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"Bolsonaro já compromete o Brasil no exterior", diz Rubens Ricupero

Para o ex-embaixador Rubens Ricupero, o mal-estar causado por declarações de Bolsonaro e sua equipe com países estrangeiros é um risco para as exportações

O diplomata Rubens Ricupero: " pessoas da equipe de transição estão falando coisas que já estão causando dano antes de eles terem a realidade do poder" (Fernando Silveira/Divulgação)

O diplomata Rubens Ricupero: " pessoas da equipe de transição estão falando coisas que já estão causando dano antes de eles terem a realidade do poder" (Fernando Silveira/Divulgação)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 23 de novembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2018 às 07h47.

SÃO PAULO — Desde que começou a montar a sua equipe ministerial, o presidente eleito Jair Bolsonaro vem colecionando polêmicas na área internacional. As declarações do novo governante e de sua equipe de transição já causaram um mal-estar com países árabes, com a Argentina, com a Noruega, com Cuba e até com a China — o maior comprador de produtos do Brasil, especialmente minério de ferro e soja.

A nomeação do diplomata Ernesto Araújo para o Ministério de Relações Exteriores, em vez de amenizar a situação, só gerou ainda mais confusão. Em textos de opinião e artigos acadêmicos, Araújo contesta a tese de que a emissão de gás carbônico está ligada ao aquecimento global, diz que a China segue uma doutrina maoísta e também critica uma suposta inclinação marxista das instituições internacionais.

Para Rubens Ricupero, um dos mais importantes diplomatas brasileiros e ex-ministro da Fazenda, este tipo de posicionamento da equipe de Bolsonaro está criando problemas para a diplomacia brasileira que podem vir a custar caro para as exportações do país. Em uma entrevista a EXAME, Ricupero disse que o Brasil pode pagar um preço alto caso deixe de ser visto como um país que respeita o meio ambiente e defende os direitos humanos.

"As pessoas da equipe de transição estão falando coisas que já estão causando dano antes de eles terem a realidade do poder. Eles não têm o benefício do poder, mas já estão tendo os ônus", diz o diplomata, que também foi Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e embaixador do Brasil em Washington. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

O que podemos esperar da política externa no governo Bolsonaro?

Na minha opinião, dado o perfil do futuro governo, a área mais importante, mais promissora de política externa é a área de comércio e conquista de mercados. Porque em outras áreas em que o Brasil tinha grandes aspirações — como na área ambiental — é difícil imaginar que isso deva continuar. Já será um milagre se for possível evitar que se cause muito dano. O Brasil foi um ator fundamental nas negociações ambientais até do Acordo de Paris.

Por que a atuação no campo ambiental é tão importante?

O Brasil não é uma potência militar, nem potência nuclear. Mas é uma potência ambiental. Nenhum grande acordo pode ser feito sem o Brasil, porque o país tem a maior floresta tropical do mundo, tem a maior reserva de água doce, tem uma enorme reserva de biodiversidade. Tem também grandes potenciais de energia eólica e solar. Além disso, o Brasil já tem um expressivo número de realizações em energia limpa e renovável, com o etanol, com a biomassa. Somando isso tudo, há um potencial muito alto na área ambiental. No Acordo de Paris, por exemplo, o Brasil se comprometeu a um reflorestamento intenso. Mas eu não vejo muita sensibilidade do novo governo em manter esses compromissos. Por aí a gente já vê que é uma área complicada.

A boa imagem do Brasil na área ambiental pode ser arranhada?

Sim. Hoje em dia a imagem de um país no mundo se faz com a combinação de dois domínios. Um deles é a percepção de que o país é um êxito econômico e social. Que foi o que aconteceu, de maneira certa ou errada, na época do Lula. O país cresce, com pouca inflação, com uma macroeconomia prudente, com distribuição de renda, com redução da pobreza. Se ele tiver isso, ele já é admirado.

Não é o caso do Brasil hoje. O Brasil ainda está crescendo pouco. Não tem uma visão muito clara de como impedir a dívida pública de crescer. Então por aí a gente não pode esperar que o mundo olhe com muita admiração. Os mercados aqui podem acreditar no Paulo Guedes, mas o pessoal lá fora vai querer ver algo de concreto.

E qual é o segundo domínio que faz um país ser admirado?

O segundo domínio são as questões sociais e ambientais. O país tem uma boa imagem se for um exemplo em matéria de proteção ao meio ambiente, de defesa dos direitos humanos, de promoção da igualdade de gênero entre mulheres e homens. Um país tolerante com a diversidade, protetor de minorias, de indígenas. E como você se vê... Eu preciso acrescentar alguma coisa?

O senhor diz que o governo Bolsonaro não está caminhando nesta direção?

Não. E tem outra coisa. País nenhum do mundo admira uma polícia que mata 500 suspeitos, como o presidente Rodrigo Duterte faz nas Filipinas. Ele é hoje um pária mundial. É considerado um marginal. Ninguém admira isso. O que se admira é o respeito aos direitos, às liberdades, e tal. E não tem outro caminho. O caminho tem que ser este. Se a política externa brasileira não puder ser isso, o que é que sobra? Sobra o comércio exterior. Mas mesmo o comércio exterior será vítima se não houver um mínimo de respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos.

O senhor está preocupado?

Eu estou. E muito. Basta ver as declarações. Digamos que estas declarações vão desaparecer com o tempo, por causa da curva de aprendizado. Mas é preocupante quando o presidente eleito diz que não vai conceder um metro a mais de reserva indígena. A Constituição dispõe que os indígenas têm direitos. É possível ignorar isso? As pessoas da equipe de transição estão falando coisas que já estão causando dano antes de eles terem a realidade do poder. Eles não têm o benefício do poder, mas já estão tendo os ônus.

Qual deve ser o papel da diplomacia brasileira neste cenário?

Tem que ser, como se diz em inglês, "damage containment" (contenção de danos). Uma diplomacia deste tipo acaba virando uma diplomacia defensiva. Porque vai ter denúncia em toda parte. No Conselho de Direitos Humanos, aqui, ali. A diplomacia vai ter que ficar o tempo todo se defendendo em vez de ser uma diplomacia construtiva.

E outra coisa que me preocupa. É que este pessoal não se dá conta do que é o Brasil. O Brasil é um país importante, forte. Um país que é apreciado no mundo. Então tudo que o Brasil faz tem consequência. Mas por outro lado o país não é uma superpotência, como os Estados Unidos. Em outras palavras, os americanos podem fazer coisas que outros países como o Brasil não podem se dar ao luxo de fazer, como na questão da mudança da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

O Brasil corre o risco de se isolar?

O que vejo é que antes de ter a realidade do poder, esta é uma equipe que já está comprometendo o Brasil. E não estão comprometendo com pouca gente e com gente pequena. Com a China, com os árabes, com os muçulmanos -- que são a maior religião do mundo --, com a Argentina, que é nosso principal vizinho, com a Noruega que é o principal financiador. Com quem mais o Brasil quer brigar?

Tem uma frase boa que o Azeredo da Silveira, que foi ministro das Relações Exteriores do Geisel, gostava muito de repetir. Ele dizia assim: "eu não tolero estas pessoas que fazem questão de atravessar a rua para pisar numa casca de banana na calçada do outro lado".

É o sujeito que inventa o problema, entende? Por que é isso. Nenhuma dessas questões que foram objetos de declarações da equipe do Bolsonaro precisava ter sido um problema. Porque não era. A Argentina não era problema. O Mercosul não era problema. A China não era problema. Um país que tem 57 mil problemas reais, como o Brasil, vai atravessar a rua para pisar na casca de banana do outro lado? Esta era a frase luminosa do Silveira.

Falando sobre comércio exterior, Bolsonaro e seu equipe econômica têm dito que pretendem buscar mais acordos comerciais. O que acha desta estratégia?

Criou-se uma espécie de consenso no Brasil de que nós nos atrasamos nos acordos bilaterais e que nós temos agora que recuperar o tempo perdido. Sem entrar na análise a respeito de saber se esse consenso é correto ou não, porque eu tenho minhas dúvidas, o problema maior é que nós mudamos de posição num momento em que ninguém está fazendo acordos bilaterais. Nós deveríamos ter tido essa conversão há uns 7 ou 8 anos. No momento em que quem dá o tom da política comercial no mundo é o Trump, com este nacionalismo e protecionismo dele, a nossa posição se torna bastante fora do espírito da época.

O senhor acha que o Mercosul seria um empecilho para a negociação de acordos?

A princípio isso não é uma desvantagem. Por exemplo, a União Europeia deixou claro há muito tempo que ela só quer fazer um acordo com o Mercosul, e não com os países individualmente considerados.  

Se não for uma negociação em bloco, não interessa.

Não interessa. Claro, que se o bloco acabasse, eles teriam de reconsiderar a posição. Mas enquanto isso não acontecer, o bloco tem peso. Qualquer grande ator comercial vai preferir negociar com o Mercosul do que negociar com o Brasil, pela razão simples de que, ao negociar com os quatro, teria acesso a um mercado maior. Tanto é assim que nós já estamos com uma negociação engatilhada com o Canadá. E se quisermos amanhã fazer com outro ator, por exemplo, o Japão, será a mesma coisa.

Agora, o que o senhor acha da ideia de transformar o Mercosul numa área de livre comércio, em vez de uma união aduaneira?

Esta é uma ideia aparentemente atrativa que já foi muitas vezes aventada, mas que terá problemas. Terá problemas porque alguns setores no Brasil dependem da zona aduaneira comum, como é o caso da indústria automobilística. O grande mercado brasileiro para automóveis e autopeças é a Argentina. E o da Argentina somos nós. No momento que se quiser por fim a união aduaneira, se está pondo fim à indústria automobilística. Alguém pode fazer isso quando há 12 milhões de desempregados?

Qual seria uma boa estratégia na área comercial?

O que o Brasil mais precisa hoje em dia não é tanto fazer acordos de livre comércio. Precisa de acordos que visem a remoção ou a redução das barreiras não tarifárias. Muito mais do que a tarifa de importação, o grande obstáculo ao comércio, e sobretudo ao tipo de exportação em que o Brasil é competitivo, são as barreiras sanitárias e fitosanitárias. No caso de carnes, o problema não tem nada a ver com tarifa. O que o Brasil precisa é investir na remoção dos obstáculos ao tipo de exportação em que ele é competitivo. Mas aí você tem um problema.

Qual?

Barreira não tarifária é muito usada como pretexto para o protecionismo. Agora, para não dar esse pretexto, o Brasil tem que um sistema de fiscalização sanitária impecável. Para exportar carne de boi, carne de frango, carne de suínos. Para exportar fruta. O país tem que aceitar quais são os pesticidas que não se pode utilizar e ter um controle interno para isso. O Brasil se qualifica nisso? Não se qualifica. Isso não tem nada a ver com o Itamaraty. Isso é o Ministério da Agricultura.

É possível ter um agronegócio de primeiro mundo com um sistema de fiscalização de quarto mundo? O sistema de fiscalização brasileiro até hoje está na mão dos partidos. Os superintendentes regionais são nomeados pelos partidos. Como se pode ter confiança? E por outro lado, os próprios frigoríficos, como ficou provado, davam propina para alterar os laudos. Como é que vamos negociar acordos de remoção de barreiras sanitárias e fitossanitárias, com essa situação? Para os países estrangeiros, isso é um prato feito. Porque eles já não querem deixar o Brasil entrar.

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