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'Brasiguaios' despertam a ira dos sem-terra no Paraguai

Os camponeses estão acampados em condições miseráveis à beira da estrada e planejam ocupar as plantações

De acordo com os camponeses, as terras foram vendidas aos brasileiros pelo ex-ditador Alfredo Stroessner ilegalmente
 (Norberto Duarte/AFP)

De acordo com os camponeses, as terras foram vendidas aos brasileiros pelo ex-ditador Alfredo Stroessner ilegalmente (Norberto Duarte/AFP)

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Da Redação

Publicado em 23 de dezembro de 2011 às 18h23.

Ñacunday - Os "brasiguaios", prósperos fazendeiros de origem brasileira, que possuem as terras mais férteis na zona fronteiriça do Paraguai com Argentina e Brasil, vivem sob os olhares de 5 mil camponeses "sem terra" que se dizem dispostos a invadi-los alegando "soberania" sobre estas terras.

"Aqui pode haver um massacre. Não vamos poder evitar um derramamento de sangue. Vamos brigar centímetro a centímetro por esta terra", afirmou à AFP em língua guarani Rosalino Casco, um dos líderes do grupo, que reúne milhares de "sem terra".

Casco está instalado desde setembro em um acampamento junto a outros 5 mil camponeses - em condições miseráveis e sob um sol escaldante - à beira de uma estrada de terra que divide extensas plantações de soja, propriedade de latifundiários "brasiguaios".

Os "brasiguaios" são poderosos agricultores de origem brasileira que ocupam há cerca de 40 anos as terras desta região do Alto Paraná (leste), outrora uma selva impenetrável e convertida por eles em uma região agrícola.

A zona de conflito localiza-se em Ñacunday, nome de um rio que desemboca no caudaloso rio Paraná, que divide o Paraguai do Brasil, ao norte, e da Argentina, ao sul.

As plantações pertencem em sua maioria ao "rei da soja", como denominam o agricultor brasileiro Tranquilo Favero, um dos pioneiros na colonização destas terras e produtor de soja, um grão cada vez mais cotado no mundo.


Favero cultiva cerca de 400 mil hectares nesta região, dos quais 110 mil seriam "terras do governo que conseguiu por favores do ex-ditador Alfredo Stroessner", que governou o Paraguai entre 1954 e 1989, denunciou o líder camponês Casco.

Estas terras possuem atualmente um valor de 10 mil dólares por hectare, as mais caras do país.

Os cultivos de soja cobrem grande parte de 10 departamentos dos 17 que o país possui e foi o primeiro produto de exportação do Paraguai em 2010, com 8.500.000 toneladas. Estima-se que a safra 2011, que será colhida em abril de 2012, produzirá cerca de 10 milhões de toneladas.

O Paraguai é o quarto exportador de soja no mundo, atrás de Brasil, Estados Unidos e Argentina, o que aumentou mais de 14% de seu PIB do ano passado, segundo dados oficiais.

O cultivo da soja, por sua alta rentabilidade, atraiu milhares de agricultores brasileiros, cuja população junto a descendentes é estimada em 500 mil no Paraguai.

A penetração maciça destes agricultores alarmou o governo do presidente Fernando Lugo, que aprovou no Congresso uma lei que proíbe a venda de terras a estrangeiros a até 50 km da fronteira.

As invasões dos camponeses "sem terra" nas propriedades destes poderosos agricultores se tornou comum nos últimos anos.

O produtor de soja Valter Mesh, da localidade de Iruña, na região do Ñacunday, disse que os conflitos constantes e a insegurança os desgasta. "Não se pode trabalhar mais assim", afirma.

Os fazendeiros acreditam que as invasões de terras são facilitadas pelo próprio governo para impedir sua expansão.

O grupo de Casco advertiu que seu próximo objetivo é ocupar 61 mil hectares cultivados por Favero, o "rei da soja", alegando que, na realidade, são terras do governo.

"Favero compra tudo, até a justiça. Eles mandam tudo o que arrecadam para o Brasil, depois de desmatar nossas florestas", denunciou o líder camponês Vidal León.

O presidente do Instituto da Terra (Indert), Marciano Barreto, propôs que fazendeiros e camponeses meçam as terras e revisem a legalidade dos títulos de propriedade.

"Não serve que nos mostrem apenas os títulos atuais, que datam de alguns anos. Estamos quase certos de que foram vendidas de forma fraudulenta terras que pertencem ao Estado", acrescentou Barreto.

Concepción Rodríguez, prefeita de Santa Rita, epicentro dos colonos, propõe "que seja feita uma medição fazenda por fazenda, título por título".


Barreto respondeu que não é possível. "Se quisermos ser transparentes temos que ir à origem. Ninguém vai sair das terras que ocupam. Mas há excedentes que são do Estado", advertiu o funcionário, admitindo que muitas destas terras foram "usurpadas por muitos estrangeiros".

Os fazendeiros questionam Barreto e o governador José Ledesma, apontado por eles como o "braço executor" das invasões dos camponeses "sem terra".

"Favero tem 3 milhões de hectares no país e ninguém liga para isso. Atropela nossa soberania, enquanto os paraguaios têm que andar perambulando sem um título de propriedade. Eu sou apenas um intermediário entre as pessoas necessitadas e o presidente", defendeu-se Ledesma.

Necildo Marini, genro de Favero, disse à AFP que "até o próprio presidente Lugo viu nossos títulos. Esteve conosco até o próprio embaixador do Brasil (em uma audiência no palácio de Governo). Esteve o chanceler (Jorge Lara) e o procurador da Nação. Tudo o que temos é legal, tudo é autêntico".

Um dos fazendeiros, Elio Cecon, disse à AFP que defenderá sua propriedade "até o último minuto. Esta propriedade foi comprada pelo meu pai em 1973. É o fruto de muito sacrifício", explicou.

A cerca de 500 metros do acampamento dos camponeses, cerca de 200 integrantes da polícia antimotins tentam manter a ordem e evitar as ocupações de terras.

"Não sabemos a hora nem o dia, mas vamos entrar a qualquer momento (para ocupar as plantações). Se for preciso lutar, vamos lutar. Se não vamos servir para defender a nossa terra, é melhor que nos convertam em uma província do Brasil", concluiu Casco com energia.

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