. Programas piloto relacionados a etanol com o objetivo de apresentar o biocombustível a consumidores devem começar em três países, começando em Honduras no início de 2013, disse outra autoridade norte-americana.

Para acelerar o processo, o Brasil e os Estados Unidos estão planejando apresentações nos próximos meses para atrair novos investidores interessados em projetos relacionados a biocombustíveis nos três países, dizem autoridades.

A crescente influência diplomática brasileira teve um papel crítico para abrir portas em países onde a nação tem profundas conexões estratégicas ou culturais, como Senegal, Moçambique e Haiti. E o Brasil tem ferramentas únicas para exercer influência em Cuba.

A indústria do açúcar em Cuba, que já foi poderosa, deteriorou-se nas últimas décadas sob o governo comunista, mas o economista da Rice University Ron Soligo disse que o país tem o potencial para se tornar o terceiro maior produtor de etanol do mundo, atrás dos Estados Unidos e do Brasil.

Embora os Estados Unidos tenham tido pouco contato diplomático com Cuba nas últimas cinco décadas, o Brasil tem um histórico de laços políticos e econômicos mornos com a nação caribenha. A presidente Dilma Rousseff visitou Havana em janeiro e falou sobre como o Brasil pode auxiliar Cuba a desenvolver sua economia.

A produção em larga escala de etanol é considerada amplamente um tabu em Cuba, parcialmente porque o ex-presidente Fidel Castro denunciou-a como uma ideia "sinistra" que eleva os preços mundiais de alimentos. Mas algumas autoridades brasileiras dizem que essa postura pode mudar dramaticamente com a saída do líder de 86 anos da política.

"Todos sabem que Cuba é uma fonte de etanol esperando para acontecer", disse uma autoridade brasileira que pediu anonimato.


Trocas Separadamente, o Brasil e os Estados Unidos estão lidando com obstáculos que impediram que o etanol se tornasse uma commoditiy negociada globalmente como o petróleo.

Os únicos contratos futuros de etanol negociados na bolsa de Chicago dizem respeito à variedade produzida nos EUA a partir de milho. Como resultado, empresas norte-americanas que compram etanol brasileiro precisam fazê-lo por meio de corretoras ou da compra de formas complexas de seguros para limitar seus riscos --todas as quais fazem com que os acordos sejam mais caros.

A principal dificuldade: o Brasil exige níveis mais altos de pureza para o etanol do que os Estados Unidos. Essa ausência de um padrão global criou uma série de outros problemas, como atrasos no desenvolvimento de carros flex universais que podem fazer uso de etanol e gasolina.

Mas autoridades de ambos os países dizem que técnicos realizaram progresso significativo em direção a um padrão comum nos últimos meses.

"Estamos bastante próximos, agora", disse uma autoridade dos EUA, adicionando que o foco das negociações transferiu-se agora para a Europa, onde as negociações têm sido mais controversas.

Ao mesmo tempo, uma torrente de colaborações entre o Brasil e os EUA surgiu no setor privado à medida que companhias tentam desenvolver biocombustíveis mais eficientes a partir de uma variedade de fontes.

O etanol brasileiro produzido a partir de cana é visto como um solo mais fértil para inovação, enquanto companhias norte-americanas têm mais recursos para pesquisa e desenvolvimento.

A fabricante norte-americana de aeronaves Boeing e a brasileira Embraer anunciaram planos em outubro de construir um centro de pesquisa para o desenvolvimento de biocombustíveis para aviação.

Um vôo de demonstração com combustíveis renováveis produzidos pela Amyris foi realizado durante uma grande conferência ambiental da Organização das Nações Unidas, no Rio de Janeiro, em junho.

A Solazyme está envolvida nos esforços norte-americanos relacionados a biocombustíveis. A empresa sediada no sul de San Francisco, na Califórnia, inaugurou uma unidade de óleos renováveis feitos a partir do açúcar da cana, em parceria com a Bunge.

Autoridades brasileiras e norte-americanas têm se reunido frequentemente para auxiliar das companhias dos dois países.

"Os (norte-)americanos parecem estar aqui quase toda semana", disse o porta-voz da Unica Adhemar Altieri. "Estamos ouvindo quase tanto inglês quanto português recentemente".

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