Jovens ativistas do grupo Muslim Talba Mahaz protestam contra ataques aéreos do Irã, em 18 de janeiro de 2024, em Islamabad (Joe STENSON, com Ashraf KHAN, em Karachi/AFP Photo)
Agência de notícias
Publicado em 19 de janeiro de 2024 às 14h00.
Os bombardeios iranianos no Paquistão e a resposta paquistanesa em solo iraniano contra redutos de grupos insurgentes esta semana criaram um novo foco de tensão em uma região que já está em brasa, dizem analistas.
"Nenhum dos dois lados havia lançado esse tipo de ataque anteriormente", disse à AFP Nausheen Wasi, professora de Relações Internacionais da Universidade de Karachi, preocupada com o risco de uma "escalada".
O Paquistão, o único país muçulmano com armas nucleares, e a vizinha República Islâmica do Irã enfrentam grupos insurgentes há décadas ao longo dos 1.000 quilômetros de fronteira em comum.
Na terça-feira, 16, o Irã anunciou que bombardeou posições do "grupo terrorista" Jaish al Adl em território paquistanês. O Paquistão retaliou na quinta-feira, bombardeando bases de separatistas paquistaneses da etnia baluchi em território iraniano.
O ataque iraniano deixou duas crianças mortas, segundo Islamabad, enquanto pelo menos nove pessoas, incluindo quatro crianças e três mulheres, morreram nos bombardeios paquistaneses, segundo a imprensa estatal iraniana.
Nesse contexto, o Paquistão também chamou de volta seu embaixador no Irã e proibiu o retorno do enviado iraniano a Islamabad.
Cada lado acusa o outro de não ser capaz de controlar os grupos armados que operam a partir do território vizinho.
Esses bombardeios se somam às múltiplas crises no Oriente Médio, começando pela guerra entre Israel e o Hamas em Gaza, deflagrada em 7 de outubro pela sangrenta incursão de milicianos islamistas no sul de Israel.
O agravamento de alguns conflitos está relacionado com a guerra em Gaza.
Os rebeldes huthis do Iêmen, apoiados pelo Irã, atacaram navios mercantes no Mar Vermelho nas últimas semanas, em solidariedade com os habitantes de Gaza. E as forças israelenses trocam disparos quase diariamente com o movimento islamista pró-iraniano Hezbollah, na fronteira com o Líbano.
Os conflitos paralelos também esquentaram. Na terça, o Irã usou mísseis balísticos para atacar bases de "espiões" e alvos "terroristas" na Síria e no Curdistão iraquiano.
De acordo com Sanam Vakil, do "think tank" britânico Chatham House, o Irã prevê que as tensões com Israel, seu inimigo jurado, "aumentem", à medida que a guerra em Gaza se arrasta e, com seus bombardeios, "está estabelecendo linhas vermelhas para mostrar diretamente a Israel o que irá responder, ou não".
"O Irã quer reforçar sua posição", concorda Nausheen Wasi. "Os ataques são uma advertência para a comunidade internacional, mais do que para o Paquistão".
De qualquer modo, a resposta paquistanesa alimenta temores de uma escalada.
Mas "a consequência da nova situação é que os dois países estão (agora) aparente e simbolicamente iguais", avalia Antoine Levesques, do International Institute for Strategic Studies (IISS).
"Os riscos de uma nova escalada são mínimos e podem diminuir com o tempo", observa.
Sanam Vakil considera que a resposta paquistanesa "parece bastante moderada" e copia o método do Irã, que ressaltou que ataca apenas grupos iranianos que operam do exterior.
A agência iraniana de notícias Fars disse que as vítimas de quinta-feira seriam de nacionalidade paquistanesa, sem citar fontes.
"Realmente há espaço para a desescalada", acredita Vakil. "Poderiam encontrar uma solução que permitisse (a todos) salvar as aparências", acrescenta.
Em 8 de fevereiro, o Paquistão realizará eleições gerais, nas quais o todo-poderoso Exército já foi acusado de tentar influenciar o resultado.
O ex-primeiro-ministro Imran Khan, o político mais popular do país, está atualmente detido e foi declarado inelegível durante cinco anos, depois de atacar o Exército.
Outro ex-primeiro-ministro, Nawaz Sharif, que dirigiu o país três vezes, é considerado favorito nas eleições e analistas acreditam que ele conta com o apoio dos militares.
O Paquistão também enfrenta um forte aumento dos atentados na fronteira com o Afeganistão e uma deterioração de suas relações com as autoridades talibãs em Cabul.
"Não subestime o impulso político que o Exército pode obter com esta represália contra o Irã", afirma Michael Kugelman, diretor do Instituto do Sul da Ásia no "think tank" Wilson Center, em Washington.
"Sua repressão contra Imran Khan e seu partido avivou a ira pública contra o Exército. O ataque em represália pode ter um efeito unificador em torno da bandeira, mesmo que apenas momentaneamente", escreveu na rede social X.